“Tenho 48 anos de idade e 48 anos de bombeiro”
Alberto Fernandes é comandante dos Bombeiros de Alverca e viveu com eles os melhores e piores momentos da sua vida. Reconhecido pelos dotes de comando e pela compaixão pelo próximo, coloca sempre a segurança dos seus homens em primeiro lugar porque o pior que lhe podia acontecer era ter dar às famílias a notícia de que os perdeu.
Alberto Fernandes tem 48 anos e é bombeiro desde que nasceu. O pai, Joaquim Fernandes, integrou os Bombeiros Voluntários de Alverca do Ribatejo (BVA) antes dele e era ao seu colo que Alberto passava os dias no quartel. “Os meus pais moravam no Bom Sucesso, por isso a minha mãe ouvia a sirene quando ela tocava, percebia que havia fogo e vinha a correr ao quartel buscar-me. O meu pai ficava sentado numa cadeira à espera que ela chegasse e me levasse e depois ia com o resto da equipa”, conta.
Joaquim faleceu quando o filho tinha apenas seis anos mas deixou-lhe a herança do comando da corporação e o amor incondicional pela profissão, que iniciou oficialmente aos 14 anos como cadete. Foi subindo todos os graus dentro da corporação e o único posto que nunca ocupou foi o de 2º comandante. Enquanto funcionário dos BVA foi motorista e mais tarde ocupou o cargo de coordenador de serviço e os postos de comando. Tem uma vasta formação, que conseguiu através da Escola Nacional de Bombeiros onde também é formador.
Viveu um dos momentos mais impactantes da sua carreira quando ainda era cadete: o acidente ferroviário na Póvoa de Santa Iria, em 1987. “Foi a minha primeira grande ‘bernarda’, como nós, bombeiros, costumamos dizer. Como ainda era um miúdo, tinha 16 anos, não me deram funções de grande importância, não me puseram em contacto directo com as vítimas, colocaram-me à retaguarda a dar apoio, a ir buscar águas e a ajudar noutras funções mais simples”, recorda.
No centro dos grandes incêndios deste Verão
O comandante só se lembra de incêndios tão graves como os deste ano em 2003 e 2005. E mesmo assim não foram tão violentos nem progrediram tão depressa porque não esteve presente o maior inimigo dos bombeiros: o vento. “Este ano tivemos dias muito ventosos, com rajadas muito fortes que não eram constantes e faziam com que o fogo tão depressa ardesse para norte como para sul”.
Alberto ajudou a combater em todos os grandes incêndios, de Alijó a Proença-a-Nova, Sertã ou Mação, integrando as equipas dos postos de comando nos locais mais tensos para ajudar na coordenação do combate aos incêndios quando os comandantes locais precisavam de descansar. Só não participou no incêndio de Pedrógão Grande porque estava na altura a dar formação a outras equipas em Moçambique. Quando lhe perguntam se o medo se perde com a experiência, concorda: “Ao fim de alguns anos é isso que acontece: o medo é substituído pela adrenalina. Só quando as coisas passam e nós paramos e começamos a olhar à volta é que pensamos naquilo em que estivemos envolvidos e em como podia ter corrido tão mal”.
O comandante também compreende a tarefa ingrata da GNR ou PSP de obrigarem as populações a abandonarem as suas casas quando estas estão em perigo: “Nós só podemos pedir-lhes que saiam, quem pode obrigar, de certa forma, é a GNR ou a PSP, e compreendo quando as pessoas não querem sair, porque só têm aquelas casas e uma horta e meia dúzia de animais que por lá estão, são as vidas inteiras delas. Por isso se perderem aquilo... Muitos preferem morrer a desfazerem-se das suas coisas”.
Alberto também sabe que quem perde tudo sente que os bombeiros não fizeram o suficiente para os ajudar e não leva a peito o que se ouve em momentos de desespero: “Mas garanto que se fez tudo o que se podia em todos os casos e que muitos bombeiros fizeram mais do que o humanamente possível, quando no fundo somos apenas humanos”.
Sempre de braço dado com a morte e a vida
Alberto nunca teve de presenciar a morte de alguém que não tenha conseguido convencer a abandonar uma habitação durante um incêndio, mas o contacto com a morte tem sido constante noutras alturas. Como motorista e tripulante das ambulâncias de socorro da “Linha Branca”, a mais voltada para emergências, assistiu a várias mortes súbitas mas também a vários partos.
Curiosamente, Alberto nasceu em casa, no Bom Sucesso, e também foi lá que ajudou a um parto há quase 20 anos: “O mais engraçado é que até foi a poucas ruas de onde era a casa dos meus pais”, lembra. A equipa de que fazia parte encontrava-se já a levar a mãe que ia dar à luz para a ambulância quando o parto teve início e, não havendo as mesmas condições nos veículos de hoje, nem tempo para chegarem ao hospital e a mãe ser assistida, a criança teve mesmo de nascer em casa.
“Além desse caso houve outros e muitas vezes tínhamos ajuda de populares, das parteiras por exemplo, alguém que estivesse por perto e a quem pudéssemos pedir ajuda”. O número de partos em casa tem diminuído com o tempo, mas Alberto não esquecerá aquele que foi quase uma fotocópia do seu.
E para quem esteve sempre num quartel, ainda há algo para o qual Alberto não se sinta preparado? “Sim, há, e digo-o várias vezes aos meus homens: é que chegue o dia em que tenha de ir a casa de um deles avisar as famílias que eles perderam a vida. Por isso aquilo que lhes peço é que coloquem sempre a sua segurança em primeiro lugar e que não me obriguem a fazer a única coisa para que não estou preparado como comandante”.