Uma tasca com vista para os touros
João Carlos Antunes começou a fazer petiscos com um fogareiro pequeno num local de passagem dos touros durante a Feira de Outubro em Vila Franca de Xira. Hoje já são muitos os que ali vão petiscar, sempre com um olho nas febras e outro nos animais, não vá o diabo tecê-las.
Na Feira de Outubro, em Vila Franca de Xira, é possível almoçar enquanto se espera a vez para desafiar o touro durante as largadas. A cortesia é de João Carlos dos Santos Antunes, “um filho da terra”. Há mais de 40 anos que este aficionado monta uma pequena tasca fora da protecção das tronqueiras, num dos pontos de passagem dos touros durante as largadas.
A O MIRANTE, João Carlos explicou que “tudo começou com um fogareiro pequenino, mas as coisas foram evoluindo para esta tasca”. A comida e a bebida (só tem vinho tinto) fica a cargo dos amigos – “uns trazem as febras, outros a entremeada, outros o vinho e ainda temos quem traga o pão” – e quem ali vai comer não tem que pagar nada. “Eu não vendo nada. Quem quiser, pode meter ali uma moedinha numa leiteira que tenho, para me ajudar com as despesas. Mas quem não meter também pode comer à vontade”, explicou.
O touro está a poucos metros de distância e a descontração da entrevista não disfarça o facto de o risco estar sempre presente. Com um olho no animal e outro no jornalista, João Carlos explicou que tudo está orientado para que não haja acidentes: um pequeno sistema de roldanas iça o fogareiro para que este não seja apanhado pelo touro, enquanto um conjunto de barras de ferro serve como ponto de fuga para proteger os homens responsáveis pela carne, avisados pelo “sentinela” sentado no gradeamento da linha de comboio. Ainda assim, a segurança das pessoas não está garantida e quem se aventura vai por sua conta e risco. “Se alguém for furado, a responsabilidade é deles. Eles é que vieram para cá, não fui eu que os mandei”, diz João Carlos.
A proximidade do animal torna os acidentes inevitáveis. João Carlos Antunes já foi “agarrado” duas vezes, ainda que sem grandes consequências, ao contrário de alguns amigos que já chegaram mesmo a ser “furados”. O material também já sofreu algumas investidas. Na segunda-feira, 2 de Outubro, um touro embateu contra o fogareiro e espalhou as brasas pelo chão. “O pessoal riu-se à brava, não houve problema nenhum e ainda se salvaram as febras”, conta bem-disposto.
Com 71 anos (“e meio”), João Carlos Antunes ainda não pensa desistir destas andanças. O convívio com os amigos e a diversão sempre presente dão-lhe força para continuar uma tradição que já caminha para o meio século de existência. “Para o ano cá estarei em força e, antes disso, ainda vou dar uma perninha ao Colete Encarnado”, diz.