Da vida militar à direcção de um lar de idosos sem nunca parar de estudar
Maria Alice Rodrigues é directora técnica do Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia de Pernes.
Maria Alice Rodrigues, 45 anos, directora técnica do Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia de Pernes vive para dar esperança e alento aos outros há mais de 15 anos. Uma apaixonada pelo gerontologia e apologista que considera que o sucesso da instituição passa por uma equipa comprometida e pela transparência, partilha e desejo por fazer mais e melhor pelos idosos.
Nascida em Cinfães do Douro e criada entre Ermesinde e o Porto, admite que já em jovem, nas férias, ajudava a cuidar dos idosos no Centro Social e Paroquial de Alfena (CSPA), local onde a mãe trabalhava, e apoiava os pais a tratar dos cultivos e dos animais que criavam.
Ainda trabalhou um ano no jornal do CSPA, “A Voz do Alfena”, redigindo os textos no computador e fazendo a parte gráfica mas o desejo de tirar um curso superior era tal que se inscreveu no Exército. “Foi no dia do meu aniversário e do meu irmão que decidi ir para o Exército. O meu irmão estava, na altura, no Regime de Infantaria do Porto e eu fui lá levar-lhe um bolo. Entretanto, o oficial de dia que estava na porta de armas questionou-me por que é que eu não ingressava nas forças armadas pois poderia ganhar o meu dinheiro e aproveitar para estudar lá. Inscrevi-me e chamaram-me para ir à inspecção e, depois, para a recruta”, explica.
Na altura, diz, “as maiores dificuldades que tive foi largar tudo o que tinha, a família, o trabalho, e não saber o que me esperava já que havia poucas mulheres no Exército. Fiz parte do primeiro pelotão que teve mulheres militares na Escola Prática de Serviço de Material no Entroncamento”.
Maria Alice Rodrigues ainda se lembra do dia em que se deslocou para começar a recruta como se fosse hoje: “Nesse dia fui com o meu pai no comboio e ele chorou todo o caminho e dizia que não sabia onde me ia meter. Ele, como esteve na guerra colonial, sabia bem o que era aquilo”. E não foi a única peripécia que recorda desse dia. “Quando cheguei, enquanto esperava que me chamassem encostei-me a uma parede. Foi quando um graduado, com uma voz altiva, me disse: ‘Desencoste-se da parede que a parede não cai’. Logo naquele momento apercebi-me da disciplina, do rigor e da exigência da instituição militar”, adianta.
Esteve seis anos no Exército e foi aí que começou o seu percurso académico. Tirou o curso superior de gestão de recursos humanos no ISLA de Santarém e fez três pós-graduações: primeiro em gerontologia social no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa; mais tarde, em organização de instituições de economia social no ISLA de Leiria; e, recentemente, em gestão de recursos sociais (GOS) na AESE Business School.
E porque continua a sentir necessidade de aprender, neste momento está a tirar a sua segunda licenciatura, desta vez em serviço social na Universidade Aberta. Já a Santa Casa da Misericórdia de Pernes surgiu no seu caminho por meio de um anúncio de jornal. “Quando vi o anúncio decidi concorrer, porque sentia que a vida militar já não me dizia nada. Fui seleccionada e vim para esta instituição trabalhar em 2001”, conta.
Dividida entre a família e aquela que considera ser “a sua segunda casa”, a directora técnica admite que é muito focada no trabalho e lidera dando o exemplo. “Não sou das primeiras a chegar mas sou, certamente, das últimas a sair”, adianta. Além disso, refere, “faço questão de vestir esta camisa, igual às fardas dos demais colaboradores, pois ajuda que as pessoas nos identifiquem mais rapidamente e nos liguem a esta casa”.
Alegrias e tristezas de muitas histórias tocantes
Entre alegrias e tristezas, histórias é o que não falta a esta directora técnica da Santa Casa da Misericórdia de Pernes. “Temos aqui vários casos de utentes que encontram, após a sua institucionalização, uma grande oportunidade de poderem de novo vir a ter o merecido protagonismo, com uma dignidade ímpar, desenvolvendo os seus talentos, seja escrevendo livros, tocando música ou tirando fotografias. É o caso de um dos nossos utentes, José Carlos Santos Rosa, que entrou para cá há dois anos. Ele era um maestro conhecido mas estava muito em baixo e nós conseguimos que ele recuperasse, começasse a tocar no seu clarinete e que lançasse um livro com a sua vida”, conta.
E conta outro episódio tocante: “Tivemos também uma história triste de um utente que também queria escrever um livro e que fosse editado pela Santa Casa e então, demos um livro de António Aleixo para que ele se inspirasse para escrever umas quadras, o que ele fez. Mas, entretanto, o senhor ficou doente e faleceu uns dias antes de lançar o livro. Ainda fomos ao hospital e ele, já em estado terminal, perguntou-nos de que cor seria a capa e nós respondemos: ‘Nós pensámos em ser verde que é a cor da esperança e você tem de se pôr melhor’ e ele lá aceitou”.
Maria Alice Rodrigues diz que as pessoas idosas são cada vez mais e que, mais cedo ou mais tarde, a fragilidade natural do envelhecimento é inevitável, daí que “seja preciso respostas para cuidar dessas pessoas para que o entusiasmo de viver nunca se perca”. Por isso, “estas estruturas vão ter que existir sempre”.