“Não dou conselhos mas ajudo o próximo a tirar as suas conclusões”
Maria Goretty Ribeiro, 48 anos, presidente da Associação Projecto Jovem, Vialonga.
É uma mulher de causas e determinada que não abandona o seu semelhante. É psicóloga e presidente da Associação Projecto Jovem de Vialonga. Vive em Alverca e gosta da proximidade que a cidade tem. Diz que já é tempo das famílias de pessoas com deficiência deixarem de ouvir só a palavra “não” e de se ultrapassarem as burocracias.
O meu nome deriva de uma santa que foi vítima de abuso sexual. Quando o responsável foi condenado ela apareceu-lhe na cela e perdoou-o. Curiosamente sempre fui muito misericordiosa. Sou de Lisboa com raízes do norte mas vivo em Alverca.
Assumi a direcção da Associação Projecto Jovem (APJ) de Vialonga no dia 1 de Abril de 2006. Parece mentira mas é verdade. Na altura a Fátima Pinheiro era presidente e dizia que estava na direcção há mandatos suficientes e tinha que deixar, com muita pena, esse cargo. A APJ era como um pedaço dela. Tinha sido uma obra à qual ela se tinha dedicado de corpo e alma. Na altura em que avancei penso que havia quem acreditasse que a associação iria fechar mas isso não aconteceu.
Sempre tive capacidade para ouvir e ajudar os outros. Sou psicóloga clínica e quando não estou na APJ estou a dar consultas. Não dou conselhos porque acho que não se devem dar. O meu trabalho é ajudar o outro a chegar às suas próprias conclusões. Tive um professor invisual em filosofia que um dia me perguntou o que eu estava ali a fazer. Pensei que ele me considerava uma nulidade mas descobri depois que ele me queria dizer que havia uma possibilidade de entrar directamente para a universidade, o que fiz pouco depois.
A minha profissão é muito complicada mas desafiante. E o resultado final do meu trabalho é muito gratificante, especialmente quando vemos entrar no gabinete pessoas que estão num grande desespero e passado um tempo saem com um sorriso e a agradecer o que nós fizemos por elas. Há dias uma paciente disse-me que não lhe salvei a vida a ela mas sim a dos seus filhos.
Sofri de epilepsia até aos 17 anos e era tratada no Hospital de Santa Maria em Lisboa. Eu costumava dizer à minha mãe que um dia ainda iria trabalhar naquele hospital a ajudar os outros e fiz isso mesmo. Trabalhei lá 12 anos.
Ética, respeito pelo outro, profissionalismo e saber ouvir são os meus valores essenciais. Eu tenho-os e quero acreditar que ainda os há na sociedade. E que esta nova geração está a trazê-los de volta. Não tenho a certeza se a que vem de trás os recebe bem mas é o que estou a sentir. A culpa não é dos jovens mas sim dos educadores. Sejam eles pais, professores ou outros. Nós crescemos por imitação. Talvez seja tempo de parar e pensar os nossos comportamentos.
Ao início custou-me viver em Alverca mas hoje gosto da cidade. Estou perto de tudo e consigo andar a pé por todo o lado. Vi a cidade crescer e desenvolver-se. A Alverca de há 20 anos não tem nada a ver com a de hoje em dia.
O psicólogo também precisa de psicólogos. Não nos podemos esquecer que somos humanos e que nesta área estamos a falar de emoções e histórias de vida. Às vezes estamos na cadeira a ouvir a nossa própria história. Temos de ter alicerces para ajudar os outros. A Maria Goretty é tudo isto.
Na deficiência é mais difícil lidar com os pais do que as crianças. Não digo isto em sentido depreciativo. É que a maioria dos pais tem consciência mental do que tem em casa e das incapacidades com que se vai deparando em poder cuidar e dar continuidade ao cuidado dos seus filhos. A preocupação deles é o que acontecerá com os filhos quando eles partirem. Isto traz uma negrura ao coração muito grande. São pessoas sofridas, com portas batidas, muitos “não” ouvidos pelo caminho e muita burocracia.
Quero acreditar que a abertura da sociedade para os temas da deficiência aumentou. O avanço da mentalidade e da espécie traz um conhecimento maior e as pessoas não discriminam tanto. A nova secretária de estado pode ajudar nessa inclusão, adoraria ter uma reunião com ela. Há muita coisa que ela pode ouvir no terreno. E fiquei super feliz com a eleição da Manuela Ralha para vereadora na Câmara de Vila Franca de Xira, ela é uma lutadora, sei que sai da secretária e espero que venha visitar as instituições.
Já dormi na associação durante 72 horas com um jovem cuja mãe morreu vítima de AVC e o pai se suicidou. Estas coisas marcam-nos. Só quero dar resposta a quem necessita dela. Actualmente apoiamos 38 jovens e adultos com deficiência e outra meia centena de pessoas na cantina social.
Tenho espaço para um lar mas não há capacidade financeira para isso. Há instituições a construir lares e a ficar de portas fechadas à espera dos utentes. Eu tenho os utentes à espera do equipamento. Preciso dessa resposta social urgente porque já perdi 4 utentes pelo caminho e se houvesse o lar se calhar não tinham morrido tão cedo.