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Ir para um lar de idosos pode ser inevitável mas é sempre uma “violência”

Durante quarenta, cinquenta, sessenta anos construímos e organizamos o nosso lar. Falo de lar e não de casa porque uma casa é um conjunto de paredes, telhado, portas, janelas e loiças de casa-de-banho e cozinha.
Compramos mobília a gosto, escolhemos cortinados, utensílios de cozinha, juntamos mais ou menos adereços, penduramos fotografias, arrumamos livros em estantes, organizamos a roupa, a loiça nos armários, a comida na despensa e no frigorífico, plantamos flores, temos um cão, um gato ou um periquito, fazemos as refeições a nosso gosto...
Um dia deixamos de ter autonomia ou tanta autonomia, seja devido à idade ou à idade e à doença. Os filhos, se os tivermos, vivem longe e têm vidas muito ocupadas. O emprego, os transportes, os filhos...resistimos o que podemos mas acabamos por aceitar ir para um lar e a nossa vida muda radicalmente.
As pessoas que lá trabalham mimam-nos. São atenciosas, simpáticas...mas o que era nosso ficou de fora. O lar que construímos foi abandonado, bem como o animal de estimação se o tínhamos. Os quadros, os livros, as fotografias emolduradas não podem entrar todas. O sofá que escolhemos de propósito também não nos pode acompanhar.
Perdemos o contacto com vizinhos, amigos, conhecidos. Por vezes o lar é no local onde moramos. Por vezes é muito longe. Já não ouvimos o olá do carteiro, da menina da caixa do supermercado, dos conhecidos que nos são familiares. Colocamos a moldura com a foto dos netos na mesa de cabeceira e muito provavelmente temos outro companheiro no quarto. Um desconhecido de quem podemos vir a gostar ou não. Que pode gostar de nós ou detestar-nos.
Podia falar dos cheiros do nosso lar, do ranger daquela porta ou daquela zona do soalho que tão bem conhecíamos. Não vale a pena estar com sentimentalismos. O importante, dizem-nos, é sermos bem tratados e ser-nos dada alguma atenção. É verdade mas é sempre...uma grande mentira. Nós somos seres humanos. Podemos viver com menos ou mais comida mas não podemos viver bem depois de termos sido arrancados do nosso lar e isso significar que estamos na ante câmara de uma morte lenta.
Joaquim Correia Cafofo

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