uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Urbanização de moradias na Quinta da Cardiga pode viabilizar investimento no palácio

Urbanização de moradias na Quinta da Cardiga pode viabilizar investimento no palácio

Presidente da Golegã foi contactado por representante dos donos e está receptivo à ideia. Sem utilização há vários anos e sem compradores ou investidores interessados, o Palácio da Quinta da Cardiga, Imóvel Classificado como de Interesse Público poderá beneficiar com um projecto de urbanismo que prevê a construção de moradias na área das antigas instalações de apoio da enorme exploração agrícola.

O representante dos proprietários da Quinta da Cardiga, António Mello, diz desconhecer o anúncio a publicitar a venda da propriedade por dez milhões de euros, que foi divulgado dia 22 de Novembro pela imobiliária Imovirtual.
Numa conversa informal à porta do Palacete da Quinta, António Mello disse que estão a decorrer trabalhos de manutenção do edifício, não tendo adiantado qualquer informação sobre projectos futuros.
“Estamos a substituir as janelas, a reparar os telhados, tirámos as lanternas todas. Temos tudo o que tem sido retirado da Quinta, guardado e preservado. Há a perspectiva de fazer aqui qualquer coisa mas não estou autorizado a dar essas informações”, disse, tendo usado o mesmo argumento para não nos franquear a entrada no edifício.
Contactado por O MIRANTE, o presidente da Golegã disse que António Mello o procurou recentemente para saber se poderia vir a ser viabilizado um projecto de urbanização com a construção de moradias na zona envolvente ao palacete.
“Não faço segredo desse contacto e acho que o mesmo é feito numa altura ideal, uma vez que está a decorrer a revisão do Plano Director Municipal (PDM) do concelho. Actualmente há uma zona urbanizável na área que está ocupada pelas antigas instalações de apoio da Quinta e estamos disponíveis para ver o que mais poderá ser legalmente feito”. O autarca acrescentou que tudo o que for feito para recuperar e dignificar a Quinta da Cardiga, terá o seu apoio.
Sobre o palacete em si, Veiga Maltez diz que não houve qualquer abordagem embora lhe pareça que avançando o investimento na urbanização, passando a haver pessoas a residir numa zona que hoje não está habitada, isso poderá criar condições para haver interesse em investir no histórico imóvel.
Na breve conversa que manteve com O MIRANTE, António Mello referiu que a Quinta continua na posse da Sociedade Agrícola da Quinta da Cardiga e admitiu que os investimentos que venham ali a ser feitos possam envolver outras entidades.
O Palácio da Quinta da Cardiga está classificado como Edifício de Interesse Público desde 12 de Março de 1952. O que está classificado é: “O conjunto formado pela torre ameada da Quinta da Cardiga, na freguesia da Golegã, e antigas construções que a envolvem, designadamente os claustros, capela e celeiro, e pequena colunata rematada por cúpula semiesférica” .
No site da Direcção-Geral do Património Cultural é referido que a Quinta da Cardiga foi doada em 1169 por D. Afonso Henriques aos Templários, tendo sido ali edificado um castelo, que conjuntamente com os castelos de Almourol, de Ceras e do Zêzere, constituía a cintura de defesa do Tejo. A arquitectura do palacete é atribuída ao arquitecto João de Castilho (1470-1552).
Há alguns anos que a Quinta surge em diversos locais como estando para venda, nomeadamente na Leiloeira Sotheby’s, sendo aquele um dos poucos locais onde é possível ver um conjunto de meia centena de fotografias de salas, quartos, pátios interiores e outras instalações onde são visíveis alguns sinais de humidade e zonas danificadas, nomeadamente tectos. Em nenhuma das fotografias aparece qualquer peça de mobiliário ou outros objectos.
No site da leiloeira é referido que o edifício tem 30 quartos, uma área bruta de 22.297 metros quadrados e uma área de terreno de 402. 400 metros quadrados. Na área relativa ao preço figura indicação “Sob Consulta”.

“As minhas férias de Verão eram na Quinta da Cardiga e casei na capela do palacete”

João Graça nasceu em Vila Franca de Xira e foi viver para o Entroncamento muito novo

Quando surge o nome Quinta da Cardiga ele é associado ao palacete principal mas a Quinta era muito mais que a casa principal. O MIRANTE foi visitá-la e teve por cicerone alguém que a conhece há cerca de sessenta anos.

João Graça, que muitos tratam por Saruga ou João Saruga, conhece a Quinta da Cardiga há quase sessenta anos. Em criança ia do Entroncamento até lá, a pé e com um garrafão de cinco litros, comprar leite, que ainda por cima não podia beber porque é alérgico ao mesmo. Em adolescente era na Quinta que passava parte das férias de Verão, acampado com os amigos e foi na capela do palacete da Quinta que casou em 24 de Abril de 1976, numa altura em que ali jogava na equipa da Cardiga.
Estamos junto ao palacete da Quinta, numa zona lateral onde há duas amoreiras, junto à confluência da Ribeira de Santa Catarina com o rio Tejo. “Estas amoreiras eram as primeiras a dar amoras. Era nesta zona que costumávamos acampar nas férias. Por vezes nem usávamos as tendas. Aquele banco de areia ali no Tejo era a ilha do sumiço porque só aparecia quando o caudal diminuía muito e depois sumia-se. Agora está tudo assoreado. Foi ali que aprendi a nadar”, recorda João Graça.
Estende o braço direito e faz um amplo gesto circular. “Este terreno em frente que vai daqui até à Barquinha era uma imensa vinha. Foi tudo arrancado. Do outro lado, em frente à casa, na zona mais baixa, havia imensas árvores. Chamava-se o Choupal. Quando começaram a vender as terras vieram cá um dia e cortaram as árvores todas. Toda a gente que conhecia o local teve pena. Foi ali que o João Carocho, com um conjunto que tinha na altura, tocou uma vez. Andámos a estender metros e metros de cabo para haver lá energia eléctrica. Até parecia “Woodstock”, diz a rir.
Faz uma pausa e conta como, nos anos sessenta, ele e os amigos atravessavam o rio a nado, iam ao Arripiado (concelho da Chamusca) apanhar melões e melancias que deitavam na água na Barquinha para serem apanhados na Cardiga por quem não tinha ido na incursão às searas. “Trazíamos o material a pé até à Barquinha, pelo areal na margem do rio e depois vínhamos a nado.”
João Graça nasceu em Vila Franca de Xira a 4 de Janeiro de 1952. Na altura o pai, Manuel Graça, trabalhava como agulheiro de manobras da CP e a mãe, Rosa Graça, era operária numa fábrica de fiação. O casal, já falecido, teve mais duas filhas, Quitéria e Odete. Uma mais nova e outra mais velha que ele. A família veio para o Entroncamento quando João tinha cinco anos mas ele nunca perdeu o contacto com a terra natal.
“Estudei na Escola Industrial de Tomar e no pólo que foi criado no Entroncamento, na escola das Tílias. Fiz electromecânica. Depois ainda fui tentar a Escola Naval mas tinha que me comprometer a ficar nove anos na Marinha e optei pela Escola Afonso Domingos. Infelizmente não concluí o curso de Máquinas que estava a tirar porque fui chamado para a tropa” e depois de sair da tropa foi trabalhar para a Portucel.
Vamos caminhando dentro da zona central da Quinta da Cardiga, por entre edifícios abandonados e degradados. Uma grande parte dos trabalhadores vivia na zona de S. Caetano. Os que tinham maiores responsabilidades viviam ali nas imediações do casarão dos proprietários. Os trabalhadores sazonais que vinham de outros lados dormiam em camaratas. Chegavam a trabalhar nas colheitas cerca de quinhentas pessoas.
“Ali eram as oficinas de manutenção das máquinas e alfaias agrícolas. Aquele edifício era uma cocheira. Aqui ficava a cavalariça, ali a adega. Aquela casa mais pequena era a do ferrador. Ali era o Quartel dos Bombeiros e também havia uma escola. A maternidade dos porcos onde estavam as porcas com ninhadas de dúzias de leitões. Neste edifício guardavam o estrume das vacas. Fazíamos concursos a ver quem aguentava mais tempo o cheiro que aquilo exalava, quando estava em decomposição. Era um pivete que até ficávamos tontos. A quinta tinha varas de porcos que andavam pelos campos, vacas, cavalos...e havia veados por aí”, conta.
João Graça explica que havia três entradas para a Quinta, duas das quais já não existem. A primeira numa zona de confluência do concelho do Entroncamento e do concelho da Barquinha. A outra ficava onde está um edifício degradado, junto ao recinto onde se realiza o mercado semanal e o mercado grossista do Entroncamento.
A entrada usada por O MIRANTE, que ainda tem um enorme portão, fica já no concelho da Golegã, no limite sul do Entroncamento. Da entrada até ao palacete e às antigas instalações da quinta há uma alameda alcatroada mas bastante esburacada com cerca de um quilómetro, ladeada por dezenas de árvores de grande porte. Há terras semeadas mas já não pertencem à Quinta, tendo sido vendidas ao longo os últimos trinta anos.
Parte da vida de João Graça está ligada à Quinta da Cardiga embora nunca lá tenha trabalhado, nem sequer nas férias. “Casei-me aqui na capela do palacete. Na altura jogava à bola na Cardiga e consegui através do Sr. Pires que era um dos feitores ter autorização do Senhor Fernando Sommer de Andrade. Casei-me em 24 de Abril de 1976. Geralmente o pessoal que trabalhava na Quinta casava na Igreja de S. Caetano”, explica.

Urbanização de moradias na Quinta da Cardiga pode viabilizar investimento no palácio

Mais Notícias

    A carregar...