Desertificação dos centros históricos e falta de empregos arruina comércio tradicional
Nem em época de maior consumo o discurso muda quando se fala com empresários do comércio tradicional. As queixas acentuam-se ano após ano, à medida que os centros históricos se despovoam e diminui a oferta de emprego na região. Não há clientes e a concorrência das grandes superfícies, situadas nas periferias, não abranda. Em alguns casos as câmaras municipais melhoraram as condições de acesso às lojas e procederam a arranjos de ruas e praças. Agora é-lhes pedido que criem condições para voltar a haver habitantes nos centros históricos.
A Modas Felício é uma das lojas mais antigas da Rua Batalhoz, na cidade do Cartaxo, estando aberta há 57 anos. O dono, Fernando Felício, confessa que tem muitos dias em que não abre a caixa por não ter clientes. “É uma tristeza muito grande. Antigamente não tinha vagar para conversar consigo e agora tenho tempo de sobra. A Rua Batalhoz perdeu todo o fervor que tinha há 20 e 30 anos”, lamenta o comerciante.
Para ele, o fecho de muitas empresas é um dos causadores do problema. “Perdemos muitas empresas no concelho e isso faz com que as pessoas não se fixem no Cartaxo porque não há emprego. Os jovens saem para estudar e não voltam e muita gente procura outras terras para viver”, afirma.
Na mesma rua, considerada a principal em termos de comércio, há várias lojas fechadas. As que ainda estão a funcionar têm poucos clientes, apesar de ser época de compras. O cenário é idêntico, noutras cidades da região, nomeadamente em Vila Franca de Xira. Cada comerciante abordado por O MIRANTE tem uma ou várias explicações. Há quem refira a concorrência das grandes superfícies; há quem fale da proximidade da cidade de Lisboa que tem muito maior oferta; há até quem aponte o dedo às chamadas lojas do chinês e até há quem, contrariando o discurso do Governo, fale em falta de poder de compra.
Leonilde Nascimento, 59 anos, trabalha naquela cidade, na Sapataria Salema, na Rua Serpa Pinto, há 44 anos e nos últimos tem visto a clientela diminuir. “Não se vê gente em Vila Franca de Xira. O centro está muito triste e as lojas não têm movimento”, lamenta, acrescentando que nem no Natal vende mais.
Sandra Teresa, 48 anos, filha da proprietária da Retrosaria Tereza, tem a mesma opinião e culpa os centros comerciais, as lojas de chineses e a perda de poder de compra dos potenciais clientes.
Mais a norte, na cidade de Abrantes, também se escutam queixas. Joana Borda D’Água, uma das comerciantes mais novas do centro histórico, diz que a construção de grandes superfícies comerciais na periferia da cidade, aliada à ideia de que naquele tipo de comércio é tudo mais barato, provocou o abandono do comércio tradicional, obrigando muitas lojas a fechar.
Aos 31 anos, a gerente da Drogaria Nova, um estabelecimento inaugurado em 1943, onde se vendem produtos que nos remetem para tempos antigos, tem uma ideia para inverter a situação. “Só falta fazer uma reabilitação urbana que traga mais gente para viver no centro histórico”, admite a O MIRANTE.
Ana Paula Penteado, 50 anos, gerente da loja Isabéis Decorações, em Abrantes, critica o preço das rendas praticadas e o abandono do centro histórico. Fala também da falta de estacionamentos e de haver pouca gente a viver no centro histórico. Mas, para ela, as grandes responsáveis pela morte do comércio tradicional são as grandes superfícies, situadas na periferia da cidade. “Se formos lá estão sempre apinhadas de gente”, lamenta.
Há quem ache que a culpa é das políticas locais
Carlos Palmeiro tem 70 anos e é dono da loja de desporto “Noca”, no centro do Cartaxo. Tinha uma sapataria, também na Rua Batalhoz, mas decidiu fechá-la para “repensar” o negócio. “Decidi parar com a loja no dia 2 de Outubro, após as eleições autárquicas, para demonstrar o meu descontentamento com as decisões políticas do concelho. O Cartaxo está moribundo, fruto das políticas erradas que os autarcas têm desenvolvido ao longo das últimas décadas. Enquanto não houver uma mudança o Cartaxo vai continuar a perder pessoas que optam por viver noutras cidades mais atractivas. O problema do Cartaxo é que não tem jovens adultos nem crianças e as crianças são fundamentais para o futuro de qualquer terra”, critica.
O empresário recorda os tempos em que a Rua Batalhoz estava sempre cheia de pessoas a entrarem nas lojas. “Há cerca de vinte anos tinha nove funcionários e duas lojas. Actualmente são apenas dois para um estabelecimento. “A construção deste largo junto ao edifício da câmara, que obrigou a desviar a Estrada Nacional 3, foi um erro muito grave e que nos prejudica muito. Estamos a pagar muito caro as decisões dos nossos políticos”, acusa.
Sem pessoas a viverem no centro histório de Abrantes não há volta a dar
A Sapataria Passos foi inaugurada há 28 anos. A proprietária, Cidália Passos, confessa que a Câmara de Abrantes até tem feito alguma coisa no centro histórico onde a loja se situa, tornando-o mais atractivo com canteiros e esplanadas mas acrescenta que faltam pessoas. A comerciante, de 65 anos, diz que o principal problema do comércio tradicional são as grandes superfícies comerciais que vendem de tudo e têm a vantagem do estacionamento grátis. “O facto das pessoas viverem na periferia faz com que muitas saiam do trabalho e nunca venham ao centro histórico”, refere. Admite que a sua sapataria só se mantém aberta pela sua antiguidade e pela qualidade dos seus produtos. “A pagar renda, água, luz, ordenados dos funcionários e impostos mas sem conseguir fazer negócio é o fim”, lamenta.
No meio do mar de queixas há quem decida começar um negócio
António Barbosa, 36 anos, decidiu abrir, em Abril deste ano, um negócio em Vila Franca de Xira. Deixou o trabalho num casino em Lisboa para comprar a drogaria mais antiga da cidade, a Victor & Fernando, na Rua Almirante Cândido dos Reis.
Admite que ganhava mais a trabalhar por conta de outrém mas não se arrepende. “Investi aqui a pensar na qualidade de vida. Com a loja não trabalho à noite e posso estar mais tempo com a minha família, que é o mais importante”, explica o comerciante, que também encontra no diálogo e proximidade com cada cliente outra mais-valia.
“As pessoas entram para comprar qualquer coisa e eu converso com elas, dou-lhes conselhos, explico-lhes as minhas preferências. Nos hipermercados não há tempo para o atendimento único e simpático a cada cliente”, explica. António já é o terceiro proprietário da drogaria centenária, que agora mudou de nome para Drogaria Franca, mas que conserva no topo de uma das paredes um letreiro com o nome por que ficou famosa e que também continua a ser visível do lado de fora da loja.
Casa Brincheiro consegue clientes vendendo o que não há nas grandes superfícies
Paulo Lambéria, 48 anos, está à frente da Casa Brincheiro, no centro do Cartaxo, há cerca de duas décadas, tendo herdado o negócio do pai. O comerciante não se queixa da falta de clientes na sua loja que já existe há cerca de 80 anos, na Rua Batalhoz. “Tenho sempre a casa com gente, não me posso queixar”, conta a O MIRANTE.
No entanto, admite que há 20 anos havia mais clientes. “Os comerciantes têm que se adaptar aos tempos modernos e temos que oferecer produtos que não existam nas grandes superfícies e que tenham qualidade”, explica.
A Casa Brincheiro dedica-se à venda de tecidos, roupa de homem e mulher, cortinados, linhas, entre outras coisas. “Tenho optado por vender a preços baratos e as pessoas sabem que os produtos da Casa Brincheiro têm qualidade por isso, felizmente, não me faltam clientes”, afirma, acrescentando que o Cartaxo tem sabido ajustar-se aos novos tempos.