Da Póvoa de Santa Iria para as melhores cozinhas do mundo
Gonçalo Caratão uniu a paixão pelas artes com o talento para a cozinha e tem trabalhado em restaurantes considerados dos melhores do mundo e detentores de estrelas Michelin. Copenhaga, na Dinamarca, recebeu-o de braços abertos.
É a paixão pela profissão e a busca incessante de novos sabores que diariamente fazem com que Gonçalo Caratão, 29 anos, salte da cama para as ruas de Copenhaga, na Dinamarca, onde é cozinheiro.
O seu percurso tem andado de braço dado com cozinhas premiadas com estrelas Michelin, o que o tem ajudado a aprender bastante. Natural da Póvoa de Santa Iria, no concelho de Vila Franca de Xira, desde cedo se sentiu atraído pela área das artes. Um dia conheceu um amigo que estava a tirar um curso de cozinha e percebeu que era aí que poderia dar largas à sua criatividade, para surpresa dos pais. “Percebi que era fácil ligar o mundo das artes com a gastronomia. Na altura ainda não era moda, não tinha ainda surgido a explosão de popularidade desta área e por isso avancei”, conta a O MIRANTE.
Entrou na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa e tirou um curso de cozinha. Os primeiros tempos na profissão foram duros, com muitas ofertas de trabalho mas quase todas mal pagas. A dada altura rumou ao Algarve, onde passou por três restaurantes de hotéis. “Viver e trabalhar longe de casa foi bom, era um adolescente e foi bastante interessante fazer a minha própria vida com o meu ordenado”, recorda.
Por causa da sazonabilidade do turismo algarvio viu-se desempregado no Inverno e regressou a Lisboa, onde esteve a trabalhar quatro anos noutro restaurante. Foi então que se deu o clique dinamarquês.
Vai uma saladinha de orelha?
Em 2014 a cidade de Copenhaga, com quase dois milhões de habitantes, era a capital da alta gastronomia europeia. Fascinado com o que poderia aprender, Gonçalo avançou de malas e bagagens para aquela cidade, “sem ninguém, às escuras, sem trabalho nem alojamento”, apenas com uns currículos impressos que levou de Portugal e que distribuiu nas ruas da cidade dinamarquesa nos restaurantes por onde passava. “Só tinha um amigo lá mas que não me conseguia alojar nem dar trabalho. Sabia que ia ser muito difícil. O alojamento é muito limitado e caro. Há muita procura e pouca oferta”, conta.
A dada altura encontrou uma vaga e entrou no restaurante do hotel Dangleterre, detentor de uma estrela Michelin. A dieta dinamarquesa é muito assente na carne de porco. O lombo de porco dinamarquês é “óptimo”, conta Gonçalo, diferindo do português devido ao tempero e à preparação, que faz com que a pele fique crocante.
Uma diferença entre os dinamarqueses e os portugueses no que diz respeito à carne de porco está no facto de não comerem pezinhos de coentrada ou uma saladinha de orelha. “Ficaram muito admirados de comermos os pés e a orelha, são coisas que para eles são intragáveis. Fiz uma salada de orelha e até gostaram. Mas não deixaram de notar que é para eles algo de esquisito. Já os pés estavam mesmo fora de questão”, conta com um sorriso.
Nos doces, Gonçalo recorda uma espécie de arroz doce alinhado com compota de frutos vermelhos e cereja. Um pecado para os gulosos. Cozinhar para 80 pessoas debaixo de um apagão, usando só a luz das velas, foi uma das suas maiores aventuras na cozinha. Foi também subchefe de cozinha no parque temático Tivoli, junto ao parque central de Copenhaga, onde conseguiu introduzir influências da comida lusa e da região nos seus pratos.
“Tenho um carinho especial pela Póvoa de Santa Iria, foi na zona velha da cidade que cresci e descrevia-a sempre às pessoas de lá com um grande carinho, uma cidade à beira rio com um estuário único”, nota.
Noite de dia e dia de noite
O melhor da Dinamarca, diz Gonçalo, é a estrutura do país, a forma como é organizado, a responsabilidade que cada dinamarquês tem perante a sociedade. A preocupação pelo bem comum está muito presente. “É muito raro ver-se vandalismo. É normal um dinamarquês ver um papel no chão, apanhá-lo e deitá-lo no lixo, mesmo não tendo sido ele a deitar o lixo fora do caixote”, conta. O pior é mesmo o tempo: frio, chuva e falta de sol. No pico do Verão o sol nasce às 3h30 da manhã e põe-se às 23h00. De Inverno nasce às 9h00 e às 15h30 é completamente de noite.
“Não tenho um prato favorito e é injusto escolher um. Tenho elementos com que gosto mais de trabalhar. Sobretudo carnes e marisco. O mundo da gastronomia é tão diversificado que conseguimos encontrar novos sabores a toda a hora e alguns fascinantes. Há ano e meio experimentei alguns insectos e fiquei fascinado. Sobretudo com uma formiga sul-americana que tem um sabor excepcional”, conclui.