31º Aniversário | 21-11-2018 09:23

“Desagradam-me os galos que julgam que o sol nasce só para os ouvir cantar”

Orlando Ferreira Administrador Executivo - Rodoviária do Tejo

Quais foram as pessoas mais importantes durante a sua infância?

A minha mãe, um seguro porto de abrigo, sempre capaz de perceber tudo o que eu fazia e sentia; a minha irmã, como apoio escolar quando o que eu queria mesmo era andar na rua; a minha professora primária, apesar de só mais tarde ter percebido a importância que teve em mim e, finalmente, os meus amigos da rua, mesmo sabendo que os actos praticados pelo grupo não foram sempre os mais exemplares. Foi com eles que conheci o retrato duro das condições de vida naquela época em Campolide.

Quais os principais valores que lhe foram transmitidos e que ainda hoje perduram?

Aprendi que as coisas mais importantes da vida são sempre as mais simples; aprendi a importância de saber ‘calçar os sapatos dos outros’; aprendi a honrar a palavra dada; aprendi que as coisas não caem do céu, que tudo requer muito esforço e... confiança.

Ainda conserva amigos de infância? São os seus melhores amigos ou as voltas da vida levaram-no a ter outros bons amigos?

Apesar de recordar com saudade muitos dos meus amigos de rua e da instrução primária, não conservo nenhuma dessas amizades. Mais tarde, foi o ambiente do Liceu Normal de Pedro Nunes, nesses transformadores anos sessenta, que me proporcionou algumas amizades que ainda hoje se mantêm. Como referência para toda a vida, ficou também o nosso querido professor de Ciências Físico-Químicas. Rómulo de Carvalho era de facto uma presença marcante que irradiava competência, sabedoria e uma imensa serenidade. Já para não falar da áurea poética de António Gedeão que, por vezes, irradiava dentro de si!

Qual foi a fase da vida que achou mais interessante viver até hoje?

Porque nunca me acostumei a apenas sobreviver, sinto não ter passado pela vida sem a viver!

O que mais lhe desagrada no dia-a-dia?

Havendo muitas coisas a merecer reparo, o que me desagrada verdadeiramente são alguns comportamentos. Desagradam-me, por exemplo, todos os galos que julgam que o sol nasce só para os ouvir cantar e também me desagradam todos aqueles que, sistematicamente, vendendo a alma ao Diabo ainda conseguem viver felizes com aquilo que lhes resta.

Incomoda-o pagar impostos ou aceita com naturalidade?

O que verdadeiramente nos incomoda, não entendemos e dificilmente aceitamos, são alguns impostos que pagamos sem nada receber em troca por parte do Estado. Um exemplo deste ‘paga-se porque tem que se pagar’ refere-se aos impostos cobrados por cada litro de combustível abastecido, com mais de metade das receitas de gasóleo abastecido a irem directamente para os cofres públicos. Recentemente, foi anunciada a reversão do aumento adicional do imposto sobre os produtos petrolíferos decidida em 2016 no primeiro Orçamento do Estado deste Governo. Mas, surpresa das surpresas, esta reversão irá apenas abranger a gasolina, desincentivando ainda mais o uso do TP (transporte público). E o gasóleo ficou de fora porquê? Certamente porque este consumo representa cerca de dois terços das vendas de combustível rodoviário. Foi mais uma enorme vitória para as Finanças e, uma vez mais, uma pesadíssima derrota para a Economia.

A nossa terra é a terra onde nascemos ou pode ser uma outra terra a que nos ligam laços afectivos ou outros. Qual é para si a sua terra?

Gosto de viver em Portugal e para mim é essa a minha terra. No entanto, ligam-me especiais laços afectivos a alguns lugares - a Campolide, o território onde comecei a envelhecer (tenho vindo a fazê-lo desde que nasci) mas também ao Ribatejo, lugar onde tenho vindo a desempenhar a minha actividade profissional. Não pretendendo ser ‘Ribatejo’, quero apenas partilhar o direito de haver um ‘Ribatejo’ que sou eu!

E Campolide?

Campolide foi onde vivi até aos 19 anos. A sua configuração humana ainda resulta da muita gente que foi necessário trazer para as obras de construção do Aqueduto das Águas Livres e que logo dividiu a freguesia em duas áreas, uma para os ‘mestres’ e outra para os ‘operários’, semeada de barracas. Não sendo ‘o lugar onde Jesus perdeu as botas’, Campolide sempre foi considerado um lugar distante e de difícil acesso, uma zona ‘fora de portas’ na Lisboa oitocentista. E assim se vai manter, porque... para as obras de expansão do Metropolitano de Lisboa, talvez por causa das botas, foi agora assumido: “A Campolide não vai, não!“.

Santarém tem perdido população. Qual a análise que faz a esse facto?

O distrito de Santarém possui um pouco menos de 500 mil habitantes, prevendo-se que, com o declínio populacional e o envelhecimento a constituírem uma tendência transversal, em 2030 não passe dos 430 mil habitantes. O despovoamento crescente, a que não é alheio o esquecimento a que os governos têm votado o interior, está também associado ao desemprego (os jovens saem porque o tecido empresarial é frágil) e ao sucessivo encerramento de serviços públicos.

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