Biológico não significa mais caro
Lia Fernandes é filha e neta de cozinheiras e empresária no ramo alimentar
“Comida real” é o lema da marca portuguesa de produtos biológicos Trinca, onde não entram açucares refinados, glúten, conservantes ou aditivos. No Dia Europeu da Alimentação e da Cozinha Saudáveis, que se assinala a 8 de Novembro, O MIRANTE foi conhecer a mentora por trás deste projecto.
Filha e neta de cozinheiras, Lia Fernandes sempre se preocupou com a alimentação e aos 16 anos decidiu ser vegetariana. Uma opção que seguiu até aos 22, quando lhe foi diagnosticada uma grave anemia. Percebeu então que mais importante do que não comer peixe ou carne é aprender como funciona o equilíbrio do prato.
Curiosa por natureza, Lia dedicou-se ao estudo de soluções que lhe permitissem uma alimentação mais saudável. Foi então que descobriu a granola e as suas possibilidades. “Tudo começou há cerca de seis anos”, diz Lia. “Era uma coisa muito experimental, na altura trabalhava como directora criativa de uma empresa de moda, na área do calçado, em Alcanena”. Coincidiu com o nascimento do filho e com o diagnóstico de várias intolerâncias alimentares, o que deu uma motivação extra para continuar a sua pesquisa de alternativas.
Quando se apercebeu que não haviam substitutos saudáveis aos snacks processados, começou a produzir a sua própria granola e confessa orgulhosa que a Trinca foi a primeira marca a produzir granola (uma mistura de cereais, frutos secos, grãos e sementes para comer simples ou para adicionar a iogurtes, fruta, ou usar como topping de sobremesas) sem glúten e sem açúcares refinados em Portugal.
O nome Trinca existe desde a primeira feira em que participou, em Abrantes, em 2012. Foi apenas para acompanhar o marido que ia tocar gaita-de-foles, mas sendo designer de formação, criou logo uma identidade e embalagens para os seus produtos. ‘Trinca’ nasceu nessa altura. Lia e o marido queriam um nome internacional, uma palavra fácil de pronunciar em várias línguas. “Por vezes as pessoas associam o nome ao arroz trinca”, refere, mas não se importa, lembrando que assim se mantém alguma humildade.
O que não gosta é de ser associada ao mercado gourmet que, para si, está ligado à ideia de produtos caros e apenas para consumo esporádico. Para Lia, biológico não é sinónimo de mais caro. Explica que o sabor dos alimentos é completamente diferente e que, como são mais ricos em nutrientes, têm o poder de saciar com porções mais pequenas. “Come-se menos e não se gasta tanto. É tudo uma questão de hábitos”, refere a empresária de 36 anos.
“Alimentos processados, açúcar e farinhas brancas não fazem bem a ninguém”
Depois da feira de Abrantes começou também a participar em alguns mercados em Lisboa, sempre ao fim-de-semana, onde vendia a granola e também brownies de batata-doce e cacau e bolachas de aveia. O foco era a isenção de açúcar e de glúten. Vendia sempre tudo e percebeu, pelo contacto com os clientes, que as pessoas estavam sedentas de saber mais. Conseguir um substituto para os tradicionais cereais de pequeno-almoço, carregados de açúcar, era a primeira das preocupações.
“Os miúdos que hoje comem alimentos processados e carregados de açúcar vão ser os nossos médicos e professores, vão influenciar as gerações seguintes. Por isso é tão importante que adquiram outros hábitos, que experimentem novos sabores e alternativas mais saudáveis”, refere Lia.
O negócio expandiu-se e nasceu a loja física, no Botequim, Torres Novas. Um espaço acolhedor com inspiração botânica e peças vintage, decorado pela proprietária, onde o produto que melhor vende é a granola, logo seguido pelas massas sem glúten e pelo pão sem glúten, sem fermento e só com farinhas integrais que produzem duas vezes por semana (às terças e sextas-feiras). Nas prateleiras da loja é ainda possível encontrar produtos de cosmética e de limpeza, tudo biológico. Há quatro pessoas a trabalhar a tempo inteiro no espaço que também integra uma área de produção e uma zona para workshops diversos.
Quem procura a Trinca são maioritariamente as mulheres, “são elas os grandes motores da família e são também elas que estão mais conscientes da saúde dos filhos”, diz Lia. Têm muitas clientes mães que procuram soluções alternativas. Depois surgem as pessoas com intolerâncias alimentares que muitas vezes não têm aconselhamento médico por falta de conhecimento dos próprios clínicos.
Segundo Lia, este tipo de alimentação ainda é muito recente e os profissionais já formados, como os nutricionistas, não possuem conhecimentos para acompanhar as novas tendências e poderem aconselhar correctamente os pacientes. São também procurados por pessoas que sofrem ou sofreram de cancro e começam a dar mais atenção à alimentação. Também atendem clientes que não têm nenhuma patologia, mas querem cuidar da saúde preventivamente.
Workshops para aprofundar conhecimentos
A Trinca organiza workshops de diversos temas. Alguns são dados pela própria equipa, outros são dados por indivíduos ou empresas convidadas. Os encontros podem ser dedicados a áreas específicas como a saúde natural, onde se aprende, por exemplo, quais os alimentos que ajudam a reforçar o sistema imunitário; a cosmética natural, onde se aprende a tirar o melhor partido das plantas e alimentos em benefício da estética; ou alimentação saudável com sabor, que revela truques e dicas para, através de produtos naturais, dar mais sabor aos alimentos.
Há de tudo como no supermercado
Vanda Domingues é cliente assídua da Trinca. Mora perto e desde que a loja abriu é ali que faz as suas compras, espaçando cada vez mais as idas ao supermercado tradicional. Descobriu os produtos biológicos e livres de glúten quando lhe foi diagnosticada intolerância alimentar. Reduziu o consumo de carne e peixe e mudou a alimentação. “Desde então melhorei bastante a nível físico, acabaram os problemas intestinais e até perdi peso, sinto-me muito melhor”, diz Vanda sorridente enquanto pega na caixa das compras do dia. Leite fermentado, trigo-sarraceno, açúcar de cana e um gel de duche seguem acondicionados na caixa de papelão, reaproveitada das entregas dos fornecedores. Na loja não há sacos de plástico. A filha Inês, de 13 anos, está rendida a este tipo de alimentação e é frequentadora assídua dos workshops de cozinha saudável organizados pela Trinca.