Crimes de burla no Centro Social Interparoquial de Abrantes começaram a ser julgados
Padre que lidera instituição alega inocência, mas antigo técnico garantiu que recebeu ordens suas para apresentar dados falsos visando o recebimento de mais verbas do Estado para projecto de reabilitação de toxicodependentes.
O padre de Abrantes acusado de burla disse em tribunal que desconhecia a falsificação de inscrições de utentes para obtenção de apoios do Estado, mas o técnico que responsabilizou por esses actos reafirmou ter recebido ordens expressas suas.
O padre José da Graça, que preside ao Centro Social Interparoquial de Abrantes (CSIA), e o antigo técnico Pedro Moreira, que foi coordenador do Projecto Homem, para tratamento e reinserção de toxicodependentes, começaram a ser julgados no dia 16 de Janeiro no Tribunal Judicial de Santarém pela prática, em coautoria, de um crime de burla tributária, de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação, todos na forma continuada.
No depoimento inicial, o pároco declarou não se “rever” no processo, elencando as inúmeras actividades que desenvolve e a impossibilidade de tudo controlar não só no CSIA - instituição que, além do Projecto Homem, tem várias outras valências de apoio a idosos e a crianças -, como também nas duas paróquias em que presta serviço, pelo que fez da “confiança” a “base” da sua vida.
Contudo, o antigo técnico da instituição que, depois da sua demissão, em Julho de 2012, denunciou as alegadas inscrições fraudulentas de utentes para que o CSIA recebesse sempre os “apoios máximos” do Estado, confessou ter praticado os actos que constam da acusação do Ministério Público, mas assegurou tê-lo feito obedecendo a ordens do presidente do CSIA e director técnico do projecto, que queria “a casa cheia”.
Projecto Homem tornou-se “uma máquina de fazer dinheiro”
No seu depoimento inicial, o antigo técnico afirmou que o padre “controlava tudo, tinha interferência em tudo” e que o Projecto Homem, que no início “entusiasmou” todos, acabou por se “tornar numa máquina de fazer dinheiro”.
O presidente do CSIA assegurou que se “limitava a assinar” as listagens que lhe eram apresentadas, não tendo forma de confirmar se os utentes que nelas constavam estavam ou não na instituição.
Acrescentou que, apesar de a instituição ter devolvido a verba reclamada pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social (perto de 150 mil euros), ainda hoje “não acredita” que o caso tivesse “a dimensão” que lhe foi atribuída, lamentando que não lhe tenham sido facultados os dados concretos para fazer a sua verificação.
Pedro Moreira declarou estar arrependido, tanto por ter participado na falsificação como por não ter feito a denúncia mais cedo, justificando a sua actuação com a preocupação de assegurar o seu posto de trabalho e os dos outros membros da equipa. Segundo disse, não ganhou nada com esse procedimento, tendo sim “a vida destruída”.
Este arguido confirmou ter inscrito nas listas a enviar para o Ministério da Saúde, relativas ao Centro Terapêutico, pessoas que estavam presas, que já tinham abandonado o projecto, que eram alcoólicas, sofriam de doenças do foro mental ou eram simplesmente sem-abrigo e foram registadas como toxicodependentes.
O advogado de Pedro Moreira afirmou que “faltam arguidos neste processo”, já que o antigo técnico não terá sido o único a elaborar as listagens de utentes. Uma das intervenções deste mandatário levou a juíza a interromper a audiência “para acalmar os ânimos”, pedindo “serenidade” e “respeito” pelo Tribunal.
A próxima audiência está marcada para o dia 30 de Janeiro.