“Para fazerem a sua vida os jovens são forçados a sair da terra e isso custa-lhes”
Alexandre Jacinto é um dos sócios fundadores da Associação de Jovens de Arrouquelas - H2O e passados vinte e dois anos continua como presidente da direcção da colectividade da pequena aldeia do concelho de Rio Maior. Conta que a aventura, que vai longa e tem crescido, começou com preocupações relacionadas com as actividades dos jovens e as questões ambientais. Uma história de sucesso que merece destaque, tanto em Portugal como na Europa.
Como surge a ideia de fundar a H2O?
Tudo começou há vinte e dois anos. Eu e um grupo de jovens de Arrouquelas tivemos sempre muita preocupação com o desenvolvimento da nossa aldeia e da região. Estávamos numa região rural que precisava e continua a precisar de dinamismo e fundámos a Associação para pormos a aldeia a mexer.
Foi difícil arrancar?
Houve um período muito burocrático mas conseguimos o principal que foi o apoio dos jovens da aldeia. Conseguimos transmitir o nosso ímpeto inicial e houve muito apoio. As acções que tínhamos pensadas foram muito bem acolhidas e só assim foi possível.
Porquê o nome H2O?
Esse nome surge porque sempre tivemos uma vertente ambiental muito forte. Não tínhamos nenhuma pessoa formada na área do meio ambiente mas sabíamos o suficiente para termos uma atitude ecológica correcta. Sempre tentámos passar essa mensagem e os nossos projectos continuam a estar muito ligados ao ambiente.
Como é Arrouquelas?
Arrouquelas é uma aldeia com muito dinamismo. Tem uma população muito dinâmica e um grande espírito associativo. É de louvar que uma aldeia com cerca de 600 habitantes tenha cinco organizações a funcionar. No que respeita à H2O, tirando o meu caso, os elementos dos corpos sociais foram sempre variando.
A H2O é uma associação com muitos projectos regionais, nacionais e até internacionais. Como conseguiram este crescimento?
De facto é notável o crescimento que tivemos, dado que somos uma associação juvenil, sedeada numa pequena aldeia rural. Mas, com muito trabalho e saber procurar apoios nos locais certos, foi o caminho que trilhámos. Nunca abdicamos dos nossos pilares que são o ambiente, o voluntariado e a solidariedade.
Qual o projecto mais interessante em que se envolveram?
O projecto europeu Erasmus + é o mais importante. É o projecto que mais financia a associação e ajuda a que continue ainda no activo. Além disso, através desse projecto conseguimos colocar o nome de Arrouquelas um pouco por toda a Europa. Recebemos jovens europeus, que ficam na sede da nossa associação a residir durante seis meses, a fazer estágios profissionais ou académicos ou em modelo de voluntariado. E, através da H2O, muitos jovens da região já foram também fazer os mesmos programas no estrangeiro. O Erasmus + foi uma porta que se abriu e que trouxe muitas oportunidades, cada uma consoante o que cada jovem quer fazer com a sua experiência de vida ao nível internacional.
Quantos jovens costumam estar envolvidos?
A título de curiosidade, em 2017, através da H2O, cerca de mil e quinhentos jovens tiveram a possibilidade de ter a experiência de ir para um país estrangeiro ou de vir até Arrouquelas. Em 2018, foram quinhentos jovens que estiveram envolvidos em mobilidades, intercâmbios, formações ou serviço voluntário europeu.
Ao nível dos intercâmbios e formações quais são os principais temas que abordam?
Os intercâmbios têm vários temas, mas tentamos sempre incluir os que tenham a ver com o desenvolvimento rural e ambiente sustentável. Em 2018 direccionámos muito para as questões da floresta, promoção de bons hábitos ambientais, a prevenção de incêndios e a vigilância da floresta. Além disso, terminámos um projecto em Agosto, cuja responsável foi uma das nossas jovens voluntárias, que é um projecto no âmbito da igualdade de género.
Sente-se na juventude da aldeia o efeito H2O?
Já ouvi professores dizerem que notam diferenças entre os jovens de Arrouquelas e os das outras freguesias do concelho de Rio Maior. É natural porque por aqui passam outros jovens de outras latitudes e culturas. Os jovens comunicam entre si, sobre as suas origens, tradições, hábitos religiosos e culturais e isso é muito enriquecedor. Termos jovens a frequentar o programa de Serviço Voluntário Europeu, ou as formações internacionais, os intercâmbios... tudo isto serve para enriquecer socialmente um jovem.
Continuam ligados à população em geral?
Só dessa forma pudemos crescer estes anos todos e continuar a nossa acção. Gosto de dizer que somos um complemento às acções da junta de freguesia e da câmara municipal. Já restaurámos vários espaços da aldeia, fazemos vigilância da floresta e durante as férias escolares os voluntários recebem os mais pequenos que os pais nos confiam. Isso é muito importante. Organizamos debates sobre várias questões, trabalhamos com uma instituição que apoia pessoas com graves problemas de mobilidade e uma instituição que apoia pessoas com deficiência intelectual na nossa região.
Há sempre novos desafios?
Nesta altura estamos a preparar-nos para receber uma família de refugiados em Arrouquelas. É uma nova vertente da H2O. Trata-se de uma parceria directa com a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). Vamos tornar-nos responsáveis pela tutoria dessas pessoas, dando-lhes apoio e acompanhando-as na sua integração na comunidade em todas as dimensões. Já iniciámos a nossa preparação enquanto organização, e também a da parte logística, e agora estamos focados na preparação da comunidade.
Em Outubro foram reconhecidos como entidade de Utilidade Pública. Como se sentiram com esta distinção?
Há quatro anos que fizemos a candidatura para sermos reconhecidos como Entidade de Utilidade Pública e para uma associação juvenil não é fácil porque implica uma série de condicionantes. Conseguimos corresponder com todas as garantias e conseguimos ter homologado este estatuto, o que nos deixa muito orgulhosos.
Quais são as maiores dificuldades da H2O?
As dificuldades são inerentes à nossa ruralidade, ao facto de estarmos no interior. Sinto que os jovens agora querem fazer a sua vida e têm muita necessidade de sair da aldeia. Deixa-me um pouco triste, mas não há grande coisa a fazer. Mas ainda sinto que gostam de voltar, nem que seja ao fim-de-semana para continuarem a estar ligados à aldeia e à associação que os ajudou a crescer.
Voluntariado e consciência social são a base do sucesso
A Associação de Jovens de Arrouquelas - H2O é uma associação sem fins lucrativos, com sede na pequena aldeia de Arrouquelas, concelho de Rio Maior. Fundada em 1996, tem mais de 100 sócios, com idades entre os 14 e os 35 anos. A grande maioria são mulheres. A H2O começou a sua actividade tendo por mote a consciencialização ambiental. Aliás, não é em vão o nome escolhido. H2O, além de ser o símbolo da água, simboliza a vida e a natureza e os associados quiseram remeter este conceito para os projectos que estão na sua génese.
A missão da H2O passa ainda por criar formas de participação entre os jovens da aldeia e as realidades regionais, nacionais e até internacionais através da dinamização de projectos a estas escalas.
Dentro da freguesia intervém ao nível da recuperação do património, da florestação e da recolha de resíduos. O voluntariado é o alicerce da associação. Os sócios têm conseguido incentivar os jovens para o trabalho em equipa, com uma atitude de responsabilização, sem preconceitos e com respeito pela diversidade cultural.
A H2O estabelece parcerias com todos os estabelecimentos de ensino de Rio Maior e com cerca de 100 instituições a nível nacional. Actualmente são uma das organizações juvenis mais reconhecidas a nível nacional a trabalhar com projectos de mobilidade internacional.
No programa Erasmus+ são das poucas associações a nível nacional que organizam projectos de intercâmbio com o máximo de participantes (60 ao todo). A associação tem cerca de 200 projectos a decorrer ao nível da mobilidade e cerca de 500 jovens do concelho envolvidos em projectos um pouco por toda a Europa. Cerca de 1000 jovens de vários países da Europa já passaram na região, em projectos organizados pela H2O.
A H2O tem expandido as áreas de intervenção social e exemplo disso é o projecto que estão a desenvolver para instalar na sua sede uma família de refugiados, numa parceria directa com a Plataforma de Apoio aos Refugiados.
O trabalho da H2O já tem sido reconhecido e o prémio de Boas Práticas que receberam em Bruxelas, em 2007, para o projecto realizado no Navio Creoula, é exemplo disso mesmo.
No historial da associação existem ainda dois projectos alvo do Alto Patrocínio do Presidente da República. Em 2016, a Câmara de Rio Maior atribui medalha de Mérito e, em 2017, a Fundação Inatel destinguiu a H2O pelo seu projecto social. Ainda em 2017 são distinguidos pelo Instituto Português do Desporto e Juventude.
Em Outubro de 2018 o Conselho de Ministros atribuiu à associação o Estatuto de Utilidade Pública, algo único a nível regional no que respeita a organizações juvenis.