Retrospectiva 2018 | 14-02-2019 14:49

“Quem decide sabe que tem que o fazer sem ter toda a informação”

“Quem decide sabe que tem que o fazer sem ter toda a informação”
António Ramalho, presidente do Novo Banco, é Personalidade do Ano Nacional para os jornalistas de O MIRANTE

Ainda criança o gestor António Ramalho já ouvia o pai falar sobre assuntos da banca, nomeadamente ao jantar. Apesar de ter começado por se licenciar em Direito diz que sempre sentiu que tinha a banca no ADN. Foi um dos gestores mais jovens do sector bancário mas também foi gestor na CP e na Infraestruturas de Portugal, empresa onde estava antes de ser convidado para gerir o Novo Banco. Tem uma forte ligação à região de Santarém onde tem casa e onde casou.

Qual é a sua ligação a Santarém?

A família da minha mulher é do Oeste e temos casa na Azóia de Baixo. Nasci em Lisboa mas a família é alentejana. O meu pai é de Évora. A minha mãe, por acaso, é de Coimbra mas a família é de Beja. Vieram para Lisboa e eu já nasci em Lisboa. Não tenho propriamente uma terra. Nasci em Benfica que na altura era um bocadinho extra-cidade e estudei sempre em Lisboa.

Casou em Pontével, concelho do Cartaxo?

Casei-me em Pontével numa missa campal. Sempre pensei que me havia de casar na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Purificação em Pontével, que é uma igreja do Século XII, lindíssima, classificada como Imóvel de Interesse Público. Curiosamente esperou-se, não sei se dez ou doze anos, por um subsídio para fazer o arranjo da igreja e calhou o subsídio ter vindo na altura em que estava para me casar e a igreja entrou em obras.

Acabou por casar fora da igreja.

Tive que pedir uma dispensa bispal para poder fazer um casamento numa missa campal, pela inexistência da Igreja que estava destinada porque a mesma tinha entrado em obras. Ao contrário do que desejava, não casei na Igreja de Nossa Senhora da Purificação mas casei em Pontével na Quinta da Várzea, que fica numa zona baixa. Tinha um bocadinho de vista para a igreja.

Também passa algum tempo em Santarém?

Juntamo-nos regularmente na Azóia. Encontramo-nos nas nossas tertúlias, no nosso refúgio, nos nossos debates. Basta um pão ali da Portela, um vinho da região, uns queijos da Casa Ramalho que são uma forma notável de honrar o meu nome (riso). São queijos de um senhor que não faço a mínima ideia quem seja mas que tem uns queijos deliciosos. Sentamo-nos na cozinha e convivemos.

Conhece bem a região.

Fazia regularmente karting em Almeirim. Tinha uma box no kartódromo do Casalinho. Julgo que em determinada altura cheguei a ter a volta mais rápida do kartódromo de Almeirim.

Vamos tentar averiguar.

Pode averiguar mas se descobrir que não tive esse recorde... não escreva (risos). No meu quarto em Santarém tenho uma fotografia da equipa de karting a que pertenci, que ganhou uma prova que foi feita no CNEMA (Centro Nacional de Exposições). As seis horas do CNEMA.

O senhor é crítico da utilização que é feita do CNEMA. Pelo menos serviu para a prova de karting.

Acho que se fez ali uma estrutura demasiado rígida. O CNEMA continua a ter uma utilidade relevante, mas as funções adicionais que poderia ter têm dificuldade em descolar, não sei porquê. Talvez devessem ser feitas mais parcerias com Lisboa para receber outras feiras de menor dimensão que pudessem ser descentralizadas. Mas há algumas coisas que se fazem bem como as bicicletas no CNEMA. O Festival Bike em Setembro, por exemplo. Nós próprios (Novo Banco) já lá fizemos o ano passado o encontro de colaboradores.

Também é entusiasta das bicicletas.

É um desporto que faço discretamente há muitos anos. Hoje em dia faço menos. Vou de Lisboa a Santarém de bicicleta. Vou de Lisboa a Azambuja. Às vezes combino e bicicleta...

A região tem bons acessos a Lisboa há mais de vinte anos e tem andado este tempo todo a discutir o que fazer com isso? É um tempo razoável para uma discussão?

É uma questão de definição de estratégias. Nem sempre é fácil. Braga, por exemplo, também teve alguma dificuldade em arrancar e actualmente é um centro de crescimento, de juventude, nas áreas da tecnologia, da inteligência artificial... quando vamos a Braga e perguntamos se têm um aeroporto eles dizem que têm um a 40 minutos de distância. Santarém também tem um aeroporto a 40 minutos de distância e não consta que em Santarém se diga, temos um aeroporto.

Santarém tem um importante sector de produção animal que tem um peso de 30 a 32 por cento, mas depois quando vemos isso em termos de transformação e de criação de valor no sector agro-alimentar o valor é de dez por cento, por exemplo. Santarém não tem crescido de acordo com o seu potencial.

Nasceu em 20 de Agosto de 1960, passou pelo 25 de Abril quando era adolescente. Apanhou a turbulência que também se viveu a nível do ensino?

Antes do 25 de Abril, na altura da chamada Primavera Marcelista, apanhei a Reforma Veiga Simão. Já fiz terceiro e quarto ano do ensino preparatório. Fui dos primeiros alunos desse projecto-piloto. No 25 de Abril estava no quarto ano, o que equivaleria ao segundo ano do liceu e apanhei a turbulência natural daquele período que nós recordamos como muito intenso mas também muito curto em termos de tempo.

E na universidade?

A Católica, em 1977, já estava numa fase de alguma acalmia daquela agitação social posterior à revolução. Era uma Universidade razoavelmente protegida a esse nível.

Era um jovem rebelde?

Tenho um irmão mais velho e os irmãos mais novos costumam ser os mais rebeldes, efectivamente. O 25 de Abril apanhou-me numa fase importante da vida, na adolescência. O meu irmão estava no Técnico. O meu pai já era da Ala Liberal antes do 25 de Abril. Em minha casa o debate político já era bastante intenso. A seguir ao 25 de Abril participei activamente em muitas actividades. Agora dir-se-ia que de uma forma precoce, mas não na altura. Isso marcou-me, seguramente. A vida nesses primeiros tempos da democracia, o entusiasmo, a discussão dos valores... isso fica marcado para o resto da vida.

Esteve envolvido politicamente?

Partidariamente, vivi a origem do Partido Popular Democrático. Gostei dessa fase. Foi uma fase intensa, de trabalho e de entusiasmo. O princípio era o de dar, oferecer, sem pensar... era assim em toda a sociedade. Havia imensa generosidade e empenho...

É um bom orador e fala muitas vezes de improviso. Já era assim nessa altura?

Talvez. Na altura havia muita intervenção... nas associações estudantis, por exemplo. O meu envolvimento na Universidade e seguramente na política, levou-me a, pelo menos, ser obrigado a ser confrontado com várias coisas; com a liberdade de expressão e com a necessidade de me expressar bem. Conheci Francisco Sá Carneiro e trabalhei com Francisco Pinto Balsemão, no PSD. A forma como apresentávamos as nossas ideias era meio caminho andado para sermos aceites e bem sucedidos.

A escolha da sua área de estudos foi influenciada familiarmente?

Não. Essa é uma das influências que atribuo ao período revolucionário. Costumo dizer que sou filho de uma matemática e de um financeiro. Intelectualmente sou muito matemático. Muito numérico. Escolhi o curso de Direito e acho que o curso de Direito é a síntese perfeita que encontrei entre aquilo que eram as minhas convicções políticas e o meu desejo de intervir na sociedade.

Direito mas não para ser advogado.

Tirei o curso de Direito e logo a seguir comecei a especializar-me no mercado de capitais. O meu irmão era engenheiro electrotécnico de correntes fortes.

Depois de estudar um assunto demora muito tempo a decidir?

Tenho um treino muito grande a tomar decisões que é o da sala de mercados. Os melhores professores em termos de tomadas de decisão são os homens das salas de mercados. Eles sabem que tomar decisões ou não tomar decisões tem sempre influência. Sabem que têm que tomar decisões sem terem a informação completa, que é algo que nunca se pode ter. E sabem que o importante é que as boas decisões sejam sempre mais que as más decisões. Quando estamos a adiar uma decisão estamos já a tomar uma decisão.

O seu pai, Pinto Ramalho, foi o director número um do Banco de Fomento Nacional e o senhor costuma dizer que a banca lhe está no sangue.

Eu ouvia falar da banca regularmente. Era algo do dia-a-dia. Era familiar. Naturalmente a minha vida acabou por beneficiar muito dessa circunstância; da evolução que houve; da transformação que houve. Discutíamos muito os assuntos. Tínhamos visões muito diferentes como pode imaginar. Conversávamos muito sobre a banca do futuro. Fui um dos gestores mais novos da banca, no Banco Pinto & Sotto Mayor...

Os meios de comunicação social revelaram há dias os principais devedores da Caixa Geral de Depósitos e os montantes das dívidas? Como assistiu ao que se passou?

Nós temos que preservar o sigilo como o princípio essencial da nossa actividade mas o escrutínio da sociedade também é um princípio a respeitar. Embora seja difícil, pode e deve haver uma conciliação de princípios. Basta pensar que numa fase de reestruturação como a do Novo Banco em que uma parte dos impostos dos portugueses é afecta a alguns investimentos. Há um dever de escrutínio em relação a essa situação. Mas isso ser tratado de forma mediática descontrolada, não gosto.

Como é que o cidadão António Ramalho olha para grandes questões internacionais como o Brexit, por exemplo?

Aquilo que sou como gestor é um pouco o reflexo do que sou enquanto cidadão. O que sou como pessoa influencia o que sou como gestor. Como gestor posso dizer que o Brexit é tecnicamente um erro de gestão porque vai causar, no curto prazo, consequências do ponto de vista da organização, quer da Europa, quer da Grã-Bretanha mas há outras questões que também devem ser reflectidas em simultâneo e é bom para os gestores que a façam porque essa ideia da gestão separada da vida real já deu o que tinha a dar.

A Wikipedia é uma espécie de enciclopédia do povo. Alguma vez se deu ao trabalho de ler o que lá está escrito?

Já fui ver e até me aconselharam a mudar algumas coisas que estavam incorrectas mas não o fiz. A Wikipedia é aquilo e vale por isso mesmo. Havia pelo menos uma coisa que me elogiava porque dizia que sou engenheiro. Achei que era um elogio.

E as redes sociais?

As redes sociais colocam alguns desafios. O pior das redes sociais é o anonimato opinativo. Permite que muita informação falsa circule. Cabe à sociedade ser criteriosa na sua avaliação. Se nós só formos ver à Wikipedia vamos ficar com informação extremamente pobre.

Para um gestor com o seu currículo gerir a fortuna e os negócios do Cristiano Ronaldo, por exemplo, era simples?

Na gestão, o mais difícil, o mais entusiasmante e o mais desafiante é gerir pessoas. É o elemento central da gestão. Nesse sentido não me parece que gerir o Cristiano Ronaldo fosse fácil.

Um dos mais conceituados e multifacetados gestores portugueses

É natural que muitas pessoas de Santarém já se tenham cruzado, na cidade ou no concelho, com o presidente do Novo Banco, António Manuel Palma Ramalho. Profissionalmente não prescinde dessa presença e particularmente devido às relações com a família da sua esposa, Maria do Rosário Rebelo Pinto, professora de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O seu casamento foi realizado numa “inesperada” e “sui-generis” missa campal em Pontével e tem uma casa na Azóia de Baixo onde costuma passar algum do seu tempo livre. Foi durante muitos anos frequentador do Kartódromo de Almeirim e continua a fazer percursos de bicicleta entre Lisboa e Santarém ou Azambuja.
Apesar de já ter ocupado cargos de gestão na área dos transportes e das infra-estruturas, o actual presidente do Novo Banco, António Ramalho, costuma dizer que tem a banca no sangue, por influência do seu pai que foi o director número um do Banco de Fomento Nacional.
Licenciado em Direito pela Universidade Católica, foi na banca que começou o seu percurso profissional, aos trinta anos de idade, tendo sido um dos gestores mais novos do sector. Desempenhou funções bancárias, no Pinto & Sotto Mayor, Santander, BCP e Unicre.
Na altura em que foi convidado para gerir o Novo Banco, António Ramalho era presidente executivo da Infraestruturas de Portugal. Entre 2004 e 2006 foi presidente da CP - Comboios de Portugal. Trabalhou no sector público e no sector privado mas diz com humor que seria muito difícil gerir os negócios do futebolista Cristiano Ronaldo.

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