Retrospectiva 2018 | 14-02-2019 14:49

“Vencer nunca é banal e cada vitória tem uma história”

“Vencer nunca é banal e cada vitória tem uma história”
Inês Henriques é Personalidade do Ano para os jornalistas de O MIRANTE

Tem vindo a adiar a possibilidade de ser mãe e a decisão de trabalhar como enfermeira, apesar de ter tirado a licenciatura. A sua prioridade tem sido a marcha atlética. O seu objectivo tem sido o de se superar. Quando os homens abriram às mulheres a possibilidade de fazerem os 50 quilómetros marcha, foi recordista mundial. Depois campeã europeia. Mais que o currículo desportivo, o que impressiona em Inês Henriques, a rapariga da Estanganhola, é a simplicidade, a humanidade e o amor à família. “Difícil, difícil é o que faz a minha mãe todos os dias”, diz com um sorriso nos lábios.

Cada vitória é como se fosse a primeira?

Sem dúvida. O Campeonato do Mundo foi uma vitória fantástica! O Campeonato da Europa foi diferente mas sem dúvida algo muito especial, porque 2018 foi um ano de muitas mudanças, tanto como atleta como na minha vida pessoal. Foi um ano difícil. Antes do Campeonato da Europa estava muito bem mas ocorreram algumas adversidades que tive de contornar, entre elas uma lesão, e nota-se bem pelas fotos a alegria que me ia na alma quando cortei a meta.

Quando vencer se torna banal como se combate a acomodação?

Vencer nunca é banal. Cada vitória tem uma história e todas as minhas vitórias foram árduas, envolveram muito trabalho e muitas dificuldades. Por isso, quando cortamos a meta e conseguimos alcançar os nossos objectivos vivemos um momento fantástico.

Há um braço-de-ferro dentro de si entre a Inês que quer ser mãe e a Inês atleta, que não se cansa de ganhar e arranja sempre novos desafios?

É óbvio que quero ser mãe, mas neste momento não está equacionada essa hipótese. O que tiver que ser será. Estou tranquila.

Neste momento está focada no objectivo Tóquio 2020?

Actualmente, esse é o principal objectivo.

As lesões não lhe dão vontade de desistir, encara-as como as provações que dão mais sabor a futuras vitórias?

O meu percurso nunca foi fácil. Tive sempre que superar muitos obstáculos. Neste momento estou a superar mais outro, que é uma lesão. De alguma forma, é para me dizer que nada é fácil. Há sempre alguma coisa que tenho de enfrentar. Mas costumo dizer que o que não me mata torna-me mais forte. E após recuperar desta lesão vou voltar ainda mais forte.

E os portugueses podem contar com novas vitórias da Inês…

Sim, esse é o objectivo. Tenho muito trabalho para fazer. Quando recomeçar a marchar tem que ser com muita cautela, não posso ir com muita sede ao pote porque posso magoar-me novamente. Mas aí sou controlada pelo Jorge Miguel (treinador) e pelos meus fisioterapeutas, a Susana Nogueira e o Tiago Gamelas, que estão a fazer um trabalho extraordinário.

Continua a participar em provas de atletismo populares no concelho de Rio Maior. É uma forma de descomprimir e manter a forma?

Acho muito importante não nos esquecermos das origens. Comecei no atletismo pelas provas populares e também acho que é importante os atletas de nível mais elevado estarem perto dos jovens, para os incentivar. É por isso que participo e porque me continua a dar prazer. Tanto sou feliz nas provas populares como num Campeonato do Mundo ou nos Jogos Olímpicos. Faço-o também pela minha satisfação pessoal.

Quando deixar de ser atleta de alta competição pensa continuar a participar nessas provas, aí já na categoria de veteranos, provavelmente?

(risos) Não sei... O atletismo vai estar sempre comigo. Isso é para pensar depois, quando terminar.

Costuma pensar com os seus botões que já não tem idade para andar metida nessas andanças?

Tenho a idade que tenho, mas ninguém me dá essa idade. As pessoas, quando me perguntam, ficam surpreendidas. E, para 50 quilómetros marcha, 38 anos é uma idade em que ainda temos muito para dar. O meu objectivo, em termos de compromisso com a minha equipa de trabalho, é até Tóquio 2020. Mas não sei se vou terminar em Tóquio. Vai ter muito a ver com as respostas do meu corpo. Aí será feito o balanço e logo se verá.

Saber ganhar é mais difícil do que saber perder?

Temos que saber perder e temos que saber ganhar. Muitas vezes as pessoas não sabem perder, mas é importante saber reconhecer que os outros estiveram melhor em dado momento. Foi muito difícil para mim superar a desistência no Campeonato do Mundo por equipas, dei os parabéns à atleta chinesa por ter batido o recorde do mundo e encarei o que aconteceu. Tive de parar para pensar sobre o que tinha feito bem e menos bem, porque só reconhecendo os erros se consegue voltar mais forte.

Esse revés acabou por servir de motivação?

É importante saber ganhar mas ainda é mais importante saber perder e não atribuir as culpas aos outros. Isso foi muito importante para me reerguer e conseguir a vitória no Campeonato da Europa. É óbvio que estou a escrever uma história muito bonita, em termos do desporto mundial, que vai ficar para sempre: sou a primeira recordista do mundo dos 50 km marcha, a primeira campeã do mundo, a primeira campeã da Europa. Sou especial por isso, mas não me sinto em bicos dos pés.

Ser de Rio Maior e ter continuado sempre em Rio Maior ajudou ao seu êxito desportivo?

Rio Maior dá-me todas as condições. Não preciso de sair da cidade para treinar, com excepção dos estágios em altitude. O facto de ter estas condições ajudou-me a evoluir enquanto atleta.

As condições que tem hoje são muito diferentes das que tinha há 20 anos?

Não têm nada a ver. Treinávamos num campo de futebol pelado aqui em Rio Maior e íamos duas vezes por semana à pista de cinza da Ribeira de São João, tomávamos banho com água fria… Valorizo tudo o que tenho, pois não tínhamos nada disto. Rio Maior cresceu em termos desportivos e todos os atletas de cá, mesmo os que representam clubes de fora, devem estar gratos a Rio Maior, ao seu complexo desportivo e à DESMOR.

Continua a representar o Clube de Natação de Rio Maior. É uma das poucas atletas de topo que não representa os chamados clubes grandes.

A minha opção foi ficar em Rio Maior, em 2017, se quisesse, podia ter ido para um clube grande.

Pode saber-se qual?

Prefiro não falar disso. Optei por continuar no clube que representava há 25 anos, porque quis continuar a representar a minha cidade. Podia ter vantagens financeiras, mas o dinheiro não é tudo. Há outras coisas importantes e sempre tive muito apoio dos riomaiorenses. As camisolas dos grandes nunca me seduziram. Consigo fazer a mesma coisa ou melhor estando num clube pequeno, da minha cidade.

É uma figura pública prestigiada junto da opinião pública que alguns partidos, provavelmente, gostariam de capitalizar em votos. Já a convidaram para se associar a algum projecto político?

Estou sempre disponível para promover Rio Maior mas nunca me meti em questões políticas. Sou atleta de Rio Maior e sou atleta de Portugal e não me vou meter em partidos políticos.

Sente-se confortável na pele de figura pública ou em certas ocasiões preferia passar despercebida?

Sempre fui uma atleta discreta. Estava no “top-ten” mundial mas passava muito despercebida. Depois do Mundial foi um “boom”. Durante algumas semanas estive nas capas de jornais e revistas, na televisão e agora quando vou a algum lado as pessoas conhecem-me. Sinto que os portugueses têm um carinho muito grande por mim e isso é gratificante.

E as pessoas aqui de Rio Maior mudaram a atitude em relação a si?

Houve de tudo. Situações boas, menos boas e más. Percebi que posso confiar em poucas pessoas. Tive que mudar um pouco a minha forma de estar e de ser. Houve situações menos favoráveis de que tive que me afastar a bem do meu equilíbrio emocional. Foi difícil enfrentar algumas situações mas o Jorge Miguel esteve lá sempre. Foi sem dúvida a pessoa que me conseguiu manter mais estável, embora tenha havido outras pessoas que me apoiaram. O Jorge manteve-me o equilíbrio, pois às vezes fervo em pouca água (risos). E isso, aliado à forma como sou tratada neste centro de estágios, foi fundamental antes do Europeu.

Uma campeã nunca se cansa de vencer

Atleta de Rio Maior foi campeã dos 50 km marcha em 2018 e Personalidade do Ano de O MIRANTE.
Inês Henriques foi a primeira campeã do mundo dos 50 Km marcha atlética feminina com recorde homologado oficialmente e é a actual campeã da Europa da mesma distância, título conquistado em Agosto de 2018. Só por isso merecia ser escolhida como Personalidade do Ano por O MIRANTE mas a escolha teve também em conta o seu humanismo, a sua simplicidade, a sua força interior, a sua resiliência, a sua entrega à defesa dos direitos das mulheres e o seu amor à família.

Alguém que depois de ser questionada sobre a dureza de fazer os 50 Km marcha diz que duro, duro é aquilo que a sua mãe faz diariamente no negócio familiar de lenha e carvão, merece todas as medalhas de ouro e condecorações como a de Grande Oficial da Ordem de Mérito, que recebeu das mãos do Presidente da República em Setembro de 2018.

Houve outras mulheres que lutaram pela possibilidade de competirem numa prova que era só para homens, mas Inês Henriques conseguiu com o seu recorde abrir outras portas de par em par para as atletas femininas. E continua a lutar, com outras atletas e um advogado empenhado na causa (Paul De Meerter), para que o Comité Olímpico Internacional inscreva a prova de 50 km marcha feminina em Tóquio em 2020.

Inês Henriques nasceu em Santarém a 1 de Maio de 1980, mas a sua verdadeira terra, aquela que dá sempre como referência, é Estanganhola, uma aldeia perto de Rio Maior, onde a família vive. Começou a praticar atletismo na escola e teve sempre como orientador técnico Jorge Miguel, o treinador dos campeões de marcha de Rio Maior.

A primeira vez que fez 50 quilómetros a pé foi a andar normalmente, numa peregrinação, desde a sua terra até Fátima. Com graça diz que demorou cinco horas, um tempo muito superior às 4 horas, 5 minutos e 56 segundos do seu recorde mundial de Agosto de 2017, entretanto batido por uma atleta chinesa.

A atleta do Clube de Natação de Rio Maior licenciou-se em enfermagem mas o seu futuro profissional pode passar pela carreira de treinadora. Após os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 ponderou retirar-se da competição para realizar o sonho de ser mãe, mas quando o treinador lhe colocou o desafio dos 50 Km marcha, adiou os seus planos. Está actualmente a recuperar de uma lesão mas quer fechar a carreira de atleta nos Jogos Olímpicos de 2020 que se realizam em Tóquio, no Japão.

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