Cumpriu-se a tradição da “Serração das Velhas” em Ortiga, Mação
A “Serração das Velhas” é uma muito antiga tradição que, em Ortiga, freguesia do concelho de Mação, está ligada à regeneração e renovação da comunidade, assumindo o simbolismo de um hino à vida.
Este ano, na quarta-feira da Quaresma, 27 de Março mais de três dezenas de adolescentes e adultos serraram cinco Velhas e a confirmar o elevado e puro sentido afectivo que é dado por estas à tradição, algumas dessas Velhas, que por motivos profissionais se têm de manter afastadas da sua residência, em Ortiga, fizeram questão de estar presentes em suas casas a fim de participarem na preservação da tradição.
Contrariamente ao que acontece em outras localidades tanto em Portugal, como em território estrangeiro, em Ortiga, as Velhas são as mulheres que tiveram a felicidade de ser avós no decurso de tempo que decorreu desde a noite em que se procedeu à Serração das Velhas no ano anterior. Na foto pode ver-se uma das cinco “Velhas” muito feliz recebendo o grupo em companhia do marido.
Serra-se “a árvore”, aqui simbolizando a Velha, a qual “vai ao chão”. Chora-se o facto da mulher, ao ser avó, ter atingido a velhice mas logo de seguida, em alta ladainha, canta-se o nascimento da criança, deseja-se-lhe tudo quanto há de melhor para um futuro feliz, sempre sem deixar de enaltecer a acção da Velha, por ter promovido a renovação da vida e da comunidade, ali bem presente na criança nascida.
Num primeiro momento, esta algazarra acontece em plena via pública frente à casa de habitação da Velha, sempre sob choros, ais, lamentações e o insubstituível ruído do serrar de um cortiço, produzindo o som característico de uma serra, quando do abate de uma árvore.
Terminada a ladainha, o silêncio é interrompido pela Velha que, e aqui tem início o segundo momento, abre a porta e franqueia sua casa para a todos agradecer a presença e acompanhar até à mesa onde serve os petiscos que preparou e as bebidas de acompanhamento.
Este autêntico hino à vida, com todos os seus inseparáveis momentos e finalizado no convívio, é importante factor no reforço e aprofundamento do espírito identitário da comunidade ortiguense.
Escreveu José M. Amado Mendes, na sua obra A História como Ciência, que “ Quanto mais uma sociedade, como grupo, deseje fortalecer a sua identidade, mais importância atribuirá à sua história” e é no respeito pelo legado cultural imaterial recebido de seus antepassados que em Ortiga, encontramos uma sociedade que não deixa cair no esquecimento a prática de actividades cíclicas colectivas, enquanto formas festivas de celebrar acontecimentos que são efectivamente muito importantes no plano do colectivo comunitário, assegurando a sua continuidade e que essa continuidade sirva para preservar e fortalecer um espírito de corpo, com identidade própria muito particular.
João de Matos Filipe
Historiador local, natural de Ortiga