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Azambuja é local de muitos reencontros e convívio durante a Feira de Maio
José Jerónimo, Isabel Nolasco e Fernando Silva partilham memórias da Feira de Maio de Azambuja

Azambuja é local de muitos reencontros e convívio durante a Feira de Maio

Uma das festas mais castiças do Ribatejo atrai anualmente milhares de visitantes. Dias antes do arranque das festividades, três azambujenses partilharam com O MIRANTE vivências do passado e do presente naquela que é conhecida como a festa mais castiça do Ribatejo. A Feira de Maio está aí outra vez, de 30 de Maio a 3 de Junho.

As tronqueiras estão montadas na Rua Engenheiro Moniz da Maia. As fitas penduradas dão cor à vila que nos próximos dias amanhece de varandas e janelas engalanadas. O ambiente já é de festa. Fernando Silva está na Praça do Município e dá o arranque para o diálogo sobre o frenesim que vai chegar àquelas ruas, durante a Feira de Maio. A seu lado está José Jerónimo, azambujense de gema que foi durante décadas coordenador geral da festa. Comentam que os tempos mudaram. Dizem que se perdeu o convívio exclusivo para os que são filhos da terra, o ambiente pacato e mais familiar. Mas isso não significa que seja pior: “É diferente, agora é uma festa onde todos cabem, com um programa mais vasto e diversificado”. E não têm dúvidas de que continua a ser “o expoente máximo da felicidade dos azambujenses, que tão bem recebem”.
Caminhamos para dentro das instalações da Câmara de Azambuja. Fernando Silva conhece bem os cantos à casa. É funcionário da autarquia desde 1980, agora como encarregado geral de higiene e limpeza. Durante a Feira de Maio o leque de tarefas alarga-se. “Na feira? Nem vou à cama. Sou o homem que tapa as caixas de electricidade e de saneamento na manga - zona onde se realizam as largadas de touros - o que lança os foguetes para a saída dos touros, o que distribui os assadores, pão e sardinhas e o que às seis da manhã já está a coordenar a limpeza da vila”, enuncia.
Apesar de nos dias da feira o trabalho ser duro para os funcionários da autarquia, o entusiasmo mantém-se: “Quem corre por gosto não cansa. Esta feira é a paixão dos azambujenses”, diz o funcionário. “Antigamente era pior”, nota José Jerónimo, ele que foi um dos fundadores da Poisada do Campino e ex-presidente do Grupo Desportivo Azambujense. “As primeiras edições da feira faziam-se com poucos meios técnicos, até as recolhas dos touros era uma carga de trabalhos”, recorda.

Uma festa onde todos cabem
Durante cinco dias as ruas da vila recebem milhares de pessoas. Em cada porta há uma tertúlia. São uma centena delas que temporariamente dão vida às casas no centro da vila que ficam vazias no resto do ano. Alugam-nas propositadamente para aqueles dias, para alegrar e dar movimento à festa. Na opinião de José Jerónimo, “o ambiente tertuliano veio dar muita força à feira”, especialmente ao Largo de Palmela onde se concentram em maior número.
À conversa junta-se Isabel Nolasco, presidente do Centro Hípico do Lebreiro e membro da Tertúlia Festa Brava. Nasceu em Março de 1952, na Rua Martim Moniz da Maia, na casa onde mais tarde viu touros a entrar pela porta e o seu pai pela janela. “Na Feira de Maio ele pedia à minha mãe para pôr a cama em frente à janela, para quando viesse o toiro poder saltar para a janela e aterrar em segurança”, lembra entre uma lágrima e um sorriso. “Sempre vivi intensamente esta festa. Em criança andava às cavalitas do meu pai e tinha um medo de morte dos touros. Agora, estes dias são um misto de saudade dos meus pais e avós”, afirma.

De onde vem a tradição das sardinhas?
A noite de sexta-feira, conhecida como a noite da sardinha assada, é um dos pontos altos da festa, onde reina o convívio em torno de um assador e de um barril de vinho. Mas afinal de onde vem a tradição da sardinha assada em Azambuja? Dos três, José Jerónimo, 84 anos, é o único que sabe a resposta: “No final da década de 60 pedi a um conhecido para me arranjar 10 caixas de sardinhas para assar. Como a encomenda se atrasou tive de me meter no carro e ir a Pegões buscar as sardinhas que vieram em caixas, umas na bagageira, outras no tejadilho, porque o carro era pequeno. Foi assim que as primeiras sardinhas vieram parar à Feira de Maio”, conta. Recorda ainda o tempo em que um senhor de Alcanhões oferecia uma bezerra à comissão de festas da Feira de Maio, que depois era vendida para angariar dinheiro para a compra de sardinhas no ano seguinte.
A moda pegou e nasceu a tradição da sardinha assada. “Mas chegou a ser veado”, interrompe Fernando Silva. “Sou do tempo em que distribuíam sandes de veado no Largo da Câmara e eu, que fazia parte da comissão de repasto, andava a acartar os barris de vinho que as casas agrícolas ofereciam”.

Perderam-se campinos e jovens aficionados
O touro é a alma da festa. Fernando Silva, que foi forcado nos Amadores de Azambuja, chegou a fazer apostas em dinheiro para ir sozinho tentar pegar o animal. “Nem sempre correu bem, ainda levei umas cavacadas, mesmo com ajuda”, conta. Aos 61 anos, já não salta para dentro da manga, mas ainda são as largadas que lhe puxam pelo entusiasmo.
Falando de touros, rapidamente a conversa vai parar aos campinos. O que aconteceu aos de Azambuja? “Desapareceram da terra”, lamenta José Jerónimo e devolve a pergunta: “E o que está a acontecer aos de todo o Ribatejo?”. A lezíria de Azambuja cobre-se agora de plantações de tomate e arroz. “Já não há ganadarias como antigamente”, e começar a declamar o último verso do poema “Fandango Ribatejano”, do azambujense Sebastião Arenque: “Se um dia o fandango/Por falsas virtudes/Trocar seus pés rudes/Por outros mais finos/Então já não há campinos/Morre o Ribatejo!”
E se campinos já não há por Azambuja, os jovens aficionados vão sendo cada vez menos. A opinião é de Isabel Nobasco, que lamenta o facto de os jovens não mostrarem interesse em aprender a montar por amor ao cavalo, outro símbolo da região.
Há 27 anos que o Centro Hípico do Lebreiro organiza as actividades equestres na Feira de Maio, este ano com um dia dedicado ao cavalo. “Vamos ter aulas práticas de equitação no sábado de manhã (1 de Junho) e um concurso nacional de modelo e andamento das éguas afilhadas”, conta. Uma feira assim, com touros, cavalos, tertúlias, concertos, agrada a todos e “enche o ego a um azambujense”, remata José que este ano é um dos homenageados da Feira de Maio.

Maio é mês do reencontro

Para os azambujenses, a Feira de Maio é sinónimo de reencontro dos que emigraram, dos que se mudaram para outros pontos do país e dos que mesmo estando tão perto passam o ano sem se ver. Não há uma edição em que Fernando Silva não encontre velhos amigos, alguns que já não vê há tanto tempo que nem os reconhece à primeira vista. Noutros casos é a família que viaja para o reencontro. “Este ano vou ter cá o meu filho que está emigrado em Inglaterra. As saudades são tantas, disse-me ele ao telefone, que este ano não podia faltar”, conta José sem esconder o sorriso.
Para quem está fora, não poder viver a tradição da terra é castigo amargo. Isabel que o diga: “Passei nove anos da minha juventude noutro país, privada de ver esperas de touros. Lembro-me de chorar a olhar para as horas e de ligar ao meu avô a perguntar se os touros já andavam nas ruas”. Quando regressou diz que passou a “viver a feira mais intensamente” e chegava a “tirar aos 15 dias de férias”.

Azambuja é local de muitos reencontros e convívio durante a Feira de Maio

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