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A política à portuguesa esquece os jovens e o futuro
João Loureiro tem 14 anos e desde cedo se interessa por política embora ainda não tenha uma ideologia formada

A política à portuguesa esquece os jovens e o futuro

Nem só de redes sociais vive a juventude actual, mas não é todos os dias que se encontra um adolescente com opinião, com um discurso assertivo e articulado cujo passatempo preferido é assistir à programação da Assembleia da República TV. João Loureiro, aluno do 9º ano na Escola Pedro Jacques de Magalhães, em Alverca, diz nesta entrevista que um dia gostava de ser presidente da Câmara de Santarém.

A política, a escrita e a agricultura são os assuntos preferidos de João Loureiro, um jovem adolescente que contraria os estudos que falam numa juventude apática, desinteressada dos temas essenciais da sociedade e desperta apenas para as redes sociais. João, natural de Santarém mas a viver em Alverca desde que nasceu, não sabe precisar quando começou a ter interesse por esses temas normalmente associados aos adultos, mas garante que talvez metade dos seus 14 anos tenham sido passados a ler o que não é para a sua idade e a assistir à programação do canal de televisão da Assembleia da República.

Ainda sem uma ideologia política definida, defende o voto aos 16 anos e lamenta que os políticos não consigam cativar os jovens que, na sua opinião, são marionetas sem ideias próprias. Com a família materna em Santarém, é nessa cidade que gostaria de vir a morar e trabalhar como engenheiro agrónomo e, quem sabe, um dia, chegar à presidência da câmara. As ideias pululam-lhe na mente como as borbulhas típicas da adolescência lhe salpicam a face. O discurso é fluido e a timidez que diz sentir na sala de aulas não se fez sentir nesta entrevista na redacção de O MIRANTE.

De onde vem o gosto pela leitura?

Desde cedo demonstrei interesse em ler. Era algo que me fascinava. Lia facilmente livros que não eram para a minha idade. Hoje aprecio os clássicos como Eça de Queirós, Alexandre Herculano ou Almeida Garrett. Gosto de pesquisar os arcaísmos. Consulto o significado das palavras que não conheço no dicionário e aponto-as num caderninho. Nesse caderno também faço resumos e o enquadramento da obra.

Tens blogues sobre agricultura, escrita e política. Porque escolheste estes temas?

A agricultura é o ramo profissional que quero seguir; a escrita porque adoro escrever, seja poemas, texto narrativo ou dramático; e política porque me interesso pela actualidade. Por vezes vou ao site da Assembleia da República e começo a ler e a sublinhar Decretos de Lei e a dar a minha opinião. Quando escrevo não deixo ninguém ler antes de publicar, nem a minha mãe que é leitora assídua dos meus blogues.

Os teus pais tiveram influência nessa escolha?

Não. O meu pai é mecânico de automóveis e a minha mãe é doméstica, sempre ficou em casa a tomar conta de mim e do meu irmão mais novo, de oito anos.

No teu blogue de política defendes algumas ideias mais populistas e dizes que não tens vergonha de o fazer. Porque haverias de ter?

Vivemos numa sociedade que censura, haveria muita gente que me criticaria se eu dissesse que apoio algumas ideias de certos partidos. São ideias como o aumento das penas de prisão para quem comete actos de violência doméstica, por exemplo.

Identificas-te mais com a direita ou com a esquerda?

Não tenho uma ideologia ainda formada. Já me convidaram para integrar uma juventude partidária mas não tenho interesse. Gostava de explorar os programas dos vários partidos sem me colar a nenhuma ideologia.

E na blogosfera, quem segues?

Sigo um bocadinho de tudo. No blogue “Política Sustentável” comento todo o tipo de opiniões. Gosto de ler os que criticam e os que defendem determinada ideia, para formar uma opinião própria.

Como é a política vista pelos jovens de hoje?

É uma política acima de tudo chata e maçadora. Tenho que o admitir. Os políticos usam palavras caras e complicadas e fogem aos assuntos. Por vezes surgem partidos mais populistas que sabem passar a mensagem de uma forma mais clara e perceptível. A política devia ser mais aberta para os jovens, devia pensar no futuro. A minha maior crítica à política actual é que é muito centrada no passado e em tricas pessoais e esquece os jovens e o futuro.

Os jovens não têm interesse na política?

É verdade que se alheiam da política, em grande parte por culpa dos políticos que não os sabem cativar. Sou defensor da ideia do voto aos 16 anos. Costumo dizer que não foram os jovens que arrastaram Portugal para a situação em que está, porque não votaram. Há quem diga que com essa idade os jovens não têm maturidade para decidir, mas há adultos que também não.

Quais as tuas ambições políticas?

Desde sempre tive o sonho de vir a ser presidente da Câmara de Santarém. A nível nacional não me identifico com nenhum partido e talvez tivesse que criar o meu próprio partido, apesar de considerar que há partidos a mais. Penso que alguns ganhariam em juntar esforços.

Como presidente da Câmara de Santarém o que farias?

Ouço o meu avô materno criticar o que se passa em Santarém e, apesar de viver em Alverca, era em Santarém que gostaria de mudar algumas coisas. Modernizar, criar mais infra-estruturas, dar mais apoio aos munícipes… embora saiba que os presidentes de câmara têm limitações do Governo e não possam nem tenham orçamento para fazer tudo o que gostariam.

Vivendo na cidade tens alguma experiência na agricultura?

Temos uma casa de campo em Marinhais, Salvaterra de Magos, e gosto de ajudar a minha avó, em Santarém. Cuido de plantas, desde as aromáticas às mais comuns. Gosto de valorizar as plantas que toda a gente corta e considera ervas daninhas, como as urtigas. No futuro vejo-me a explorar novas utilizações para este tipo de plantas.

“A religião é uma fantasia mas admiro o Papa Francisco”

Tens preocupações ambientais?

Preocupo-me bastante com as questões do clima e do ambiente, mas não podemos criar uma mentira de um mundo onde não podemos viver, de um mundo onde tudo é biológico. Isso não é possível, porque cada vez há mais gente para alimentar. Temos que tentar fazer melhor e aproveitar melhor os recursos.

És um seguidor da activista Greta Thunberg?

Admiro a maneira como ela motivou tantos jovens para as questões do ambiente. Jovens que não se debatem tanto por outros problemas como por exemplo o peso das mochilas, os currículos escolares exagerados ou o número excessivo de alunos por turma. Está montado um espectáculo em redor de Greta Thunberg. Quando chegou a Portugal as televisões não a largaram. É desnecessário e contraproducente. Só o gasto de combustível e as emissões de CO2 que fizeram... Não vale a pena defender o ambiente desta maneira. Temos que o defender procurando soluções inovadoras e concretas, o que Greta Thunberg não apresenta.

O que fazes nas férias e tempos livres?

Por vezes vou ao Algarve, mas normalmente fico por casa a ler, a escrever e a ver a Assembleia da República TV. Aproveito para fazer aquilo que não posso durante o período lectivo. Também gosto de jogar PlayStation, embora jogue numa realidade diferente da dos meus colegas. Quando jogo futebol crio uma narrativa à volta do jogo, faço de jornalista, de presidente do clube, entrevisto jogadores, falo português, inglês, algum francês e estou também a aprender alemão. Dou notícias e faço os relatos. Fora da PlayStation prefiro o ténis ao futebol.

Quanto tempo passas por dia nas redes sociais?

Menos de uma hora. São uma forma de ver notícias, são o meu telejornal. Também é através delas que actualizo os meus blogues que estão também ligados ao Facebook e Instagram.

Acreditas na religião? És católico?

Confesso que considero a religião uma fantasia. Há pessoas que dizem que por vezes acontecem-nos coisas que nos fazem descobrir a fé. Ainda não me aconteceu nada disso… Admiro o Papa Francisco. Qualquer pessoa que consiga mobilizar os jovens tem mérito e ele consegue. Digo isto por experiência pessoal, quando tento mobilizar a minha turma para alguma iniciativa são poucos os que aderem. Por exemplo, apresentei uma lista para o parlamento dos jovens e fui candidato à associação de estudantes e apercebi-me que só pela música e pelo espectáculo se consegue mobilizar os jovens.

Sentes-te diferente dos teus colegas?

Os colegas usam as redes sociais, não para saberem notícias mas para saberem da vida dos outros, para ver séries e filmes. Penso que os jovens de hoje são marionetas da sociedade, sem opinião própria. No outro dia um professor levantou a questão sobre a proposta do Governo para acabar com as retenções (chumbos) e grande parte não tinha qualquer ideia sobre o assunto.

E a tua opinião qual é?

Para mim é altamente penalizador. É não dar valor ao trabalho dos que se esforçam para ter bons resultados. Além disso penso que estamos a criar um mundo de facilitismo, onde é cada vez mais difícil lidar com o insucesso e a frustração.

A política à portuguesa esquece os jovens e o futuro

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