As explicações e conselhos de quem está casado há sessenta e seis anos
Pai da noiva não soube do casamento religioso de Augusto e Adelina
Foi a 31 de Janeiro de 1954 que Augusto Matias Pereira e Adelina Branco Chões se casaram. O namoro foi longo. Primeiro ele passava vindo da fábrica a assobiar e ela cantava e ia reparando nele. Trocavam bilhetinhos às escondidas. Depois foram autorizados a falar mas com vigilância e distância. O primeiro beijo foi “roubado”. O pai da noiva não queria casamento religioso e por isso não soube da ida à igreja de noivos e convidados.
É com o olhar posto um no outro que Augusto Matias Pereira e Maria Adelina Branco Chões revelam a cumplicidade que acumularam em 66 anos de casamento. No dia mais romântico do ano, o Dia dos Namorados, que se celebrou a 14 de Fevereiro, O MIRANTE conheceu este casal durante uma iniciativa da Biblioteca Municipal de Alcanena que juntou miúdos e graúdos para falarem sobre o namoro.
O casamento de Maria Adelina e Augusto foi a 31 de Janeiro de 1954, em Alcanena, e teve um momento pouco usual. Casaram pela Igreja, sem o pai dela saber, na noite antes do casamento pelo civil. Com tudo combinado com o padre e na presença dos familiares mais próximos de ambos obtiveram a benção da Igreja. O pai de Maria Adelina não era católico e o secretismo do casamento religioso teve origem nisso. “Foi para não o contrariar”, explica a noiva.
Augusto Pereira, actualmente com 89 anos, e a esposa com 86, recordam com nostalgia os tempos em que ela cantarolava no quintal da casa dos pais, tinha 14 anos. Augusto passava na rua, depois de sair da fábrica de curtumes onde trabalhava, mesmo em frente. “Ela cantava muito bem. Parecia um rouxinol”, diz Augusto fitando-a com o olhar, como que a convidá-la a reviver esses tempos. As recordações de Adelina completam o quadro. “Ele passava todos os dias em frente à casa dos meus pais e assobiava sempre para se meter comigo. Foi assim que chamou a minha atenção”, recorda.
Até trocarem a primeira palavra passaram largos meses. Mas as conversas não eram demoradas. “Combinámos deixar as nossas cartas debaixo de uma pedra e era assim que nos íamos conhecendo”, conta. “Eram verdadeiras cartas de amor como hoje já não se escrevem”, lembra Augusto, revelando que as tem religiosamente guardadas.
Mais tempo passou ainda até os pais de Maria Adelina aceitarem o namoro que nem à janela era permitido. “Tinha uma irmã mais velha que até me bateu uma vez por me ver a falar para ele. Diziam que era muito nova”.
Só aos 19 anos, quando Maria Adelina foi operada ao apêndice é que Augusto teve autorização dos pais para a poder ver, mas sem entrar em casa. Só à porta, através do postigo, é que, depois de muito tempo, ambos puderam trocar mais de perto olhares e palavras.
A virgindade foi perdida na noite de núpcias
O primeiro beijo foi “roubado” quando um dia Maria Adelina foi ao sapateiro. Augusto seguiu-a e apanhou-a de surpresa. “Foi uma coisa que não estava à espera e o meu coração bateu tão forte. Nunca tinha sentido nada assim”, diz Maria Adelina.
Sem papas na língua e sem qualquer constrangimento, quase sem ser necessário ser feita a pergunta, Maria Adelina recorda também o dia que perdeu a virgindade. “Foi na noite de núpcias. Estava com muito medo e muita vergonha de me despir”.
“Era a primeira vez de ambos estávamos muito embaraçados, mas lá se passou”, conta Augusto, mais constrangido que a esposa.
Ele não conheceu outra mulher, nem ela outro homem em toda a vida. Acompanham o avançar dos tempos e são unânimes a defender que hoje em dia o amor e os compromissos entre as pessoas já não são o que eram. Para ambos, misturar rapazes e raparigas na mesma escola foi algo que nunca deveria ter acontecido.
“É uma pena ver como está banalizado o amor e as relações. Por isso é que se divorciam tão depressa”, atira Augusto Pereira. “Aos 12 ou 13 anos já começam aos beijos e apalpões e, claro, fartam-se depressa e mudam de namorado com muita frequência”, defende. “Com os casamentos é a mesma coisa. Cansam-se e separam-se como se nada fosse”, acrescenta.
De Alcanena rumaram ao Canadá onde viveram grande parte da vida. Inicialmente foram para “livrar” o filho de uma ida para a guerra do Ultramar, mas acabaram por ficar durante 25 anos. Assim que se reformaram, em 1994, regressaram à terra natal.
Têm dois filhos, cinco netos e cinco bisnetos e dizem que ainda hoje namoram, “um pouco todos os dias”. A definição de namoro é dada por Maria Adelina. “É saber ouvir, saber ser tolerante, é ter respeito e, acima de tudo, ser fiel” diz. “Tivemos algumas discussões, como é óbvio. Nada é perfeito. Mas a amizade e o respeito estiveram sempre presentes”, remata.
O namoro nesta idade “é mais tranquilo”. Já não tem as preocupações do trabalho, nem da educação dos filhos. É uma fase diferente, em que temos realmente tempo um para o outro”, sublinha o marido.
As novas concepções de amor e de namoro
Os jovens da Associação de Desenvolvimento Sócio-Educativo e Cultural de Alcanena e os idosos da Academia Sénior e da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos de Alcanena (ARPICA) assinalaram o Dia dos Namorados a ouvir e contar histórias de como era namorar antigamente e quais as diferenças para agora.
Sobre “esta coisa do que é o amor” foram os mais novos que lançaram vários conceitos que fizeram os idosos dar algumas gargalhadas. “O amor é paz, respeito, carinho”, mas também é “ilusão e ciúmes”, atiraram.
O tema acompanhou o evoluir dos tempos e os jovens, entre os 12 e os 14 anos, mostraram que sabem o que está na ordem do dia e quais as opiniões que defendem. “O amor é um sentimento geral, não tem que ser só entre um rapaz e uma rapariga. É possível haver amor entre dois homens ou duas mulheres. E este tipo de amor não é um defeito, é uma escolha”, afirmou Tiago, com 13 anos.
A violência no namoro foi outro dos temas abordados. Neste ponto foram os idosos a revelar que “sempre houve, se calhar até mais ainda, apenas não era tão falado e não aparecia na comunicação social”.