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O testemunho de um vilafranquense em Macau que soma dois meses de quarentena
foto DR João Francisco Pinto não dispensa o uso de máscara a caminho do trabalho mesmo com Macau perto de regressar à normalidade

O testemunho de um vilafranquense em Macau que soma dois meses de quarentena

João Francisco Pinto lida com a batalha contra o coronavírus numa região onde os hábitos já mudaram em finais de Janeiro. O jornalista considera que as medidas em Portugal podiam ter sido implementadas mais cedo e estranha que se dispense o uso de máscaras nas ruas. Quanto ao reencontro com a família, vai continuar congelado.

João Francisco Pinto nasceu há 49 anos em Vila Franca de Xira. Quando tinha 23 mudou-se para Macau, cidade onde vive e trabalha como jornalista e director de informação da TDM-Teledifusão de Macau. Numa conversa que se fez à distância, conta a O MIRANTE como têm sido os dias de quarentena desde que o novo coronavírus apanhou as primeiras vítimas no final de Janeiro. “Imediatamente houve a percepção de que a situação era bastante grave numa altura em que ainda se conhecia muito mal o vírus e o Governo tomou medidas muito duras”, diz.
Macau esteve 40 dias sem novos casos, quando na região os infectados se contavam pelos dedos das duas mãos. Todos foram curados. “Quando o foco da doença deixou de ser a China e passou a ser a Europa, muitos macaenses voltaram”, trazendo novamente a presença do vírus. Quase todos foram detectados na fronteira, num controlo rigoroso, em que é feita uma “medição de temperatura e exigida uma declaração de saúde que detalha o percurso da pessoa nos últimos 14 dias, o que permite saber se estiveram em território de risco”, explica.
O quotidiano em Macau vai caminhando para a normalidade. Mas o percurso ainda se resume a “casa, trabalho, casa”. João Francisco Pinto nunca deixou de ir trabalhar e coordenar a equipa de 70 pessoas, na maioria portugueses. No entanto, sublinha, “todos os hábitos se alteraram”. “Ando sempre de máscara na rua, lavo as mãos dezenas de vezes e tenho o desinfectante sempre comigo. Os sapatos não entram em casa. As pessoas cospem para o chão, tanto na China como em Portugal”, diz.
As comunicações com os familiares em Portugal continuam a ser diárias. A mãe, de 80 anos, que continua a morar em Vila Franca de Xira, liga-lhe durante a nossa conversa. “Costumava ir a Portugal quatro vezes por ano e esperava ir agora na Páscoa, mas cancelei as férias”, diz consciente de que os casos por cá “vão continuar a aumentar”. Além de adiado o reencontro com a mãe, fica também suspenso o abraço aos filhos, um rapaz e uma rapariga, de 19 e 16 anos, que vivem em Alverca.
A outra filha, que reside com ele e a esposa em Macau, está em casa desde 24 de Janeiro, sem que haja previsão para a reabertura das escolas. “Em Portugal tornou-se sério este mês, agora imagine-se o que é ter uma filha de 13 anos há dois meses em casa. Aqui as pessoas estão psicologicamente desgastadas”, desabafa. “Só sai para ir às compras, e com a mãe apenas. Vê muito Netflix e preenche a manhã com aulas virtuais”, sublinha. Em Portugal, o dia-a-dia dos dois filhos é semelhante.

Estranho é andar sem máscara
Após o aparecimento dos primeiros casos, Macau adquiriu “no mercado internacional 30 milhões de máscaras” que foram distribuídas gratuitamente pela população, sendo o seu uso obrigatório nos transportes e edifícios públicos. Agora, cada residente “tem direito a comprar dez máscaras para dez dias, pelo preço simbólico de 80 cêntimos”. Nunca esgotaram, nunca se formaram filas para as comprar e “ninguém está preocupado por ver uma pessoa de máscara”, diz. Estranho é andar sem ela. “Aqui protegeram-nos, por isso, alguma protecção têm de oferecer”, afirma.
Durante mês e meio quase ninguém saiu de casa, a não ser que fosse estritamente necessário. “Macau era uma cidade deserta. Habitualmente demorava 10 minutos de carro a chegar ao trabalho e passei a demorar três”, conta. O Governo mandou fechar tudo o que era dispensável à população. “O derradeiro passo”, diz, foi o fecho dos casinos, a principal actividade económica de Macau.
Apesar de a curva de contágio não ser de perto comparável com a de países como Itália ou Espanha, os planos de contingência mantêm-se. “As pessoas respeitaram e continuam a respeitar absolutamente o pedido do Governo. As fronteiras continuam abertas, mas há grandes restrições. Os turistas e trabalhadores migrantes não podem entrar. Elevadores, teclados de multibanco, tudo continua coberto com plástico e é desinfectado de hora a hora”, descreve.

“Há um mês diziam que o vírus nem chegava a Portugal”
Apesar da distância, João Francisco Pinto tem acompanhado diariamente o que se passa em Portugal e assume-se “desiludido com a actuação e discurso dos políticos”. “Há um mês diziam que o vírus nem chegava a Portugal”, lembra, acrescentado que as medidas podiam ter sido implementadas mais cedo, nomeadamente o fecho das escolas. “Nestas situações é preciso homens de Estado”, atira.
Na sua opinião, há apenas “duas formas de lidar com esta crise: uma é mitigar, ou seja, não vamos matar a economia, mas vamos permitir que muita gente fique doente e morra. A outra é liquidar o vírus e, para isso, é preciso matar a economia para o bem das pessoas, que foi o que Macau, fez”.
Pedindo para que se olhe para o exemplo de Macau, deixa o apelo aos portugueses: “Usem máscaras sempre que estão na rua, num supermercado num banco e não se esqueçam que a higiene das mãos é essencial e deve evitar-se tocar com as mãos na cara. Evitem o contacto social e familiar, a altura não é para visitas”.

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