O pior da artrite reumatóide é o “deixar andar”
Articulações quentes, inchadas e com dor, rigidez articular e fadiga são alguns dos sintomas associados à artrite reumatóide, mas são muitas vezes confundidos com dores provocadas por trabalhos mais exigentes para o físico. O que pode atrasar o diagnóstico.
“Fiquei a conhecer todas as articulações do meu corpo através de uma dor insuportável”, diz Cláudia Oliveira, 47 anos, a quem a artrite reumatóide bateu à porta há 15 anos. A artrite reumatóide é uma doença inflamatória, auto-imune e crónica. Quando chega instala-se para o resto da vida. As causas são desconhecidas, mas os sintomas são bem conhecidos de quem dela sofre: articulações quentes, inchadas e com dor, rigidez articular e fadiga.
A propósito do Dia Nacional da Artrite Reumatóide, que se assinalou a 5 de Abril, O MIRANTE falou com Cláudia Oliveira e Renée Godinho, duas pacientes que explicam como a doença lhes virou a vida do avesso. Cláudia associou inicialmente as dores ao cansaço e aos movimentos repetitivos do seu trabalho na distribuição. Chegou a estar seis meses acamada e hoje é umas das pacientes cujo caso é mais estudado no Instituto Português de Reumatologia, não só pela idade que tinha quando a doença se manifestou, 32 anos, mas também pelo estado galopante com que a atacou e a levou à reforma por invalidez, com apenas 38 anos.
Residente em Santarém, Cláudia Oliveira admite que inicialmente desconhecia a doença e limitou-se ao “deixa andar”. Só depois do diagnóstico feito por um reumatologista, no Hospital Distrital de Santarém, é que caiu em si. Com a doença estabilizada à custa de injecções de cortisona semanais tentou prosseguir o trabalho durante dois anos. Abriu uma instituição de solidariedade e iniciou uma licenciatura em Psicologia. O seu aspecto físico alterou-se.
O corpo reagia à cortisona com inchaço e, sem se aconselhar, parou com as injecções. Passados três meses as consequências desse acto reflectiram-se. “Acordei e não me conseguia mexer. As dores eram tantas que nem o lençol conseguia suportar em cima do corpo”, descreve. Foi parar a uma cadeira de rodas. Agora, com novas terapias biológicas, o estado de Cláudia melhorou e pensa escrever um livro sobre a sua história de vida. Para tentar transmitir esperança a quem passa ou poderá vir a passar por um drama desses, afirma.
“Custou-me muito saber que nunca mais poderia usar saltos altos”
Renée Godinho conheceu o diagnóstico de artrite reumatóide há 10 anos, tinha 40. O sinal de alerta foi a perda de força nas mãos. “As coisas caíam-me das mãos com facilidade”, conta-nos a luso-descendente, radicada no Canadá até há perto de duas décadas. Ali era estilista e sempre gostou do mundo da moda. “Mais difícil do que o diagnóstico e as dores horríveis foi aceitar o facto de não poder voltar a usar saltos altos”, confessa a O MIRANTE.
Tal como Cláudia, Renée teve dificuldade em lidar com os efeitos secundários dos medicamentos à base de cortisona que lhe provocaram um aumento de peso de cerca de 40 quilos. “É uma mudança que nos afecta muito psicologicamente”, lamenta. Defensora de terapias naturais decidiu cortar na medicação e também o fez sem aconselhamento médico. Como consequência refere falhas de memória e o regresso das dores.
Na aldeia de Igreja Nova do Sobral, onde vive, entre Tomar e Ferreira do Zêzere, as consultas médicas são raras e podem chegar a perto de meio ano de espera. A vaga para hidroterapia, em Tomar, para a qual esperou dois anos, chegou finalmente no início de Março, mas com a pandemia da Covid-19 ficou sem efeito. Para aliviar as dores e manter o corpo activo Renée tenta fazer caminhadas, mas o cansaço acaba sempre por levar a melhor. “Na nossa mente pensamos que vamos continuar a fazer o que sempre fizemos, mas o embate com a realidade diz-nos que não. Esta doença não tem cura e temos que aprender a viver com as limitações”, desabafa Renée que convive também com uma fibromialgia que lhe agudiza as crises de dores.
Não se pode desvalorizar a dor
Jorge Garcia é responsável pelo serviço de reumatologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo.
No meio rural há tendência para atribuir as dores articulares ao esforço do trabalho. Mas é importante não desvalorizar a dor. O alerta é dado pelo médico responsável do serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT). Jorge Garcia reforça a importância do médico de família como primeiro profissional de saúde a ter contacto com o paciente e que, no caso de haver suspeita de artrite, deve referenciar o paciente para a especialidade.
O reumatologista chegou ao CHMT em 2009 e desde então passou a haver um acompanhamento diferenciado dos pacientes que deixaram de precisar de se deslocar a Lisboa. O clínico defende o diagnóstico precoce, antes de surgirem as alterações radiológicas, as erosões e as deformações, como o principal passo para melhorar a qualidade de vida do doente e evitar a progressão da doença.
É preciso estar alerta para sinais como a dor articular, pior durante a noite e manhã, a rigidez matinal e a tumefacção das articulações, embora a doença possa também afectar órgãos como o pulmão, o coração ou provocar secura das mucosas (ocular e oral).
Apesar das queixas das duas pacientes com quem O MIRANTE falou, Jorge Garcia realça os avanços que se conseguiram obter nos últimos anos em termos de terapêuticas inovadoras. “O paradigma da medicação à base da cortisona mudou. Para além do corticóide, que sem dúvida tem um papel importante no tratamento da doença, há outros imunossupressores e, nos últimos anos, surgiram os fármacos biológicos que permitiram aos doentes intolerantes às terapêuticas ditas convencionais terem uma réstia de esperança no controlo da sua doença”, refere.