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Que saudades das sessões hortícolas ao luar nas estradas do campo

Terso Serafim das Neves

Ando com algum medo de assomar à janela ou de ir ver se chegou correio e não é por causa do vírus, mas por ter já muitos cabelos brancos e correr o risco de encontrar um activista do grupo juvenil “Adopta um Avô”. Para eles, como para nós quando tínhamos a idade deles, qualquer marmelo com mais de cinquenta anos já tem idade para ser avô e logo, para ser adoptado. E eu não quero ser adoptado. Detesto ser adoptado, como diria o outro. E muito menos ser adoptado por um imberbe qualquer.
O pior disto tudo é que uma organização, que eu nem sequer sabia que existia, mas que, pelos vistos, existe mesmo e se chama Rede de Autarquias Participativas, decidiu dar prémios em dinheiro a este género de organizações jovens, desde que combatam o isolamento social do povo durante a guerra à Covid-19. Como calculas vai começar a caça ao isolado social e um avô é, por princípio, uma boa presa. Até já ando com pesadelos, Serafim!
Há dois ou três anos, no tempo dos incêndios, alguns ingénuos bombeiros foram para as redes sociais pedir água e alimentos. Em menos de um fósforo houve quartéis que ficaram tão cheios de latas de atum, latas de salsichas, pacotes de leite, embalagens e bolachas Maria e garrafas, garrafinhas e garrafões de água mineral, que já não tinham espaço para guardar as viaturas. Agora, em vez de bombeiros, são enfermeiros que se agitam nas redes sociais e eu receio que, se não lhes cortarem a Internet, os hospitais da região fiquem sem espaço para doentes.
Aqui há dias, um dos apelantes com mais jeito para a pedincha solidária conseguiu que uma empresa lhe desse duas paletes de água engarrafada. E há outros que conseguiram hambúrgueres e comida para micro-ondas, à descrição. É verdade que houve administradores preocupados, que se fartaram de pedir para não haver apelos individuais nem doações de comes e bebes, mas quem é que liga a isso quando quem pede está a usar bata, luvas e máscaras cirúrgicas?!
Houve mais uma descarga poluente na Ribeira de Pontével e outras no Tejo, Nabão e Almonda. Nesta altura são acontecimentos difíceis de classificar. Por um lado é mau porque a poluição é o que é. Mas por outro lado é bom porque isso significa que há carradas de poluidores que não estão infectados e que, por isso, estão a contribuir para achatar a tal curva da epidemia. Ou seja, dão trabalho aos ambientalistas mas não sobrecarregam os serviços de saúde.
O presidente da Câmara da Golegã, José Veiga Maltez, foi forçado a cancelar a Expoégua mas arranjou logo maneira de o concelho aparecer nas notícias. O concelho e ele. As televisões não filmaram actividades equestres mas tiveram assunto para ocupar tempo de antena por causa dos cartazes amarelos com um círculo encarnado que ele colocou nas estradas municipais a dizer aos forasteiros que não eram bem vindos... pelo menos por enquanto.
Um presidente de câmara como ele, que gosta de dizer que trata da terra como se fosse a sua quinta, tem todo o direito a fechar o portão e a controlar as entradas. Nem sei porque é que houve pessoas que se admiraram. Então não foi ele que, há uns bons oito anos, proibiu a circulação nas estradas rurais durante a noite para evitar roubos de alfaias agrícolas e sessões de sexo campestre?
Foi ele sim senhor e que saudades eu tenho de umas actividades hortícolas, digamos assim, ao luar, mais a minha Maria. É verdade que aquilo era para ser temporário e que o temporário já passou há muito tempo, mas também, quais foram as coisas provisórias ou temporárias do país que não passaram a definitivas ao fim de algum tempo? Eu acho que é melhor esquecermos a Golegã, de uma vez por todas, e passarmos a ir beber água-pé a outro lado.
Saudações temporariamente definitivas
Manuel Serra D’Aire

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