uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Mais uma vida perdida na perigosa passagem de nível do Peso
O camião conduzido por José Maria Carvalho ficou preso na passagem de nível da Estrada do Peso, em Santarém, tendo sido abalroado pelo comboio Alfa Pendular

Mais uma vida perdida na perigosa passagem de nível do Peso

Camionista por conta própria, José Maria Carvalho é a segunda vítima mortal em três anos e meio, em circunstâncias idênticas, porque a passagem de nível nos arredores de Santarém não oferece condições de segurança.

José Maria Carvalho, 38 anos, de Aveiras de Baixo, concelho de Azambuja, tinha começado há ano e meio a dar corpo ao sonho de ter a sua própria empresa, mas este foi interrompido no dia 22 de Abril, perto das 19h00, na passagem de nível da Estrada do Peso, em Santarém. O camionista empresário estava a atravessar a Linha do Norte quando se apercebeu que não conseguia prosseguir a marcha por causa da curva estreita após a linha férrea. José ainda ligou a um amigo a pedir ajuda pelo telefone sobre como tirar o pesado do local, mas o comboio Alfa surgiu de repente, embateu no camião e o empresário, que estava no chão, fora do camião, acabou por ser atingido por uma peça projectada da sua viatura e morreu no local.
Conhecido como “Zé Fecha” e “Zé Pantera”, José Maria Carvalho foi a segunda vítima em três anos e meio da passagem de nível perigosa. A 8 de Novembro de 2016, Carlos Brites Moita, de 56 anos, residente em Almeirim, ajudante de camionista, perdeu a vida no mesmo local em circunstâncias idênticas. Tinha saído do pesado para ajudar o motorista a fazer a manobra e tentar sair da linha, quando um comboio embateu no veículo arrastando-o e apanhando Carlos.
José Maria Carvalho conduzia um camião carregado de estrume para os campos agrícolas. O camionista deixa mulher e um filho menor. Quem convivia com ele diz que era um trabalhador exemplar e com grande experiência na condução de veículos pesados.

Jogo do empurra
Desde o acidente de 2016 que se está para mitigar a insegurança na passagem de nível. A empresa pública Infraestruturas de Portugal (IP), responsável pela linha, e a Câmara de Santarém, dona da estrada, enredaram-se em burocracias. O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) apontou a via rodoviária como factor principal para o acidente de 2016. No relatório da investigação recomendava-se à Câmara de Santarém que implementasse “na via rodoviária as alterações adequadas com vista a assegurar as condições de atravessamento da passagem de nível”.
O gabinete também alertava os responsáveis pela linha ferroviária para que fizessem uma avaliação das passagens de nível e implementassem medidas para se reduzir os riscos de acidente. Sem qualquer solução implementada, o mais fácil para a IP foi mandar fechar a passagem de nível, logo após o acidente de 22 de Abril, o que complica o acesso aos campos agrícolas e escoamento de produtos.
Quando a autarquia e a empresa estatal começaram a estudar a melhoria das passagens de nível na Linha do Norte, no concelho de Santarém, a câmara defendeu a construção de uma passagem superior. A Infraestruturas de Portugal (IP) não quis investir nessa solução e propôs arranjos na passagem de nível. O município ficou então responsável pelo levantamento topográfico e pela preparação e lançamento da empreitada, depois de a IP fazer o projecto. A repartição dos custos ficou por definir.
A IP vem agora dizer que o projecto “ficará concluído na primeira semana de Maio e atira culpas para a câmara dizendo que demorou um ano e meio a remeter o parecer ao estudo prévio. A câmara desmente, dizendo que o enviou atempadamente e que não obteve resposta da IP, tendo insistido em Fevereiro deste ano e ficado mais uma vez sem resposta.
Já depois do segundo acidente, a empresa pública notificou a autarquia de que deverá proceder com urgência à execução da obra, assim que receber o projecto. Mas, realça o presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, sem as “necessárias expropriações”, assumidas pela IP nas reuniões realizadas, o município nada pode fazer.

Ermelinda Mendes e Luzia Mendes vivem junto à passagem de nível há décadas

Moradores dizem que fecho de passagem de nível não resolve problema

Várias pessoas que moram perto da passagem de nível da Estrada do Peso estão contra a proibição de atravessar a Linha do Norte. Ermelinda Mendes estava a fazer uma caminhada com algumas vizinhas e viu o acidente. A reformada acredita que o fecho da passagem de nível não resolve o problema e só serve para tentar esconder a situação. Luzia Mendes mora há mais de 40 anos mesmo em frente à passagem de nível. Garante que só não morreram mais pessoas no local porque, muitas vezes, é ela que diz aos automobilistas e camionistas para não se aventurarem e fazerem marcha-atrás.

Opinião

Família destroçada e uma comunidade sem palavras

A morte do empresário José Maria Carvalho devia ser levada a tribunal com o patrocínio de todas as associações locais, regionais e nacionais de apoio às vitimas. As autoridades que sabem e têm provas que as passagens de nível são perigosas, e põem em causa a vida de quem as atravessa, deviam responder perante a justiça pelo seu comportamento relapso e irresponsável. Quem manda nestes organismos devia demitir os responsáveis que não cumprem com os seus deveres. Num país onde as instituições funcionam, os burocratas com responsabilidades em casos como este, que vitimou José Maria Carvalho, não ficam impunes. São demitidos e têm que responder perante a justiça. A Infraestruturas de Portugal e a Câmara Municipal de Santarém deviam responder em tribunal por esta morte, sem sentido, de um homem de 38 anos que andava a trabalhar feliz da vida e que deixa uma família destroçada e uma comunidade sem palavras.

Mais uma vida perdida na perigosa passagem de nível do Peso

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido