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Uma professora da Chamusca que ensina português em Atenas
foto DR Ana Maria Soares numa apresentação de livros portugueses traduzidos para grego

Uma professora da Chamusca que ensina português em Atenas

Chegou à Grécia em 1989. Tinha noções de grego clássico, mas cedo se apercebeu que nada tinha que ver com o grego moderno. Adaptou-se à língua e à cultura e hoje ensina aos gregos a língua de Camões. Já “meio grega”, Ana Maria Soares, natural da Chamusca, conta a O MIRANTE um pouco da sua história de vida e compara gregos e portugueses.

Ana Maria Soares, natural da Chamusca, vive na Grécia há mais de três décadas, praticamente metade dos seus 58 anos de vida. É professora de Língua Portuguesa na Universidade de Atenas e foi para a Grécia com uma bolsa de estudo do Ministério dos Negócios Estrangeiros para prosseguir os estudos em Filosofia. Gostou tanto que acabou por ficar, embora confesse que aprender a língua não foi tarefa fácil e adaptar-se à cultura grega também teve as suas dificuldades.
Apesar de ter algumas noções do grego clássico, este não se assemelha ao grego moderno que considera uma língua forte ao ouvido. “Parece árabe. De início estamos a ver as letras e não percebemos nada, parece que está tudo de pernas para o ar. Não gostei do tom, mas quando comecei a conseguir ler e comunicar com as pessoas tomei-lhe o gosto”, refere a professora que nos falou também, numa conversa por Skype, nas diferenças culturais entre portugueses e gregos. São coisas simples, do dia-a-dia, mas que marcam a diferença.
Os gregos gesticulam muito, falam muito alto, quase aos gritos, empurram-se para entrar no autocarro e comem a salada todos do mesmo prato. Mas o que mais confusão fez a Ana Maria foi o gesto que fazem quando querem dizer não. Levantam a cabeça ou sobem as sobrancelhas, sem dizer nada. “De início pensei que era um tique”, lembra entre risos.
Vive em Atenas perto do centro da cidade e agora dá aulas online, mas antes da pandemia o seu dia-a-dia era passado na universidade, ou em trabalhos de colaboração com a embaixada de Portugal em Atenas, ou ainda no clube de conversação em Português - Diga-nos o que lhe vai na alma - que reunia quinzenalmente, num café, num museu ou num jardim, para falar português.
Os seus alunos são maioritariamente gregos e quase todos falam duas, três, quatro, cinco ou mesmo dez línguas estrangeiras. Alguns são tradutores ou intérpretes e têm mesmo que saber várias línguas por motivo profissional, outros aprendem o português apenas por curiosidade, como curso livre. “Muitas vezes vêm aprender português e já sabem espanhol. Pensam que é parecido, mas têm dificuldades. Tenho até uma turma a que chamo os desesperados”, conta a professora. Têm facilidade em ler e escrever, mas a pronúncia é-lhes mais difícil. Alguns consideram a língua muito difícil e abandonam o seu estudo, mas quem se encanta pelo português acaba também por gostar da cultura e saber muito dela, desde a gastronomia às anedotas.
Ana Maria lamenta que haja poucos dicionários de português e pouca literatura portuguesa traduzida para grego. Há traduções de Fernando Pessoa, Saramago, Lobo Antunes, Eça de Queiroz... mas não há uma tradução de Sofia de Mello Breyner Andresen, por exemplo, ou de Miguel Torga e Virgílio Ferreira, escritores de que gosta muito.

Foram ditos muitos disparates sobre a Grécia na TV portuguesa
Além das aulas de Português é também intérprete e tradutora de grego, português e espanhol. Traduziu em simultâneo o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, na sua mais recente visita à Grécia. Também traduziu o discurso do primeiro-ministro, António Costa. São trabalhos que considera difíceis, mas que gosta, embora fique nervosa quando vê câmaras de televisão.
Foi também na condição de intérprete que acompanhou, em plena crise financeira que assolou a Grécia e Portugal, alguns jornalistas e fez traduções em directo de programas e reportagens. Quando questionamos como reagia aos comentários dos portugueses que diziam frequentemente ‘nós não somos a Grécia’, Ana Maria responde que na maior parte das vezes os jornalistas foram correctos ao passar a informação, embora retenha um ou dois casos de reportagens em que foram ditos muitos disparates.
“Lembro-me de um jornalista português muito conhecido dizer que os gregos estavam muito mal habituados e tinham todos piscina nos terraços. Pura mentira, as piscinas que existem nos terraços são dos hotéis, como aquele em que ele estava alojado”. Tal como os portugueses, também os gregos estariam a viver acima das suas possibilidades, endividavam-se porque os bancos facilitavam nos empréstimos.
Foram tempos difíceis, com muito desemprego e com o custo de vida a aumentar, mas agora, refere, as coisas estão mais equilibradas e diminuíram os focos de corrupção política e económica. “Já ‘meio grega’ fiquei muito irritada com algumas conversas que se faziam na televisão portuguesa. Nem os gregos eram tão gastadores e tão corruptos nem os portugueses tão inocentes”, desabafa.

À Margem

“Deixei de saber chorar”

A pandemia impediu que Ana Maria Soares se deslocasse a Portugal para acompanhar a mãe, Maria Augusta, à sua última morada. “São situações que deixam marcas embora no meu caso sejam pouco visíveis”, afirma. Ana Maria conta que há uns anos deixou de conseguir chorar. “É quase como se nunca me sentisse triste”, explica. O seu pai, Belchior, colocou fim à própria vida há cerca de dois anos. Ao contrário da maioria dos filhos que se revoltam, a professora soube compreender e aceitar. “Muitas pessoas criticam-me por filosofar demasiado sobre coisas tão importantes e dramáticas, mas acredito que as atitudes das pessoas têm que ser compreendidas à margem dos sentimentos que temos por elas”, explica.

Os passeios de bicicleta e o Jardim do Coreto

Durante vários anos as férias de Verão eram passadas na Chamusca. Da Grécia trazia consigo o filho, Elias, que fazia as delícias das outras crianças da terra. “Havia miúdos que ficavam admirados como é que um rapaz tão pequenino sabia falar grego”, lembra, com um sorriso no rosto. Desses tempos, guarda as recordações dos passeios de bicicleta no Tapadão, à beira do rio Tejo, e das tardes e noites infindáveis passadas entre conversas e brincadeiras no Jardim do Coreto. Em oposição, tem recalcado o sentimento de “pressão social” que existe entre as pessoas da terra e a necessidade que têm em saber do que se vai passando no “quintal do vizinho”.

Ascensão está ultrapassada do ponto de vista social

A conversa com O MIRANTE foi realizada na véspera da Quinta-Feira de Ascensão. Ana Maria admite, logo à partida, não ter recordações desta data simbólica para quase todos os chamusquenses. Refere que nunca foi de marialvismos e que é contra as touradas. A Ascensão é uma festa que considera ultrapassada, em termos sociais.

Uma professora da Chamusca que ensina português em Atenas

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