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Faço todos os sacrifícios para voltarmos  a uma vida desmascarada

Não sou daqueles que pensam que ser rebelde é não vacinar os filhos, conduzir bêbado, andar de mota sem capacete, não manter o distanciamento em relação aos outros, não usar máscara nos locais onde ela é obrigatória e não lavar as mãos, por muito sujas que estejam. Tenho idade suficiente para perceber que bom senso não é cobardia e desobediência não é heroísmo.
Escrevo este texto depois de uma saída de casa para fazer algumas compras. Moro há alguns anos no Entroncamento e era habitual ir ao mercado nas manhãs de sábado. Bancas cheia de frutas coloridas, vegetais viçosos, flores, bancas de peixe e pequenos talhos. Bancas que vendem pão, bolos, queijos e enchidos. Um bruá-bruá constante das conversas. Havia ainda uma ou outra vendedora mais alegre e comunicativa, que chamava as pessoas que passavam e lhes sugeria uma compra.
Hoje ainda me pus na bicha dos mascarados, mantendo a distância regulamentar em relação a quem estava à minha frente mas acabei por desistir de entrar. Comprei o pão numa padaria que tem porta para o exterior, tentando lembrar-me do sorriso simpático, adornado a batom carmim, com que a vendedora recebia os clientes e que agora está tapado pela máscara, apesar de os olhos continuarem a sorrir.
Na bicha do talho, do outro lado da rua, a mulher que estava à minha frente, de máscara e óculos de sol, olhou três vezes para trás antes de me reconhecer e cumprimentar. Eu respondi-lhe, ainda a tentar adivinhar quem ela era. Àquela hora já eu tinha passado por outros conhecidos, que não tinham respondido aos meus bons dias.
Pouca gente nas ruas e muitas lojas fechadas, que ninguém sabe se voltarão a abrir. No multibanco, após o levantamento, saquei do gel desinfectante e besuntei as mãos. Já não aguentava mais a comichão no nariz e tinha que afastar a máscara para o coçar. Voltei para casa mais determinado a aguentar mais um ano, pelo menos, a tentar proteger-me de ser infectado, para, entre outras coisas de que já sinto saudades, poder voltar a ir ao mercado, sem máscara, nem bichas e poder cumprimentar e ser cumprimentado, sem ser à distância, por amigos e conhecidos.
Fernando de Carvalho

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