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Na vida de um médico de família cada dia traz novos desafios
Nuno Nunes, médico em Alverca, Fernando Ambrósio, médico no Sardoal e João Grilate, médico em Amiais de Baixo

Na vida de um médico de família cada dia traz novos desafios

O médico de família é o rosto dos cuidados primários de saúde. É ele quem melhor conhece o paciente, a sua história clínica e a da sua família. Muitas vezes é um confidente e amigo, outras é o portador de más notícias. O seu dia assinalou-se a 19 de Maio e O MIRANTE presta-lhe homenagem com entrevista a três clínicos da região: Fernando Ambrósio, do Sardoal; João Grilate, de Amiais de Baixo; e Nuno Nunes, de Alverca.

João Grilate tem 63 anos de idade e 35 como médico de família, grande parte dos quais na unidade de saúde de Amiais de Baixo, Santarém. Nesta especialidade, mais do que o primeiro médico que ouve as queixas dos pacientes, João Grilate sente que é também um amigo da família. “Há um laço que se cria entre a população e o médico numa comunidade rural. As pessoas confiam muito, seguem os meus conselhos e mesmo que sejam seguidas, posteriormente, por um especialista, dão-me sempre conhecimento de como estão a correr os tratamentos. É muito importante, para fazer um diagnóstico certeiro, conhecer o marido, a esposa, os filhos”, explica o médico, natural de Lisboa, mas com raízes paternas no Espinheiro, Alcanena, onde recebeu O MIRANTE.
Fernando Ambrósio, de 68 anos, já está reformado da função pública, mas continua a dar consultas no seu consultório privado e também na Misericórdia do Sardoal e na Unidade de Cuidados Continuados de Vila de Rei. É médico de família há mais de 40 anos, teve milhares de utentes ao longo da vida e ainda cuida da saúde de cerca de dois mil pacientes. Natural de Alcaravela, concelho do Sardoal, sempre quis ser médico por considerar que tinha vocação para lidar com pessoas. Tal como João Grilate também acompanhou gerações de famílias desde o avô ao neto. Trabalhou no Centro de Saúde de Abrantes e no Centro de Saúde do Sardoal e refere que o facto de viver num concelho pequeno o aproxima dos pacientes.
Para Nuno Nunes, médico de família no Centro de Saúde de Alverca, concelho de Vila Franca de Xira, a medicina geral e familiar é uma das práticas mais desafiantes do ramo clínico e um dos principais desafios é saber gerir a incerteza. “Ao contrário de outras práticas a medicina familiar não é enfadonha. Trata de uma panóplia de diagnósticos que nem sempre são tão profundos como nas outras especialidades”, defende.
Natural do Funchal, Madeira, tem 32 anos e vive em Alverca há mais de uma década, desde que ingressou na faculdade. Nuno Nunes entende que a ideia generalizada que o médico de família só serve para passar exames e receitas está desactualizada e que a profissão já é vista com um olhar sério. O clínico defende que “olhar para um doente e nunca mais o acompanhar não é fazer medicina familiar. O papel do médico de família tem mudado para melhor, deixou de ser uma área gira e simpática para passar a ser uma verdadeira área de ciência com um internato de quatro anos”.
João Grilate não comunga desta opinião e lamenta que não haja mais consideração pelos médicos de família, sobretudo por parte dos médicos das especialidades. “Trabalhamos com recursos limitadíssimos nos centros de saúde e nas unidades de saúde das aldeias. Fazemos o que podemos, da melhor forma possível. Muitas vezes encaminhamos os doentes para os hospitais, com o relatório e chegando aos hospitais não têm o tratamento ou a resposta que deveriam ter”, queixa-se.

O tempo é o recurso mais escasso
Quando estava no sector público cada consulta só podia durar entre 15 a 20 minutos, conta-nos Fernando Ambrósio. “É impossível diagnosticar um doente em 20 minutos”, justifica. “Temos que conversar, saber o que se passa e temos que tocar no paciente, perceber o que o corpo nos diz. Desde que estou reformado tenho mais tempo para falar com as pessoas. É fundamental na ligação médico/doente”, afirma o médico do Sardoal.
Tempo é também o que falta a João Grilate. Em tempos o clínico atendeu à porta de casa inúmeros pedidos de socorro, a qualquer hora do dia ou da noite. Conta que sempre abriu a porta e ajudou muitas pessoas a salvarem-se, por exemplo, de enfartes, mas que deixou de o fazer porque o cansaço se vai acumulando e já não consegue dar resposta. “Agora tenho que dizer às pessoas que liguem o 112. Perceberam que não tenho em casa os meios de socorro necessários e que às vezes até é uma perda de tempo deslocarem-se aqui”.
Nuno Nunes tem 1.700 doentes ao seu cuidado e diz que se as listas fossem mais pequenas os clínicos teriam mais tempo para falar com os doentes. “A relação médico/doente é muito importante e o número elevado de pacientes pode inviabilizá-la, porque intensifica muito o dia de consultas e dá pouco espaço para ouvirmos as pessoas”, defende o clínico de Alverca, acrescentando que muitas vezes as pessoas querem um diagnóstico na hora. “O médico de família está na primeira linha e apanha os sintomas no início. Mas por vezes temos de deixar que a doença progrida para perceber do que estamos a falar. E gerir essa incerteza com o utente é uma das coisas mais difíceis de fazer”, explica.

Ser portador de más notícias

Como amigo, o médico de família também sofre pela proximidade que estabelece com os seus utentes. É complicado ter que ser o portador de más notícias. João Grilate guarda na memória alguns episódios. “Uma jovem apareceu no consultório para ver uns nódulos no pescoço. Percebi imediatamente do que se tratava. Mandei fazer exames e confirmou-se o que temia: uma leucemia”. A morte também é algo difícil de ultrapassar, sobretudo a morte de um bebé de seis meses. Este é outro episódio que deixou más recordações a João Grilate: “Estava no início de carreira e um bebé morreu com a síndrome de morte súbita. Os pais eram muito jovens e era o primeiro filho. Isso chocou-me muito”.

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