Pandemia faz crescer número de toxicodependentes a procurar ajuda
Confinamento social, perda de rendimentos e perturbação dos mercados da droga aumentaram os pedidos de ajuda de quem tem comportamentos de dependência. Os Núcleos de Apoio a Toxicodependentes de Vila Franca de Xira e Benavente duplicaram o número de novos pedidos durante a pandemia.
A pandemia de Covid-19 afectou tudo e todos, especialmente aqueles que foram denominados de ‘pessoas de risco’. É neste grupo, embora com menos expressão, que se insere a população toxicodependente. Os Núcleos de Apoio a Toxicodependentes (NAT) de Vila Franca de Xira e de Benavente, em articulação com a Direcção-Geral de Saúde (DGS), não deixaram cair a resposta.
Tânia Gomes, coordenadora dos NAT, dá conta que com o confinamento e os riscos de sair de casa, os 300 utentes que acompanham se confrontaram com novos problemas. Desde logo, por “terem vulnerabilidades devido a problemas respiratórios e doenças crónicas, como o HIV que poderiam ficar descontroladas se houvesse uma infecção” pelo novo coronavírus.
Mas o confinamento gerou outros problemas. Um deles foi “a menor oferta de droga” e o receio de sair de casa para a procurar, fazendo com que “as pessoas ficassem mais aflitas e procurassem ajuda”, refere. Por outro lado, ao passarem mais tempo em ambiente familiar, “ficaram mais expostas e sem conseguir disfarçar a dependência”, que também pode ser de álcool.
Foi este conjunto de circunstâncias que levou a que no último mês e meio estes NAT tivessem 20 pessoas a pedir ajuda pela primeira vez, duplicando a média mensal. Antes da pandemia nunca houve mais de uma dezena de novos casos por mês e eram maioritariamente referenciados por unidades de saúde e outras entidades. Desta vez, todos vieram por iniciativa própria. O número de teleconsultas de psicologia e psiquiatria aumentou, assim como a sua frequência. “Todos os profissionais alargaram o horário de atendimento”, porque utentes que tinham contactos mais esporádicos “ficaram mais fragilizados”.
Programas de metadona passaram a ser mensais
Embora a resposta não tivesse parado teve de sofrer alterações repentinas. O núcleo de Alverca, por exemplo, deixou de funcionar no centro de saúde - depois de o espaço ter sido transformado em zona reservada para utentes com sintomas de Covid-19 - e passou para o Fórum da Chasa. É aí que a equipa de enfermagem mantém em funcionamento o programa de substituição de opiáceos - tratamentos com metadona. As entregas passaram a ser mensais e agendadas por dia e hora para evitar aglomerações. “Estamos a falar de 30 a 40 utentes por dia a levar doses [de metadona] para um mês, ou seja cerca de 300” de uma vez.
A toma desta medicação de substituição é uma necessidade, explica a técnica, frisando que “se ficarem privados dela ficam desorganizados”, podendo levar a episódios de recaída. Situação que, segundo a coordenadora, não aconteceu por dois motivos: os tratamentos continuaram e muitos ficaram com menos recursos para retomar consumos. No entanto, o medo esteve presente em vários momentos e liderou o tema de conversa nas primeiras consultas.
alguns encontraram trabalho durante pandemia
Quando se fala de toxicodependência o estigma social ainda lhe está agarrado. “Continuam a ser alvo de discriminação” tornando duro e moroso o processo de reintegração na sociedade que marca o fim do tratamento. “Não basta estarem abstinentes, só estão tratados quando são reintegrados”, sublinha destacando que durante a pandemia quatro pacientes do NAT conseguiram trabalho. Talvez, lamenta Tânia Gomes porque a tendência para serem rejeitados faz deles “mais disponíveis para aceitar trabalhos de SOS” que mais ninguém quer fazer quando há um inimigo invisível à solta.
Resposta em quatro concelhos
Os NAT são um projecto financiado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) em parceria com a Câmara de Vila Franca de Xira que intervem junto de população toxicodependente nos concelhos de Vila Franca de Xira e Benavente, com resposta alargada a Azambuja e Alenquer. Tânia Gomes é psicóloga clínica e coordena, desde 2008, uma equipa de 10 pessoas, entre psicólogos, psiquiatra e enfermeiros.