
Um terço do que comemos resulta da acção das abelhas
Engenheiro zootécnico de formação, Gonçalo Matos trabalhou com animais de grande porte até há oito anos, quando se dedicou a outros bem mais pequenos: as abelhas. Conheça as peripécias da vida de um apicultor e curiosidades sobre este pequeno insecto com um grande papel na vida humana.
Gonçalo Matos, filho de pai veterinário e de mãe engenheira técnica agrária, graceja que ficou algures no meio em termos profissionais: é engenheiro zootécnico. Durante algum tempo trabalhou com animais de grande porte até que há oito anos se dedicou a outros bem mais pequenos, as abelhas. Fez o seu próprio projecto de jovem agricultor, na área da apicultura, e dedica-se agora, aos 40 anos, inteiramente a essa actividade.
Tem cerca de 150 enxames distribuídos por mais de uma dezena de apiários na região, em Santarém, Rio Maior, Alpiarça e Fazendas de Almeirim. Como não possui terrenos próprios utiliza terrenos “acordados” com os donos. Das colmeias em produção retira em média 15 a 20 quilos de mel, de cada uma, por ano. Mas tem também algumas que usa para produção de rainhas.
Mais difícil é fazer as contas ao número de picadelas que já sofreu. Quase sempre nos tornozelos, onde não tem por hábito usar protecções. Mas como a apitoxina é terapêutica, não o incomoda ser picado de vez em quando. Gonçalo aponta uma série de efeitos terapêuticos para o veneno encontrado nos ferrões das abelhas, referindo que o combate ao reumático é o mais conhecido. Mas há estudos que indicam que ajuda também a combater células cancerígenas e alguns vírus, como o HIV. “Até ver não sou alérgico, embora se defenda que se pode andar uma vida toda a levar picadelas e há um dia em que o nosso organismo despoleta uma reacção alérgica”, conta a O MIRANTE.
A aventura começou em Marianos, Paço dos Negros, no terreno de um amigo. Um terreno bom com muito rosmaninho, floração característica desta zona de charneca. Em Alpiarça já produziu junto a plantações de abóbora. “Não é o melhor sítio para ter abelhas, junto a um cultivo intensivo. Mas pediram-me para ajudar na polinização e acabei por tirar de lá algum pólen de boa qualidade e algum mel de abóbora em pequena quantidade, que acabei por misturar no multiflora”, conta, explicando que a designação multiflora se aplica quando não há uma flora que se destaque na produção do mel.
Nos casos em que há uma flora predominante, o mel distingue-se pelo tom, mas sobretudo pelo sabor. É o caso do eucalipto, que dá um mel mais escuro, do rosmaninho, com um tom entre o laranja e o amarelo, ou do alecrim, ainda mais claro.
Há cada vez menos abelhas
O Dia da Abelha, 20 de Maio, é assinalado desde 2018, uma data que para Gonçalo Matos peca por tardia para o reconhecimento da utilidade da abelha. “Afinal 1/3 dos nossos alimentos estão dependentes da sua polinização”, atira.
Já no início do século XX o físico teórico Albert Einstein alertava: “Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana”.
O apicultor reforça que as abelhas fazem muita falta e que nos últimos anos tem havido um decréscimo enorme do efectivo de abelhas no mundo inteiro. A agricultura intensiva e o uso de pesticidas são as grandes ameaças. Mas há também alguns factores ligados à intervenção humana e à globalização. Como a vespa asiática ou parasitas como a varroa, um ácaro que também veio da Ásia.
Sem abelha-rainha não há ordem
A forma como as abelhas comunicam está bem estudada e documentada. Uma característica que encanta os humanos é a dança das abelhas. “Quando descobrem um sítio novo com muito alimento, sobretudo na Primavera, fazem uma dança na colmeia, tremem e fazem uns ‘oitos’ em voo. A frequência com que tremem tem a ver com a distância a que se situa o alimento; e o ângulo que faz ao desenhar os ‘oitos’ tem a ver com o ângulo zenital em relação ao sol”.
O apicultor acrescenta ainda outra curiosidade: há quem defenda que a abelha-rainha deveria chamar-se abelha-mãe, porque não tem funções de comando. A sua função é pôr ovos. Tem outra função, mas indirecta, que é ajudar, com a sua feromona, a acalmar o enxame e a mantê-lo organizado. Se não houver rainha não há ordem, mas quem coordena e manda no enxame são as abelhas mais velhas, são essas que têm a experiência e tomam as decisões. A rainha pode viver até cinco anos, embora seja produtiva no máximo durante três.
