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Fátima Machacaz diz que os problemas da Barrosa são com ela
Fátima Machacaz é a primeira presidente de junta da Barrosa eleita pelo PS

Fátima Machacaz diz que os problemas da Barrosa são com ela

Fátima Machacaz caiu na política de pára-quedas com a missão de conquistar o bastião comunista na Barrosa. É presidente de junta eleita pelo PS há uma década e está a um ano da sua “reforma política”. É contabilista de profissão, mas para gerir um orçamento de 90 mil euros e contar os fregueses diz que não é preciso fazer grandes cálculos num território cada vez mais desertificado. Em entrevista a O MIRANTE avisa que não entra em guerrilhas internas do PS nem pede ajuda aos seus vereadores para levarem assuntos à câmara preferindo tratar disso pessoalmente. “Foi em mim que a população votou para defender os seus interesses”, frisa.

A Barrosa está a ficar deserta. Caminha no sentido contrário ao das restantes freguesias do concelho de Benavente que têm vindo a ganhar população. Impedir que se torne numa aldeia deserta só com uma injecção de investimentos públicos e privados. Quem o diz é Fátima Machacaz, presidente de Junta de Freguesia da Barrosa desde 2009, a primeira a pintar de rosa socialista uma freguesia tradicionalmente comunista.
“A freguesia tem 600 habitantes. A maior parte são idosos, quase não há jovens ou crianças. A escola primária e o pré-escolar já fecharam. Em dez anos perdemos 100 eleitores só por falecimento”, diz em entrevista a O MIRANTE. A presidente de junta sustenta que a chave do problema são os empurrões que as pessoas levam para se mudarem para cidades onde têm acesso a mais serviços. Mas também se deve, alerta, à falta de incentivos e de terrenos para construção, ao contrário do que acontece, por exemplo, na freguesia vizinha de Santo Estêvão que tem ganho população. “Teve influências de grandes herdades e proprietários com poder financeiro porque, diga-se, também havia área para isso. A Barrosa é um jardim, sem ter espaço para crescer como Santo Estêvão cresceu”, acentua.
Fátima Machacaz recebeu O MIRANTE numa tarde de sexta-feira na sede da junta de freguesia com vista para um jardim vazio de gente, também ele sinal de uma aldeia despida de comércio ou restauração, à excepção dos três cafés pouco frequentados nestes tempos de pandemia. A conversa feita numa semana em que o concelho viu subir o número de casos de Covid-19 passou por aí, com a autarca a destacar que na Barrosa não houve até agora um único caso positivo a registar. Mas também passou pelo desconforto de se ficar isolado numa aldeia isolada onde praticamente não há transportes públicos e as pessoas andam à boleia, inclusive à sua.
“É algo comum. Vejo as pessoas na paragem [de autocarro] e pergunto se querem boleia”, vinca e acrescenta que se o seu carro abre as portas à população, o telefone é uma espécie de número de emergência, que funciona 24 horas por dia, para resolver problemas da freguesia e do quotidiano de cada um, desde a elaboração do IRS, a como se envia a contagem da luz.

Investimentos orçamentados metidos na gaveta
A autarca lamenta que a Câmara de Benavente não invista mais na Barrosa e arraste a concretização de obra de orçamento em orçamento. O actual executivo construiu naquela freguesia a primeira ciclovia do concelho, o que considera ser “um bom investimento”, mas esqueceu-se da reabilitação do parque lazer do Vale da Asseiceira e do parque infantil junto à antiga escola que está há três anos fechado à espera de ser remodelado.
A Junta da Barrosa tem um orçamento anual de 90 mil euros. Tem três funcionários e uma presidente de junta que recebe 274 euros. “Não dá para grandes investimentos, mas bem gerido chega para conservar o que existe e fazer pequenas intervenções, como temos vindo a fazer”, diz, destacando a criação de um novo espaço de lazer com jardim, sistema de rega automática e aparelhos geriátricos.

“o que me interessa
é defender os interesses
da barrosa”
Falando da acção política, Fátima Machacaz diz-se uma autarca reservada que raramente intervém numa assembleia municipal e que não entra a pés juntos quando o faz. Em tricas políticas, sobretudo nas que giram em torno da concelhia do PS, é que não entra mesmo. “Vivo à margem de tudo isso. Posso ter sido eleita pelo PS, mas o que me interessa é defender os interesses da Barrosa. Eles que se entendam”, atira.
O afastamento do partido é notório e a autarca, que está no seu último mandato e se quer “reformar politicamente”, não se esforça para o esconder. Diz que não manda “recados aos vereadores” socialistas na câmara municipal, para que não os usem em discursos políticos. “Os problemas da Barrosa resolvo-os eu. Se é preciso agir vou falar directamente com o presidente da câmara. Foi em mim que a população votou para defender os seus interesses”, frisa.
Fátima Machacaz foi a primeira cabeça-de-lista a conseguir derrubar o bastião comunista que imperava na Barrosa, à semelhança do que acontece na câmara municipal e nas duas maiores freguesias, das quatro que há no concelho. Está no terceiro mandato. Numa retrospectiva olha para a sua entrada na política como quem cai de pára-quedas num terreno desconhecido. “Não tinha noção de nada”, confessa, e não estava filiada em partido algum. Nem está, porque não acredita que seja pela cor partidária que foi eleita.
Tem dificuldade em definir-se, mas sabe que tem “os pés bem assentes na terra” e não gosta de sonhar alto para evitar grandes quedas na vida. Garante que ser mulher combina com a política porque se tem maior sensibilidade para tratar assuntos que “mexem com a vida das pessoas”. Valoriza a proximidade que tem com os fregueses, alguns dos quais a viram crescer e a brincar nas ruas que agora tem de manter em ordem. E, assegura, não a incomoda nada que a tratem por “Fatinha”. O que importa, diz, “é que sintam à vontade para falar, para pedir o que for preciso e ajudem a identificar os problemas da freguesia que precisam de ser resolvidos”, remata.

Deixou de estudar para ajudar a sustentar a família

Fátima Machacaz nasceu há 48 anos na Barrosa, viveu 23 anos no Porto Alto e reside há dois em Benavente. Tem amor à terra onde muitas vezes sujou as mãos a brincar na rua, mas acabou por seguir a tendência: trocar a aldeia por zonas do concelho próximas de serviços, do seu local de trabalho e escola da sua filha.
Tinha 12 anos quando o seu pai faleceu. Era agricultor, tal como a maioria da população da Barrosa naquela altura, e era o sustento da casa. Fátima Machacaz viu-se obrigada a largar a escola (no nono ano) para ir trabalhar e ajudar no sustento da família. Foi dessa experiência, como funcionária no departamento de contabilidade de uma empresa, que ganhou gosto pelos números e cresceu a vontade de voltar a estudar.
Licenciou-se em contabilidade e administração. Trabalhou e estudou ao mesmo tempo e ficou grávida pelo meio. “Saí da faculdade aos 30 anos com uma filha bebé. Durante anos tive dois empregos. Só há quatro abri escritório por conta própria, em Benavente”, diz.
A pandemia trouxe-lhe trabalho redobrado com muitas empresas a recorrerem à sua ajuda para fazer as candidaturas ao regime de lay-off. “Tarefa que compete aos advogados, mas que muitos contabilistas fizeram”, diz, confessando que foram tempos desgastantes, com muitas horas de sono perdidas. Receia que muitas das empresas não recuperem.
É uma mulher de hábitos. Por isso, continua a fazer parte das compras para a casa no Porto Alto. Gostava de ter mais tempo para praticar exercício físico, e sempre que se despacha mais cedo do trabalho e das suas obrigações de autarca vai caminhar com a filha. Costuma tirar uma semana de férias para conhecer o país, mas este ano não arrisca e vai ficar entre Benavente e a Barrosa.

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