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“Ver o meu primeiro doente a morrer com Covid foi um choque”
Sérgio Barros Cardoso vive em Povos e é responsável pela USF de Vila Franca de Xira que tem 19 mil utentes

“Ver o meu primeiro doente a morrer com Covid foi um choque”

Sérgio Cardoso é médico de medicina geral e familiar e uma das suas utentes foi a primeira vítima de Covid-19 no concelho de Vila Franca de Xira. Uma das últimas foi o matador Mário Coelho, que também era seguido por Sérgio Cardoso. Natural do Porto, há cinco anos escolheu mudar-se para Vila Franca de Xira. Vive no bairro de Povos, é coordenador da Unidade de Saúde Familiar Terras de Cira e está também ao serviço na unidade de atendimento à Covid em Alverca que é uma unidade de alto risco. Há seis meses que não vê a família e não tem vida social. Na semana em que Vila Franca de Xira distinguiu a USF da cidade com o galardão de cidadão de mérito O MIRANTE foi conhecer o trabalho deste profissional da saúde e as suas visões sobre os tempos difíceis que vivemos.

Impotência. Esta é a palavra usada por Sérgio Barros Cardoso, 35 anos, médico de medicina geral e familiar e coordenador da Unidade de Saúde Familiar (USF) Terras de Cira de Vila Franca de Xira, quando o tema da conversa é a luta contra a Covid-19. Sérgio sabe do que fala, já que é também um dos médicos ao serviço na unidade dedicada ao atendimento à Covid instalada no Centro de Saúde de Alverca, considerada uma unidade de alto risco.
Confessa não ter medo de ir trabalhar todos os dias mas reconhece que há riscos associados e que o novo coronavírus merece respeito. Ainda para mais numa altura em que as infecções na Área Metropolitana de Lisboa não páram de crescer. É por isso que não vê a família há seis meses e não tem qualquer vida social com medo de poder contaminar outras pessoas. A namorada, que vive com ele e também é médica, segue o mesmo procedimento.
A primeira pessoa a morrer com Covid naquele concelho era sua utente. “Foi um choque, quer por ser uma pessoa que eu acompanhava quer por ter sido a primeira vez que realmente sentimos que isto estava a chegar. A morte é sempre triste”, lamenta. O seu último utente a morrer foi o matador de toiros Mário Coelho. “Eu e os meus colegas sentimo-nos impotentes por pouco mais podermos fazer senão recomendar prevenção. Não conseguimos impedir que a doença siga o seu curso natural, que é curar ou não curar. E quando não cura é dramático”, confessa.
Sérgio Cardoso diz que no caso de Mário Coelho, figura que conhecia mal além do seu estatuto público, a esperança é de que a doença evoluísse favoravelmente mas tal não aconteceu. “Fui estando sempre ao corrente da situação clínica mas infelizmente a doença evoluiu muito rápido. Recebi a notícia com surpresa e tristeza. Agora o que deve ficar é o seu exemplo de vida e não o da morte”, defende.
Sérgio Cardoso já teve colegas a passar mal e outros que ficaram meses nos cuidados intensivos entre a vida e a morte. “Felizmente recuperaram e alguns até já voltaram a trabalhar”, destaca. O profissional de saúde garante que não tem havido falta de meios nas unidades de saúde.

É preciso não ter medo do centro de saúde
Deixar de ir a uma unidade de saúde tratar ou acompanhar uma patologia só porque está no ar a pandemia de coronavírus é um erro que não deve ser cometido, avisa o clínico. “O objectivo é chegarmos ao final de tudo isto com o melhor resultado possível. Mas temos de nos lembrar que a luta contra a Covid não é um playoff, é um campeonato”, avisa.
Em Janeiro, muito antes de terem saído as primeiras indicações das entidades nacionais de saúde, já a USF de Vila Franca de Xira estava a sinalizar a situação Covid como preocupante. “Não podemos ter medo de ir às unidades de saúde mas não podemos ser displicentes. Temos de ter responsabilidade agora mais do que nunca”, avisa, lembrando que está na hora das empresas ajudarem os trabalhadores. “Se os transportes estão cheios as empresas devem ser tolerantes para os trabalhadores no que toca aos atrasos. Nesta fase toda a gente deve cumprir o seu papel para mitigar o problema”, defende.
Se toda a gente cumprir com as normas será possível chegar ao final do ano, período da gripe endémica, com a situação controlada. Se tudo correr mal o clínico avisa que o cenário será preocupante. “Se entrarmos na fase da gripe com a Covid não controlada os problemas vão ser muito maiores a todos os níveis. Teremos de dar passos atrás. Temos de respeitar o facto da Área Metropolitana de Lisboa ainda estar numa situação de risco”, avisa.

Um portuense apaixonado pelo Ribatejo
Sérgio Cardoso é do Porto mas há cinco anos que vive e trabalha em Vila Franca de Xira. Escolheu a cidade ribatejana para viver e trabalhar por causa das boas acessibilidades a Lisboa e pelo facto de ser um local com boa qualidade de vida. “Estamos num grande centro urbano sem as chatices de trânsito das grandes cidades. Vim para abraçar um novo desafio profissional e conhecia muito mal Vila Franca de Xira quando cheguei, hoje é diferente”, confessa.
Vive no bairro de Povos e destaca o facto de ser uma zona tranquila. Ainda não foi a um Colete Encarnado mas já frequentou a Feira de Outubro. A paisagem e o acolhimento das pessoas é o que mais gosta na cidade. “Não estou nada arrependido de ter vindo para cá”, elogia, apesar de criticar a falta de mais casas disponíveis.
Enquanto coordenador da Unidade de Saúde Familiar Terras de Cira, foi Sérgio Cardoso a receber a distinção entregue pela junta de freguesia nas comemorações do dia da cidade. A distinção foi muito importante para o clínico, que a considera um prémio para uma equipa que todos os dias faz das tripas coração para servir os cuidados de saúde da comunidade.
“Não vamos mudar a vida de cada vilafranquense nas nossas consultas mas queremos promover uma maior literacia para a saúde. Ir ao centro de saúde só quando se está doente é errado. Se as pessoas só vierem ao centro de saúde quando estão doentes nós estamos a falhar enquanto unidade de saúde. Isto é um trabalho eterno”, confessa.

20 por cento dos utentes nunca apareceram

Sérgio Cardoso diz que a pandemia veio aproximar médicos e utentes das unidades de saúde graças às novas tecnologias. “Estamos a fazer consultas por telefone, mail, mensagem e vídeo. Nesse campo ganhou-se proximidade e maior facilidade em marcar consultas por estes meios alternativos”, considera.
Do universo de utentes servidos pela USF – perto de 19 mil pessoas - cerca de 20 por cento nunca apareceram. Mudar esse cenário é um dos objectivos futuros. A USF foi criada há oito anos. Sérgio é coordenador desde 2017. Lidera uma equipa de 26 pessoas, embora o projecto esteja preparado para acolher 28 profissionais. Há 190 agregados à espera de resposta para serem integrados nos mapas mas os serviços ainda não conseguiram dar resposta por causa da Covid.
O Centro de Saúde de Vila Franca de Xira, além da USF, tem também unidades de cuidados paliativos, saúde pública, recursos partilhados (incluindo psicólogos e assistentes sociais) e um centro de diagnóstico pneumológico, para detecção da tuberculose e outras doenças respiratórias.

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