A importância de se chamar Joaquim Veríssimo Serrão
Joaquim Veríssimo Serrão deu nome a um Centro de Investigação em Santarém que é uma fachada para a promoção de muita gente, entre elas a do seu presidente. Martinho Vicente Rodrigues aproveitou-se da instituição para publicar a sua História de Santarém e ignorou a de Joaquim Veríssimo Serrão que está esgotada e pede reedição há dezenas de anos.
Agustina Bessa-Luís, que morreu com 96 anos no dia 3 de Junho de 2019, esteve cerca de uma década a sofrer o resultado de um AVC que a retirou para sempre da vida pública. Quando morreu a família já tinha conseguido a publicação e republicação da maioria dos seus livros, e muitos outros inéditos tinham sido publicados, nomeadamente “Ensaios e Artigos (1951-2007)”, em três volumes, reunindo mais de mil artigos publicados na imprensa.
Joaquim Veríssimo Serrão, 95 anos, está a viver uma situação muito parecida com a que viveu Agustina. Internado há uma década num lar, em Santarém, os seus problemas de saúde afastaram-no para sempre da vida pública. E o que é que aconteceu à sua obra? Nada. Quase nada comparado com aquilo que era suposto ter acontecido para quem escreveu 18 volumes da História de Portugal, é autor de um dos livros mais importantes para compreender o antes e depois do 25 de Abril de 1974 (Confidências no Exílio), e autor de milhares de outras comunicações, artigos, livros, entre centenas ou milhares de cartas que marcam a História de Portugal dos últimos 70 anos.
O nome e a obra de Joaquim Veríssimo Serrão deram origem a um Centro de Investigação em Santarém que reúne a maior parte do espólio do historiador escalabitano. É de lá que todos esperam que comece a sair a republicação de alguns dos seus livros, o estudo da sua obra, a reunião da sua correspondência, enfim, aquilo que ele merece dos seus pares ou de quem ficou responsável pela sua obra, nomeadamente aquela que nunca viu a luz do dia, e é tão importante para compreendermos o tempo em que vivemos. Volto às “Confidências no Exílio” só para dizer que o livro foi censurado na altura e muitas das cartas, talvez as mais importantes, ficaram de fora por razões que têm a ver com o tempo político que se vivia no ano de 1985.
O que me leva a escrever esta crónica é a existência de um livro, Santarém-História e Arte, da autoria de Joaquim Veríssimo Serrão, editado em 1959, reeditado mais duas vezes mas esgotado há muitos anos para lamento dos seus leitores, e até lamento público de alguns dos seus familiares. A história não acaba aqui. O presidente da Fundação Joaquim Veríssimo Serrão é o professor de História, entretanto reformado, Martinho Vicente Rodrigues, que também se dedica a escrever livros. Foi o que acabou de fazer editando a História de Santarém, um tijolo com uma lombada de seis centímetros, edição de luxo, em capa dura, remetendo para o lixo a História de Santarém, de Portugal e da bibliografia escalabitana, o livrinho de Joaquim Veríssimo Serrão, impresso nos tempos de antanho em papel de embrulhar sardinhas.
É importante que se esclareça que o calhamaço foi construído à conta de uma arte antiga de satisfazer leitores que procuram livros nas estantes pelo volume da lombada; o livro foi composto num corpo de letra grandinho, com espaçamentos entre parágrafos que só se usam em livros infantis, profusamente ilustrado, coisa nunca vista em Portugal, nem no mundo, o que faz dele um tijolo digno de admiração para bibliófilos liliputianos.
A história que estou a contar é triste e deixa-me triste. Não sei se para Agustina Bessa-Luís, ou para Joaquim Veríssimo Serrão, interessa o amor e o desvelo da família, e dos leitores, depois da vida passada, ou do melhor da vida já ter acabado.
Eu é que não durmo descansado desde que iniciei a escrita deste texto e o deixei a marinar durante semanas. Mesmo assim ainda não tive tempo de ler a História de Santarém do presidente do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, livro editado e pago pela instituição de que é presidente, certamente com o conhecimento dos seus pares, que sabem tão bem como eu o quanto o velho Joaquim gostava que o seu livro, Santarém-História e Arte, fosse reeditado mais uma vez e pudesse ser conhecido pelas novas gerações.