“Os governos gostam de se imiscuir no poder local e eu sempre me bati contra isso”

“Os governos gostam de se imiscuir no poder local e eu sempre me bati contra isso”
Personalidade do Ano Política Masculino - Alberto Mesquita

Alberto Mesquita retira-se da vida política ao fim de vinte anos de autarca, durante os quais foi vereador, vice-presidente e presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. A decisão de não se recandidatar foi tomada sem consultar ninguém e o motivo foi não se querer eternizar no cargo.

Decidiu não se recandidatar a um terceiro mandato. Considera-se um autarca diferente por saber quando é a hora de sair?

Não sei se sou diferente, mas penso muito pela minha cabeça. Em alguns casos é bom, em outras situações isso tem-me dado dissabores. Tomei sempre as decisões que me pareceram as mais acertadas, mesmo que fossem difíceis. Acho que não nos devemos eternizar nos cargos e já andava a pensar que tinha de pôr termo às funções autárquicas e ter a lucidez e coragem política para tomar a decisão.

Em política, e na política partidária, pensar pela própria cabeça não é a regra.

É provável que alguns políticos se resguardem mais. Respeito a atitude, mas enquanto autarca não estou a pensar se as minhas decisões estão de acordo com aquilo que o partido gostaria que eu fizesse. Tomo as decisões no interesse das populações e é provável que isso possa colidir em algumas situações com o interesse partidário. Mas isso pouco me importa, porque a única ambição que tive foi trabalhar bem e com espírito de missão.

Tem tido uma acção discreta em relação ao partido. É para proteger o PS ou para ele não se meter consigo?

Quem está num partido político tem de cumprir regras e sabe que há fronteiras. Não coloco as situações de que discordo na praça pública. E quando terminar esta missão vou tornar-me um militante de base, ainda mais discreto.

É visto como uma pessoa ponderada. Nunca se incompatibilizou com alguém?

Já trabalhei com muitas pessoas em vários elencos na câmara e não me lembro de ter ficado incompatibilizado com alguém. As questões de carácter político são discutidas nesse plano. Em termos pessoais guardo amizade com pessoas que nem são da minha família política.

Quando sai à rua consegue separar o autarca do cidadão?

Tenho que ouvir as pessoas que me abordam na rua e verificar se tenho resposta e se não a tiver ir à procura dela, mas nunca deixando de ter as minhas características pessoais. Em geral sou uma pessoa bem-disposta, mas quando a situação não me agrada não tenho sangue de barata. Vou aos sítios onde sempre fui. Mantenho os amigos que tenho.

Consultou a família antes de decidir não se recandidatar?

Ao contrário do que habitualmente fazia, em que reunia o conselho familiar, desta vez foi uma decisão solitária. Mas foi uma decisão muito aplaudida pela família. O meu filho abriu uma garrafa de champanhe. Habituei-me ao longo da vida a fechar ciclos, em termos profissionais, desportivos e em outras situações. Vivi esses ciclos com toda a intensidade e responsabilidade.

Quais as obras de que mais se orgulha?

Tive muitos pelouros. Sempre disse que não queria ir para o Urbanismo, por exemplo, mas acabei por ter de substituir o vereador daquela área. Normalmente quem ia para aquele pelouro estava apenas um mandato. Estive onze anos e deu-me bastante prazer. Foi essa função que me deu um grande conhecimento do concelho. Também aprendi muito na Educação. A requalificação da margem ribeirinha é uma obra emblemática e é importante para a ligação das pessoas ao rio, tal como as construções das ETAR (Estações de Tratamento de Águas Residuais). Num concelho em que os equipamentos desportivos eram escassos também dei o meu contributo para que houvesse melhores condições de acesso ao desporto. Deram-se passos gigantes em 20 anos.

Ficou triste com a escolha do PS para candidato à câmara?

O candidato que eu apoiei não foi o escolhido pelos militantes. Não lamento nem deixo de lamentar. Agora, terminado o período de escolha, todos devem contribuir para a vitória do projecto do partido. Mais do que pessoas devemos mover-nos por ideias e projectos. É um candidato com experiência autárquica, é presidente da assembleia municipal e é deputado na Assembleia da República. Estou convicto que o Fernando Paulo tem condições para dar continuidade ao trabalho e contribuir para o desenvolvimento do concelho. E se precisar de ajuda estou disponível.

Mas ficou com uma pedra no sapato por ele ter abandonado a vice-presidência em 2017, pouco tempo antes de terminar o mandato.

Fiquei muito surpreendido e tive dificuldade em recompor o elenco na câmara num momento tão sensível, próximo das eleições. Há duas formas de lidar com estas situações, que é perdoar e esquecer. Perdoar já perdoei, mas não esqueci.

Como vê a entrada nas autarquias de cidadãos sem grande experiência autárquica?

Não sou dos que digo que depois de nós é o caos. Vão aparecer novos autarcas que, pelo menos, vão ter uma particularidade: são pessoas mais informadas, com formação superior e com estas ferramentas podem também fazer um trabalho interessante. Quando vim para a política já tinha 30 anos de trabalho e consigo resolver muitas coisas, fruto da minha experiência de vida.

Os governos habituaram-se, em relação a muitas obras da sua responsabilidade, a serem as câmaras a darem terrenos e a concederem outros benefícios. É um abuso?

É! Os governos gostam muito de se imiscuir no poder local. Sempre me bati pela defesa da autonomia do poder local. Por exemplo na descentralização da saúde, Vila Franca de Xira ainda não assinou o acordo porque o poder central quer opinar sobre a contratação de recursos humanos e não tem nada que opinar. Uma descentralização de competências é um acto de boa-fé. Não aceitamos que alguém queira exercer o seu “poderzinho”. Mas para termos obras, se não cedermos, quem fica a perder são as populações.

Como vê aqueles que se servem da política como trampolim para uma carreira e até para benefícios pessoais?

A minha geração é de valores e princípios e considera a política uma causa nobre. As futuras gerações provavelmente vão ter uma ideia diferente e espero que, sendo pessoas com formação superior e domínio das redes sociais e tecnologias, possam fazer um bom trabalho e diferente. Mas vejo jovens que saem das faculdades, vão para a Assembleia da República e seguem pela política em vários cargos. Não sei se é bom se é mau. O que sei é que não teria feito o trabalho que fiz na câmara municipal, se não tivesse uma experiencia profissional, que me deu lastro.

Como é que se faz política?

É necessário, muitas vezes pormo-nos na pele do outro e hoje as coisas não são vistas dessa forma. Há duas maneiras de fazer a política, com o coração e a razão e ambas devem estar presentes nas nossas decisões. Já me tenho arrependido de pensar só com o coração, mas não deixo de o fazer porque a política também tem de ser exercida com sentimentos.

Quantas vezes lhe propuseram situações que podiam prejudicar o interesse público?

Está a falar de corrupção? Quando era vereador do Urbanismo uma pessoa disse-me que o meu problema era ser sério demais. Fiquei surpreendido, sem reacção, mas depois respondi que só há duas maneiras de estar na vida, ou se é honesto ou desonesto. Ser honesto demais é uma coisa que não existe. Houve ainda uma outra pessoa que também fez uma tentativa e tive de a mandar sair do gabinete.

O que for vai fazer no primeiro dia em que já não é presidente.

Vou começar a ler a montanha de livros que tenho e começar a arranjar coisas que a minha mulher já me pediu para arranjar dezenas de vezes e que vou deixando para trás. Vou fazer um jantar descansado com ela. Vou rever os meus amigos e os camaradas da tropa, que têm sido prejudicados com a minha falta de tempo. Se for possível, quero passar umas temporadas com o meu filho em Moçambique e também ir a um sítio que gosto muito: Cabo Verde. Quero fazer as viagens que não fiz para não estar ausente da câmara. Ao longo destes anos de autarca devo ter uns 800 dias de férias que não gozei.

A sorte de sempre ter feito aquilo de que mais gostava

Alberto Mesquita, nasceu no Lobito, Angola, em 1949, e os seus primeiros anos de vida foram passados aí, junto ao mar. A sua ligação a África continua viva e nas reuniões mais aborrecidas, acontece-lhe começar a desenhar paisagens africanas, mas o desenhador projectista de profissão nunca se aventurou nas artes.

Veio para Lisboa com 11 anos e confessa ter-se sentido enjaulado no apartamento do quinto andar onde vivia. Voltou a África para combater na Guerra Colonial em Moçambique. Tinha começado a aprender “com muito orgulho” a profissão de mecânico, aos 16 anos, numa empresa ligada à Volkswagen. Recorda-se que havia um espírito de competição e o recorde de Mesquita era retirar o motor de um Volkswagen carocha em sete minutos.

Ao longo da vida sempre tentou não estar muito tempo no mesmo emprego. Chegou a trabalhar num escritório de advogados. Instalou-se em Alverca quando conseguiu trabalho na Mague, como desenhador projectista. Amante da actividade física, jogou râguebi até aos 34 anos.

Esteve na Mague vinte anos, durante os quais ganhou a consciência da intervenção cívica e o gosto pela política. Foi eleito vereador da câmara municipal de Vila Franca de Xira, numa lista do PS, em 1993. Na altura a autarquia era gerida pelo PCP. Em 1997 o PS venceu e Alberto Mesquita passou a trabalhar com a presidente Maria da Luz Rosinha, tendo sido seu vice-presidente até 2013, altura em que foi cabeça-de-lista, tendo sido eleito presidente, sendo reeleito em 2017.

Alberto Mesquita é casado com Luciana Nelas, que actualmente dirige a Casa de São Pedro de Alverca, e tem dois filhos, um vive em Moçambique. Nenhum deles enveredou pela política. Não é um homem de fé, mas gosta de visitar igrejas e quando vai a Fátima com a esposa sente uma grande paz. Já fez um roteiro de visitas a castelos e quer voltar a Foz Côa para rever as pinturas rupestres, que o impressionam. Confessa que é capaz de andar dezenas ou centenas de quilómetros para ir experimentar um bom restaurante. Diz que é um homem de sorte porque na vida fez sempre o que mais gostava.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo