“Preservamos as tradições mas já fizemos espectáculos de fusão com danças contemporâneas”

“Preservamos as tradições mas já fizemos espectáculos de fusão com danças contemporâneas”
Personalidade do Ano Cultura Feminino - Rancho Folclórico e Etnográfico de Alviobeira. Manuela Santos, Manuel Mendes e Cidália Antunes

Manuel Mendes, Manuela Santos e Cidália Antunes, respectivamente presidente, directora artística e directora da área museográfica do Rancho Folclórico e Etnográfico de Alviobeia, contaram a O MIRANTE a história deste grupo do concelho de Tomar e os projectos que ficaram adiados com a pandemia.

Quantos elementos compõem o Rancho Folclórico e Etnográfico de Alviobeia (RFEA)?

O rancho tem um grupo adulto e um grupo infantil, juntos rondam os 60 elementos. O elemento mais novo é o Romeu com 3 ou 4 anos. É a idade ideal para se iniciarem. O mais velho será o senhor Brás, com 75 ou 76 anos. Aos 12, 13 anos todos querem passar para o rancho dos adultos, mas tentamos que fiquem o máximo tempo possível no infantil.

Como chegam ao RFEA?

Chegam por influência dos pais e também pelo interesse próprio das crianças que, quando se apercebem do rancho e das actividades demonstram curiosidade. Não temos tido muita dificuldade em cativar novos membros. Há casos de famílias inteiras a participar. Cidália dá o exemplo da sua. Por vezes chegam primeiro os filhos e chamam os pais, outras vezes acontece o contrário. Há idades em que se torna complicado frequentar o rancho, quando se vai estudar para fora e até se encontrar um emprego mais estável, quando se regressa. Muitos afastam-se durante esse período e voltam mais tarde.

Quantas músicas e danças há no vosso repertório?

Temos cerca de 30 a 35 músicas próprias que foram recolhidas no início do rancho. As danças e os trajes reportam-se a finais do século XIX, princípios do século XX. Quando iniciámos, há trinta e tal anos, falámos com muitas pessoas que tinham memórias dos pais e dos avós e que ainda guardavam peças de roupa que conseguimos recolher. O nosso objectivo sempre foi recolher e preservar hoje para outros conhecerem amanhã.

É um repertório que continua a crescer?

Hoje em dia é impossível acrescentar alguma coisa. Já não há memórias tão antigas. Alviobeira era das freguesias mais pequenas de Tomar, agora está associada a Casais e cresceu um pouco. Fica numa zona engraçada, no extremo do concelho e no extremo do distrito, junta tradições de Ferreira do Zêzere, da Beira Baixa e da Beira Litoral. O folclore desta região é diferente do típico ribatejano focado na figura do campino.

Antes da pandemia quais eram as actividades regulares do RFEA?

Além dos ensaios semanais, todas as sextas-feiras, no Centro Recreativo de Alviobeira, tínhamos as actuações. Fazíamos sempre um festival em Alviobeira, perto do 24 de Abril, data do nosso aniversário, com presença de ranchos convidados, e também nos deslocávamos a outros encontros e festas na região, sobretudo no Verão. Entre Junho e Setembro realizávamos menos actividades para nos dedicarmos às actuações. Em Janeiro temos o Cantar dos Reis, porta-a-porta, na zona. No início do ano, altura mais fraca das actuações fazíamos também muitas actividades aqui na escola primária, local que nos foi cedido pela junta de freguesia. As actividades eram abertas à população e promovidas pelos elementos do rancho. Podiam ser desde costura, a agricultura biológica, rodilhas, sacos de trapos, flores, ou momentos musicais.

Têm também uma tradição peculiar o “Serrar da Velha”?

Na altura da Quaresma não haviam bailaricos, era um período de jejum, de oração e de penitência, a única diversão era o “Serrar da Velha”, em que os homens se juntavam, escolhiam a velha mais velha da aldeia e fingiam que a iam serrar. Ela deixava um testamento que era lido num pinhal à noite. Aproveitava-se a ocasião para se dizer umas verdades, algumas inconvenientes, e muitas vezes as pessoas ficavam zangadas com o que era dito. O último foi em 2019, mas já foi mais como uma peça de teatro, num local próprio, porque é difícil fazer no pinhal com carros a passar e luzes sempre acesas.

Há actividades para todos os meses?

Sim. Em Abril, mês de aniversário, há um almoço convívio, um festival e uma gala com apresentação de outras danças que não folclore, como o Pulsações e o Andaime.

Como são esses espectáculos?

São espectáculos menos tradicionais, mais contemporâneos, que fazem a junção entre o folclore e outras danças. Foram apresentados no cineteatro em Tomar e no Entroncamento. É uma forma de fazer o folclore vestir outras roupagens e chegar a outros públicos, embora hoje em dia já não exista tanto essa clivagem.

Quer dizer que o folclore está na moda?

Há um interesse crescente por tudo o que é mais antigo, biológico, natural e etnográfico. Estamos a caminhar nesse sentido, mas há uma ou duas décadas não era assim. O folclore não era muito bem visto.

Como reagiram os elementos do rancho aos novos desafios?

Para os elementos do rancho também foi bom ter outras experiências. São espectáculos difíceis que requerem muito ensaio e muita logística. Quando a pandemia for embora talvez regressem.

Entretanto perdemos o fio à meada quanto às restantes actividades anuais...

Em Maio fazem-se os Maios. No primeiro dia do mês faz-se uma cruz que é enfeitada com flores. Essa cruz é colocada nas culturas antes de o sol nascer. O ano passado, mesmo em pandemia fez-se. Cada um fez o seu e publicou nas redes sociais. Em Maio, Junho há também uma peregrinação a Dornes, na segunda-feira do Espírito Santo, tradição antiga que se mantém. Na última fomos em carroças. Em Junho fazemos as marchas, no S. Pedro, nosso padroeiro.

Chegam as actuações de Verão, e depois?

Em Setembro temos a Mostra de Cheiros e Sabores, em parceria com o Conselho Pastoral. Há também o encontro de ranchos infantis, no adro da Igreja, e tasquinhas onde participam todos os lugares da paróquia. O Mercado à Moda Antiga acontece em Outubro, na antiga Rua do Comércio, hoje Rua António João Antunes (ex-presidente do RFEA e da Junta de Freguesia de Alviobeira). Em Novembro há a Ronda das Adegas. Actualmente, deixámos de visitar só adegas e incluímos também outros ciclos como o do azeite, do pão, das escolas primárias, tudo caminhando durante um dia inteiro.

E em tempos de pandemia, como convivem?

Juntamo-nos num grupo de Facebook onde partilhamos experiências e onde são lançados desafios. O objectivo é fomentar a união entre todos e manter o interesse, manter uma ligação. Somos animais de hábitos e tem que continuar a haver alguma coisa que nos una, para quando pudermos regressar estarmos cá todos, ou pelo menos o maior número possível.

Já actuaram no estrangeiro?

Nunca actuámos fora de Portugal. Se um dia houver oportunidade, sem que isso nos acarrete custos, teremos todo o gosto em representar Alviobeira em qualquer país onde houver comunidades portuguesas.

O búzio continua a marcar a entrada e saída de palco?

O búzio chamava as pessoas para o trabalho e anunciava o final da jorna. O que temos é um original e não é fácil de tocar. O grande mestre tocador de búzio é o senhor António Brás, primeiro ensaiador, que esteve algum tempo ausente, mas regressou.

Um rancho à moda antiga preparado para o futuro

O Rancho Folclórico e Etnográfico de Alviobeira foi fundado a 24 de Abril de 1988 para preservar os usos e costumes desta região que marca a estrema do concelho de Tomar e a estrema do distrito de Santarém, juntando as tradições do Ribatejo com as da Beira Baixa e da Beira Litoral. O seu lema é recolher e preservar hoje para outros conhecerem amanhã.

Ao longo dos seus 32 anos de vida o grupo tem sabido adaptar-se e renovar-se desenvolvendo projectos assentes em três pilares principais: cultura, tradição e inovação. O seu trabalho é reconhecido como sério, ousado e empreendedor. Já fizeram algumas experiências de fusão do folclore com outras danças.

O seu dístico, em forma de serra, homenageia os serradores de Alviobeira e simboliza as árvores e as raízes. Uma cesta recorda uma das actividades agrícolas praticadas na região: a apanha da azeitona, que permitiu ao longo de anos o intercâmbio com costumes, danças e modas de outros locais. A dobadoura representa os ofícios e lembra que esta freguesia de Tomar era terra de tecedeiras.

A salvaguarda de tradições pode ter sido o mote inicial do Rancho Folclórico e Etnográfico de Alviobeira, membro da Federação de Folclore Português e da Associação de Defesa do Folclore da Região de Turismo dos Templários mas, ao longo dos anos, e fruto de uma direcção dinâmica, as suas actividades têm extravasado o folclore.

A distinção atribuída por O MIRANTE envaideceu e honrou a direcção e funciona como um incentivo para fazer mais e melhor. “Nunca foram os prémios que nos moveram, mas recebê-los é sempre bom”, assumem em uníssono Manuel Mendes, Manuela Santos e Cidália Antunes.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo