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A vida de Joaquim Calçada deu um filme  mas está longe de ser um conto de fadas
A vida de Joaquim Calçada virou filme mas ainda foi preciso suar durante os 48 dias das filmagens

A vida de Joaquim Calçada deu um filme  mas está longe de ser um conto de fadas

Filho de uma família humilde de São João dos Montes, Joaquim cedo precisou de dar corda aos sapatos para ter uma vida melhor. Fez de tudo um pouco e mesmo só sabendo um inglês remediado foi taxista em Nova Iorque depois de Mário Soares lhe ter facilitado a obtenção do visto. Na cidade que nunca dorme levou no banco de trás figuras como Jacqueline Kennedy e Muhammad Ali. Divorciou-se por causa do trabalho, ganhou bom dinheiro mas perdeu-o no Brasil. O “Elvis de Alhandra”, como é conhecido, abre as portas de casa a O MIRANTE para uma conversa em torno de uma vida que, desta vez, deu mesmo um filme.


Em Alhandra há muito que as gentes da terra conhecem Joaquim Calçada mas agora boa parte do mundo cinematográfico também o passou a conhecer, depois da sua vida ter inspirado um filme. Uma vida que, apesar das muitas aventuras, está longe de ter sido um conto de fadas e que Joaquim afirma ser o espelho de um Portugal pobre e emigrante que ainda hoje tem de sair da sua terra para conseguir ganhar o pão.
Joaquim gosta da vila onde vive mas lamenta que haja tanta casa velha e vazia a precisar de ser recuperada. Elogia Alhandra por ser uma terra pacata, segura e sossegada onde viver. Todos os dias almoça fora nos restaurantes da vila, um hábito que espera voltar a retomar logo que a pandemia o permita.
Os amigos chamam-lhe o “Elvis de Alhandra”, alcunha que se deve mais ao seu penteado do que à sua paixão pelo cantor de Love Me Tender. Até porque Joaquim, confessa a O MIRANTE, gosta é de fado, que canta à desgarrada com os amigos ou nos convívios da tertúlia Alhandra a Toireira.
Tem 73 anos e nasceu em São João dos Montes, onde brincava a caçar ninhos e a fazer carrinhos de brincar com latas de conserva. Filho de pais pobres, começou a trabalhar aos 13 anos na Cimianto. Aos 14 os pais meteram-no a trabalhar sem vencimento nas oficinas da OGMA em Alverca para escapar à guerra colonial. Ali aprendeu a ser mecânico de estruturas de aviões. Ficou a trabalhar na secção americana da USAF – United States Air Force.
Foi nessa altura que quis começar a aprender inglês com a ajuda de um amigo que partilhava com ele os apontamentos num café em Vila Franca de Xira. “A OGMA pagava certinho mas não era nenhuma Mague. Sempre quis ter uma vida melhor e por isso comecei a pensar em ir para fora. Pensei na Alemanha mas acabou por surgir a oportunidade dos Estados Unidos”, recorda.
Através do seu dentista meteu-se num avião e rumou a Newark, onde existe uma grande comunidade portuguesa. Sem qualquer rede e de mala às costas bateu à porta do contacto que o dentista lhe dera. Dois dias depois já estava a trabalhar como ajudante de limpeza numa fábrica que produzia anéis de ouro. Foi com um visto temporário e anos depois teve de ser Mário Soares, através de um contacto em comum, a facilitar-lhe a obtenção do visto permanente através da embaixada portuguesa. A mulher, portuguesa, juntou-se-lhe e foi pai pouco depois.
Insatisfeito com o que ganhava, foi trabalhar durante a noite para uma sucata que desmantelava 500 carros por dia na zona de Queens e durante o dia era porteiro noutra empresa da cidade. Depois mudou-se para trabalhar numa empresa de condutas de ar condicionado e foi aí que, forçado a andar às voltas por Manhattan, passou a decorar as ruas. Foi um colega irlandês que lhe recomendou ser taxista.

Jacqueline Kennedy
e o bacalhau
Foi ao volante que Joaquim viu a sua conta bancária crescer. Fez um teste rápido para obter a licença e arrancou para as ruas. Chegou a conduzir o cantor, apresentador de televisão e actor Donny Osmond e a ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy, que sempre que entrava no seu táxi lhe perguntava por bacalhau. “Ela estava no número 61 da Quinta Avenida e era uma chamada que caía todos os dias. Mas como a deslocação era curta nunca ninguém respondia. Eu respondia sempre só para poder falar com ela”, recorda a O MIRANTE.
Um dia também conduziu Muhammad Ali a caminho do Atlantic Center, “mas já o apanhei na fase final”, lamenta. Pelo meio conduziu também uma limusina e os dias eram passados a transportar correctores da bolsa nas suas paródias e copos noite dentro, onde o dinheiro fluía como água.
Trabalhava de manhã à noite e o casamento sofreu com isso acabando por se divorciar. “Era uma vida social escaganifobética. Não era um conto de fadas, tirava um bom ordenado mas o dinheiro não é tudo e não paga o amor. A mulher preferia que eu tivesse menos dinheiro e a levasse a ver as montras e a passear”, confessa.
Nos bailaricos conheceu depois uma brasileira. Agarrou nas poupanças que tinha e investiu no Brasil. Perdeu tudo num ano. “Acabou o dinheiro e fiquei teso, perdi tudo o que ganhei nos Estados Unidos. Voltei a Portugal”, conta.
Quando chegou a Portugal foi trabalhar como segurança. Inscreveu-se na OGMA e reentrou na empresa onde ficou quase até à reforma. “A OGMA percebeu que em vez de pagar 1.348 euros aos mais velhos preferiam pagar 600 aos mais novos para fazer o mesmo trabalho. Agarraram em 54 homens mais velhos, deram-nos uma indemnização e mandaram-nos embora. Fiquei desempregado e aderi às Novas Oportunidades”, recorda. Foi aí que conheceu Susana Nobre, a mulher que iria realizar o filme da sua vida.

O aparato
no centro de Alhandra
Joaquim Calçada vive com outra mulher há 15 anos. Para trás deixou dois filhos, ambos nos Estados Unidos, com quem não estabelece contacto. “Foi um divórcio complicado”, admite.
Quando andava na corrida aos carimbos em Portugal ainda fez de figurante num filme de Susana Nobre, onde ganhou algum dinheiro. Quando esta perguntou se podia fazer o filme da sua vida Joaquim não hesitou. “Aceitei mas foi muito cansativo. Foram 48 dias, 11 horas por dia, fins de semana incluídos. Só uma cena no metro de Lisboa repeti imensas vezes e ela dizia que não estava bem. Já estava farto da rapariga”, brinca com um sorriso.
As gravações também se realizaram na sua casa e quando isso aconteceu foi um aparato inusitado na vila. “Não me importa, não devo nada a ninguém e levamos Alhandra a outras pessoas”, sorri.
“O Táxi do Jack” representa a presença nacional em longas metragens no Festival de Berlim deste ano, na prestigiada secção Fórum dedicada aos projectos avant-garde. No Verão, Joaquim espera poder ir pessoalmente ao festival ver a sua vida reflectida no grande ecrã.

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