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“Vou ser sempre a voz do povo de Azinhaga”
Vítor Guia foi um rapaz pobre da Azinhaga que subiu na vida a pulso

“Vou ser sempre a voz do povo de Azinhaga”

Aos 65 anos Vítor Guia é e vai ser sempre a “voz da Azinhaga” onde foi presidente da junta de freguesia. É presidente da Assembleia Municipal da Golegã e está reformado. Mas como não sabe estar parado continua a ajudar a esposa na empresa de construção civil. Passou fome na infância e começou a trabalhar aos 10 anos como pastor para ajudar a família. A breve biografia de quem subiu na vida a pulso e privou de perto com José Saramago.

Empresário e com um percurso político começado há 46 anos, há quem pense que a vida de Vítor Guia sempre foi um mar de rosas. Só os mais velhos habitantes da Azinhaga, freguesia do concelho da Golegã, sabem a fome que passou. Cedo trocou os livros pelo trabalho que lhe rendia doze escudos (hoje 6 cêntimos) por dia na altura, a guardar gado. Dos 10 aos 14 anos calhou-lhe de tudo um pouco: porcos, bois, ovelhas, cavalos e éguas. A professora da quarta classe ainda lhe disse que “era uma pena não continuar os estudos”, mas Vítor sabia que “precisava de levar dinheiro para casa”.
“Fui obrigado a crescer muito rápido. Digo, sem vergonha, que só não passei mais fome porque vivia junto de uma comunidade avieira que todos os dias me matava a fome”, confessa a O MIRANTE. Depois acrescenta: “Ainda hoje faço questão de passar na Rua do Calcanhar e cumprimentar os que ainda lá estão e me deram de comer”.
Nascido na borda d’água, numa pequena barraca junto ao rio Almonda, é filho de mãe solteira. O pai, sabe quem é, mas nunca o conheceu como tal. Tem mais dois irmãos que, tal como ele, tiveram que ajudar a pôr o pão na mesa. Mas também sempre tiveram tempo e energia para a brincadeira depois do trabalho. Eram, claro, “brincadeiras sem brinquedos”, ou com os que conseguiam com as mãos construir. Companhia, essa é que nunca faltava, na “zona da Azinhaga que mais crianças tinha”.
Antes de fazer 15 anos, na sequência de uma zanga com o patrão na Quinta da Broa, atirou-se aos tijolos e baldes de massa. “Num domingo cheguei à Azinhaga, pedi trabalho a um homem que tinha uma empresa de construção civil e na segunda-feira comecei”. Trabalhou lá 13 anos.
Não é para se gabar, mas acha que “tinha jeito para tudo” porque quando se “tem vontade e se quer atingir um patamar” não há trabalho que meta medo. “O meu sonho era ter uma família, mas antes queria ter uma casa. Jurei a mim mesmo que ia conseguir”. Casou com Judite Guia e cumpriu a promessa: Comprou dois lotes de terreno e começou a construir a casa onde ainda vivem. “Demorei sete anos, mas está de pé”.
Tudo o que tem hoje é fruto do trabalho. E o pouco que teve na infância foi fruto da solidariedade dos vizinhos. “Dantes éramos todos mais preocupados com o outro. Hoje vivemos numa sociedade egoísta”, observa, partilhando que como forma de retribuir o que fizeram por ele contribui para o Banco Alimentar Contra a Fome.

A paixão por recuperar casas
Vítor Guia reformou-se há 12 anos, depois de ter tido um grave problema de saúde nos rins, mas diz que ainda é “novo para estar quieto” e, por isso, continua a ajudar a esposa na gestão da empresa de construção civil, fundada em 1998, na Azinhaga. “Ainda vou todos os dias às obras, fazer as marcações, esclarecer dúvidas e ajudar no que puder”, afirma, sublinhando que é “patrão, mas sem essa mania”: “Sempre meti a mão na massa e os oito funcionários sempre foram meus colegas de trabalho”. Orgulha-se de poder dizer que nunca se atrasou com um pagamento. Prefere as obras privadas às públicas porque nestas últimas nunca se sabe se ou quando se vai receber.
Apaixonado pelo restauro de habitações, mais do que as construir de raiz, dói-lhe sempre que passa por antigos palacetes a cair de velhos. “Não se percebe como os centros históricos estão a cair aos bocados e as cidades crescem para a periferia. As autarquias estão a criar loteamentos fora das zonas urbanas quando deviam incentivar ao restauro das zonas históricas”. Como? “Há tantas maneiras de o fazer. Através de incentivos e isenções. Quando fui vice-presidente da Golegã, em 1998, a vila estava a cair de velha, mas conseguimos incutir nas pessoas que era importante recuperar o centro antes de expandir para a periferia”, conta.

“Um bom político
não se mede pelas páginas dos livros que leu”
Vítor Guia tem pavor de ditaduras. Entrou na política a seguir ao 25 de Abril depois de o PCP defender a unidade sindical. Fez-se militante do Partido Socialista e foi um dos fundadores e impulsionadores da Juventude Socialista na Azinhaga e no distrito de Santarém. Em 1992 destronou o PCP e venceu para o PS as eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Azinhaga e as eleições seguintes com uma maioria ainda maior. Foi sete anos vice-presidente na Câmara da Golegã. Pelo meio desentendeu-se com o presidente do município e sobre isso diz: “Perdoei, mas não esqueci”.
O maior desafio do seu percurso político foi, sem sombra de dúvida, quando concorreu pela primeira vez à freguesia da Azinhaga encabeçando uma lista independente. Depois dessa, concorreu mais duas vezes e ganhou sempre com maioria absoluta. “Estas vitórias significaram muito. Demonstraram que pessoas não estavam amarradas aos partidos”, afirma.
Orgulha-se de ter devolvido José Saramago à terra que o viu nascer. “Não imagina o que é ver os 1.800 habitantes da Azinhaga num pavilhão para assistir ao lançamento do livro As Pequenas Memórias”. Além deste feito, Vítor Guia conseguiu instalar na aldeia um pólo da Fundação José Saramago e até ter uma estátua - do autor - inaugurada em vida e paga pelo grupo “Mais Saramago”.
Não é um político de gravata - “só a punha quando tinha que ser” - e não suporta falsidade e hipocrisia. Costuma dizer que na política diz que perdeu mais do que ganhou. “Financeiramente, porque, por outro lado, ganhei muitos conhecimentos e o reconhecimento das pessoas. E para mim essa é a riqueza que importa. Se me perguntar se estou arrependido? Rigorosamente nada!”.
Vítor Guia só estudou até à quarta classe mas assegura que “um bom político não se mede pelas páginas dos livros que leu”. A escola da vida, como lhe chama, ensinou-lhe o mais importante para se estar num cargo político de proximidade: “educação para que soubesse sempre respeitar o próximo e não me achar mais que ninguém”. Continua, até às próximas eleições autárquicas, a ser o presidente da Assembleia Municipal da Golegã, depois vai meter a reforma da vida política. Em cargos, porque vai ser “sempre a voz do povo da Azinhaga” e usá-la “quando precisarem dela, mesmo estando já reformado da política”.

“Vou ser sempre a voz do povo de Azinhaga”

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