Edição 1500 | 23-07-2021 10:52

Os políticos têm um tique que é julgarem-se donos da razão

Os políticos têm um tique que é julgarem-se donos da razão
Vasco Cunha

Vasco Cunha foi deputado durante 13 anos e ainda é um rosto do PSD distrital.

Vasco Cunha é a cara mais conhecida do PSD no distrito de Santarém nos últimos 20 anos. A par de Miguel Relvas, mas sem o protagonismo e a importância dos cargos deste último, Vasco Cunha fez tudo no partido, inclusive o papel de mau da fita; foi duas vezes o rosto do PSD na candidatura à Câmara do Cartaxo tendo perdido sempre para o PS; mas nunca renunciou ao seu cargo de vereador da oposição.
Miguel Relvas, que era naturalmente o líder do partido no distrito, chegou a confessar a amigos mais próximos que convidou Vasco Cunha para secretário de Estado mas que ele não mostrou interesse. Esta confissão de Miguel Relvas espelha bem o espírito “operário” de Vasco Cunha .
Vasco Cunha foi ainda um dos deputados da região que permaneceu mais tempo na Assembleia da República, cerca de 13 anos, e o que ficou mais conhecido junto de alguns autarcas que, independentemente do partido, quiseram chegar aos ministros dos vários governos e, muitas vezes, apenas aos burocratas que governam nos gabinetes dos ministérios.
Quando deixou a política a tempo inteiro, há cerca de quatro anos, voltou ao trabalho num banco privado onde é funcionário. No regresso ao trabalho disse que, para ele, a vida política tinha chegado ao fim, era uma página virada.
Ao contrário de muitos dirigentes que trabalharam e fizeram política ao mais alto nível, Vasco Cunha não quis nem perseguiu lugares na administração do Estado, nem ficou à espera que lhe oferecessem poleiro, como é hábito, e pode ser comprovado junto de muitos ex-deputados e ex-autarcas, por exemplo, que saltaram para lugares ainda mais bem remunerados em empresas do Estado, municipais ou intermunicipais.
Ainda sobre lideranças, e o facto de depois de Relvas e Lacão não terem aparecido novos líderes na região, Vasco Cunha é daqueles que afirma que o problema é das bases. Confessa que trabalhou muitos anos em favor da liderança de Miguel Relvas, sempre colado aos interesses do líder regional, condição que diz imprescindível para que o poder funcione de forma organizada. Sobre o momento actual, nomeadamente sobre o seu partido, diz que a liderança jamais poderá ser forte como noutros tempos porque o partido actualmente não está representado em concelhos como Chamusca, Salvaterra de Magos, Almeirim, Constância, Alcanena e Alpiarça. “Dantes tinhamos gente em todos os concelhos e pessoas de valor com importância no meio local”, refere.
Vasco Cunha afirma ainda que para formar um líder são precisos muitos anos, e uma equipa que trabalhe para ele, o que atualmente será muito difícil tendo em conta a falta de militantes de base do PSD na região. O PSD do seu tempo constituía a sua base de militantes com pessoas que dirigiam instituições de apoio a idosos, colectividades desportivas e culturais, gente empenhada na prática da cidadania, que é o melhor que se pode pedir a quem milita num partido. Vasco Cunha diz que o PSD de hoje está desertificado, que a mediocridade que existe ao nível da direcção do PSD tende a agravar-se, principalmente porque quem governa não quer ser questionado, e muito menos quer debate e reflexão, porque isso obriga a prestar contas e ninguém quer enfrentar esses desafios.
Do tempo em que foi deputado, um dos trabalhos que mais lhe agradou foi ter mobilizado todos os colegas do distrito para que o ministro Moreira da Silva financiasse as obras no rio Alviela aproveitando verbas que o Estado queria gastar na recuperação de arribas no litoral do país. Quando iniciou o seu trabalho de deputado ajudou as vítimas da explosão na Escola Secundária do Cartaxo (uma tragédia que aconteceu em 1985) a negociarem com o Estado as indemnizações que estavam emperradas e algumas injustamente desvalorizadas. Quando falou do assunto não deixou de recordar que na altura Ana Benavente era secretária de Estado de Marçal Grilo e não teve agilidade politica para resolver o problema que era uma verdadeira dor de cabeça para todos. Vasco Cunha atribuiu ainda o mérito ao ministro David Justino.
Ainda sobre lideranças e o papel dos deputados dos diversos partidos, que pertencem ao arco do poder, Vasco Cunha considera que há um tique na classe política que sempre conheceu e que é cada vez mais evidente: “cada um acha que tem a melhor solução para um mesmo problema: é uma espécie de luta de galos quando o que está em causa muitas vezes são questões sociais, questões de justiça sócio-económica que, muitas vezes, são assuntos resolvidos há décadas em países considerados menos evoluídos que Portugal”.
Vasco Cunha está fora da vida política activa mas tem boa memória de um congresso distrital do PSD, realizado em 2011, que marcou a vida do partido e a sua importância regional. Diz que nessa altura a região tinha um documento exaustivo que fazia o levantamento de todos os problemas e soluções para a região. “Era a bíblia política para o território, coisa que nunca mais ninguém se deu ao trabalho de fazer”.
Vasco Cunha é do tempo em que os candidatos a deputados eram escolhidos em função do PIDAC (Programa de Investimentos e Despesas da Administração Central) e antes de sair das listas do PSD desabafou o facto de ter iniciado a sua vida de deputado já com o país de tanga, expressão roubada a Durão Barroso que, na altura, era primeiro-ministro e, entretanto, fugiu para o estrangeiro para trabalhar num alto cargo abandonando o lugar de primeiro-ministro de Portugal.
Vasco Cunha sempre concordou com a descentralização e é contra a regionalização. Afirma que Jorge Coelho e Fernando Nogueira são dois bons exemplos de dirigentes políticos que souberam influenciar os seus líderes em favor da região que representavam. Na sua opinião, na região ribatejana só Miguel Relvas cumpriu bem esse papel de influenciar o líder Passos Coelho, para o que contou com a grande ajuda de Mira Amaral, que Vasco Cunha considera o ministro e o técnico que mais deu à região ribatejana enquanto foi membro de vários Governos e, depois disso, enquanto teve responsabilidade em várias instituições.

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