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Camões tem uma casa assombrada em Constância
José Luz é presidente do conselho fiscal da Associação Casa-Memória de Camões, em Constância

Camões tem uma casa assombrada em Constância

José Luz é ex-jornalista e director de jornal, ex-candidato à Câmara de Constância, polemista conhecido na região do Médio Tejo onde ainda hoje intervém com regularidade.

A sua condição de presidente do conselho fiscal da Associação Casa-Memória de Camões é a garantia de que Manuela de Azevedo, a grande obreira da Casa, não vai acabar como a “bruxa má” que levou para a antiga Punhete a maldição de pôr aquela gente a trabalhar em associação. Esta entrevista com José Luz, para ser compreendida também nas entrelinhas, exige que saibamos que Camões tem sido muito mal tratado na sua própria casa, ou, como já dizem na terra, na casa assombrada que lhe ergueram mas que está vazia, e foi até há pouco tempo um depósito de uma biblioteca camoniana de cinco mil livros que entretanto se estragaram com a chuva. Esta entrevista contém declarações que são um ataque frontal aos políticos da terra mas tem em fundo a defesa de uma Casa que pretende homenagear a figura que dá nome ao Dia de Portugal e o poeta que mudou para sempre a língua portuguesa tal como a conhecemos nos dias de hoje.

O director da Casa de Camões, em Constância, não gostou do que escrevemos recentemente em O MIRANTE sobre a guerra instalada na associação e o desaparecimento de uma biblioteca camoniana de cinco mil livros que se estragaram com a chuva...

O texto que ele pediu para publicarem no jornal tem uma carrada de mentiras. E uma coisa que é muito grave, que é atirar para cima de Manuela de Azevedo o ónus da negligência. Isso é inconcebível. Quando ele diz que não foi esta direcção, nem a última, andou a seleccionar as direcções para não ser abrangido por nada. E mais: o Matias Coelho está lá desde 2016. Quando assumimos a presidência de uma associação assumimos tudo, não podemos colocar as culpas nos anteriores. Julgo que em 2006 Manuela de Azevedo já era sócia honorária. Portanto, quando Matias Coelho assume a direcção, em 2016, há a transmissão de responsabilidades. Não pode dizer agora que não sabia. Alguma vez perguntou pelo património quando assumiu funções? Se não perguntou, o que é que ele sabe do que está a fazer?

Tem alguma coisa contra António Matias Coelho?

Não, tínhamos e temos uma excelente relação. Quando trocamos opinião é sempre com factos. O Matias Coelho está num contexto muito difícil, porque é consultor cultural do presidente da Câmara de Constância. Não sei se é pago por isso, mas é possível que sim. O vice-presidente da associação é o presidente da assembleia municipal, a tesoureira é a vereadora da câmara. Penso que ele, por estar ligado à câmara, não consegue dar um murro na mesa.

Ainda mais agora que foi transformada numa associação municipal?

Ainda não foi. Nem sei se vai ser. Não colocaram nada em acta sobre isso e essa foi uma das questões que levantei. Enviei a certidão permanente onde os estatutos que estão em vigor são os de 2015. Ou seja, eles disseram que temos de alterar isto depressa, que está tudo ilegal, mas quem está ilegal é a câmara não é a associação. A verdade é que passado um ano está tudo na mesma.

Esta última assembleia geral não ratificou os estatutos?

Não. Só alterou um artigo. Coisa insignificante.

A câmara estava a apoiar a associação de forma ilegal?

Acho que não é assim. O problema é que em Setembro de 2020 a câmara pagou quotas em atraso de mais de 10 anos. Ou seja, a câmara nunca foi sócia. O Fernando Morgado, presidente da câmara em 1979, assistiu à constituição da associação e isso ficou escrito. Mas isso é diferente de ser o município a deliberar integrar a associação. E cometeram um erro porque até se enganaram no nome da associação que foi para a acta. Agora que levantei a questão da legitimidade em tribunal, pagaram as quotas. E isso não foi feito de boa-fé. E quem assinou o recibo foi o Matias Coelho e a vereadora Manuela Arsénio, que era vice-presidente da câmara quando não pagavam as quotas.

A direcção diz que não consegue aguentar a associação sem a entregar à câmara porque não tem dinheiro para pagar à funcionária?

Mas isso pode ser desmontado apresentando as contas e os orçamentos. A câmara transferiu menos dinheiro em 2020 do que em 2019. Neste momento os sócios fugiram todos. Quem vai às assembleias são só os da câmara. É o presidente da câmara, o director da biblioteca, a vereadora Manuela Arsénio, o presidente da assembleia municipal, a Júlia Amorim, o Máximo Ferreira mais a esposa e o engenheiro Heitor que é o chefe dos serviços e a esposa. Ou seja: ninguém se quer envolver quando há tanto autarca. Quem é o cidadão que vai lá contrariar o presidente de câmara? Este é o problema da associação. É ter um número reduzido de pessoas que manipulam e afastam os outros.

É por isso que continua a intervir publicamente e a partir a loiça?

Sempre o fiz. E não sou eu. O conselho fiscal é unânime. Somos três. Fizemos um protocolo com a câmara, da rede das bibliotecas, em 2011, que foi renovado em 2019, e temos um membro do conselho fiscal, o Rui Duarte, que é o director do arquivo da câmara. Este senhor estava a fazer a catalogação dos livros da associação. Não percebo porque é que deixaram de o chamar. Ele é especialista, tem mestrado em arquivismo. Quando Matias Coelho vem dizer que não fazem a catalogação porque não há dinheiro para pagar a especialistas, dá-me vontade de rir. Eu próprio me ofereci muitas vezes para o fazer. Em 2016 há um ofício de Matias Coelho à câmara sobre os livros. Levantei a questão da biblioteca Victor Fontes em assembleia desse ano porque a funcionária disse-me, quando lhe perguntei pela tal biblioteca, que aquilo estava tudo estragado na casa ao lado da Casa-Memória. A Ana Maria Dias, que era vice-presidente do Matias Coelho, respondeu que de facto os livros estavam ali. Aquilo não é uma casa devoluta como Matias Coelho diz, era a sala de apoio ao auditório. Ana Maria Dias confirmou que de facto chovia lá dentro, que muitos livros se estragaram, que ainda tentaram recuperar mas não conseguiram. E eu alertei que se deveria inventariar tudo. O que quero provar é que ele sabia do problema. É uma vergonha que em 2021 tenham enviado o inventário e só constem postais, sacos de plástico e cerca de 300 livros. Isto não é aceitável. O inventário não inclui as doações nem o espólio.

Ninguém assume as responsabilidades pela destruição e má guarda do património?

Na questão dos inventários há um problema muito grave. Se não há inventários como é que há autos de abate? Não sabemos o valor real dos livros. Se não há inventário não é possível fazer estimativas de quem indemniza a associação por ter sido irresponsável. Quem vai indemnizar a associação dos livros que se estragaram que foram doados por Victor Fontes? Quando as pessoas tomam posse têm de se responsabilizar por tudo e saber onde anda o espólio. Não é dizerem que não sabiam depois de deixarem passar os anos para não serem responsabilizados.

E como se calcula o valor da indemnização se não se sabe o valor dos livros?

Tenho uma cópia da listagem. A Manuela de Azevedo editou a listagem da biblioteca camoniana de Victor Fontes. Há um hiato entre a morte do Victor Fontes e a doação à associação, o que leva a crer que terá sido deixada em testamento.

Não se sente responsável pela incúria por ser parte da direcção?

Não sou da direcção, sou do conselho fiscal e falei sempre disto nas assembleias, está registado nas actas. Aliás, eles não só não mandam para o Conselho de Ministros as contas, os estatutos, os orçamentos e os pareceres, como não vão à conservatória registar os corpos sociais; foram agora registá-los a correr. Parece que funciona tudo por empurrão.

Sente-se com autoridade para puxar as orelhas à direcção como tem vindo a fazer nas redes sociais?

Não só eu como todo o conselho fiscal, tal como se prova nas actas. Exigimos que o espólio seja do conhecimento de todos. Todos os anos falo disto. E não são só os livros. Onde estão as estatuetas milenares? A associação tem uma colecção de tânagras. Sei disso porque toda a vida entrevistei a Manuela de Azevedo. Também não fala do espólio cinematográfico de Mário Mendes Lopes, que foi presidente da câmara e doou à associação, onde a câmara, na altura do Máximo Ferreira, foi buscar um dos filmes que anda aí na internet, por sugestão minha. E há mais. As pessoas afastaram-se da associação ao longo dos anos. O engenheiro Manuel Faria (a mulher é neta de Craveiro Lopes) propôs anos a fio que a Casa de Camões abrisse ao público. Propôs algo que nunca foi aceite, que era criar-se um quarto para Camões, como há para Shakespeare, em Inglaterra, por exemplo. O que estava em causa não era o quarto mas sim o conceito.

“As pessoas ligadas à câmara deveriam afastar-se da direcção da associação”

Há pouco disse que é amigo de António Matias Coelho....

Não somos amigos. Mas sempre tivemos uma relação de respeito. Só rompeu quando despoletou a questão dos estatutos. Na verdade, acho que Matias Coelho está a ser vítima de uma estratégia do presidente da câmara. Sérgio Oliveira, em Julho de 2019, fez uma queixa na Inspecção Geral das Finanças (IGF). E isso só se soube mais tarde. Nesses ofícios ele remetia contratos-programa da associação de Camões desde 2017. Imagine a maldade desta gente. O que ele tentou fazer foi entalar o executivo da CDU e por arrasto a direcção da associação.

Matias Coelho está preso como avençado da câmara a uma relação de subserviência para com o executivo?

Penso que ele foi entalado, entre a espada e a parede, e resolveu colocar-se do lado deles. Eles abusam porque como sabem que sempre esteve ligado à câmara, muito dificilmente iria ter posição contrária. Há um abuso de confiança, sem dúvida. As pessoas ligadas à câmara deveriam afastar-se da direcção da associação. Mais ainda os que são candidatos nas eleições aos órgãos da câmara. Deveriam afastar-se e deixar que a associação escolhesse uma nova direcção que não fosse política.

Mas eles foram para lá para a tornar legal...

Não é verdade. A Manuela Arsénio (vereadora e actual candidata da CDU) já lá está desde 2016. Ninguém ia estranhar se eles saíssem. Seria natural. Ainda há dias coloquei o meu lugar no conselho fiscal à disposição. Disse à Teresa Flor e ao Rui Duarte, mas eles acharam que eu não deveria sair.

Constância chamou a si a memória de Camões, graças a Manuela de Azevedo, mas a verdade é que as gentes com responsabilidade na terra parecem não ter estatuto para tamanha responsabilidade...

Neste caso tem a ver com o modelo político de gestão. Este presidente está fechado no gabinete, tem montes de delegações de competências e decide tudo sozinho. O António Mendes não. Punha tudo cá para fora. E isso via-se até nas notícias. Na altura do António Mendes iam os jornais todos. Agora com este não. Há um protocolo com um jornal, em que eles vão lá, ele fala e eles escrevem. Isso não é jornalismo.

Voltando à questão dos cinco mil livros e da biblioteca camoniana do Víctor Fontes; O Matias Coelho só agora informou os sócios que colaboram com a associação da existência dessa biblioteca...

E agora ainda vêm dizer que a Manuela de Azevedo é que foi responsável pela incúria na defesa desse património. Numa assembleia, em 2016, a mulher do Máximo Ferreira, que era vice-presidente do Matias Coelho, disse que alguns livros se tinham estragado e que estavam a tentar recuperar aqueles de maior valor. Na assembleia seguinte, o Matias Coelho disse que já tinha oficiado a câmara sobre as condições da casa onde estava o espólio. Como é que agora se armam em vítimas e tentam passar a ideia de que não são deste mundo e que nada disto se passou?

Manuela de Azevedo deve estar na campa a mexer-se com toda esta embrulhada e a forma como se andam a aproveitar do seu nome...

Manuela de Azevedo nunca aceitou que a afastassem. Chegou a fazer declarações em que considerou que tomaram a associação de assalto. A Ana Maria Dias ficou furiosa mas Manuela de Azevedo disse isto, com todas as palavras.

É certo e sabido que já não o vão querer nos próximos órgãos sociais da associação?

O nosso mandato vai acabar e eu não estou disponível para continuar com este ambiente. Ninguém tem prazer em trabalhar assim.

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