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As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (II)
José Eduardo Carvalho

As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (II)

Analisando os resultados dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Tóquio é indiscutível que a performance desportiva foi brilhante e que houve uma notória evolução no desporto em Portugal. A questão é que outros países melhoraram mais que nós, mantendo-se ou agravando-se, por isso, a distância que nos separava deles.

É na relação entre a escola/educação e o desporto que reside a base das nossas insuficiências e a causa dos sofríveis resultados internacionais. Gostaria, contudo, de ressalvar a exceção do futebol, no qual somos a 5/6 potência mundial. Talvez um dia aborde as razões deste facto.

Os pais não gostam e desvalorizam o desporto, e não o consideram prioritário na educação dos filhos; e o Ministério da Educação, além de não contrariar essa lacuna social, ainda a agrava. O ministério acabou com a prática desportiva obrigatória no 1º ciclo. Retirou horas letivas à disciplina de educação física. Despreza o desporto escolar. Existem relatórios e denúncias em que os alunos envolvidos em provas ou treinos de desporto escolar não têm adiamento de testes. Por isso não é de admirar que só 20% dos estudantes se envolvam e pratiquem desporto escolar. É com esta política educacional que iremos ultrapassar o Uzbequistão (5) e o Azerbaijão (7) no tocante a medalhas olímpicas?

Na conciliação entre a prática desportiva federada e o percurso escolar que reside a principal causa do desperdício de talento de jovens portugueses. Não há qualquer incentivo e estímulo para a prática do desporto federado. E a situação ainda é mais calamitosa quando atletas a partir dos 14, 15 anos entram na alta competição. Só pais e encarregados de educação um pouco irresponsáveis, permitem os filhos enveredar pelo desporto de alta competição, enquanto persistirem as atuais condições.

Há jovens atletas a representar as seleções nacionais e não lhes é permitido fases alternativas de testes. Se porventura a semana de provas ou de estágio coincidir com os testes, os alunos/atletas são obrigados na semana seguinte a realizar os testes dessa semana e da anterior, fazendo dois testes por dia, num claro abuso e insensibilidade pedagógica.

Jovens atletas que têm treinos bi-diários, ou que iniciam treinos às 6 da manhã ou que terminam às 22h, não têm qualquer compensação de horas no acompanhamento pedagógico, na flexibilidade de marcação de testes, nos métodos avaliativos, no reconhecimento e notoriedade na comunidade educativa. As direções das escolas enaltecem, e bem, os melhores alunos em quadros de honra ou de excelência. Mas menosprezam e não dão notoriedade àqueles alunos que com muito sacrifício pessoal obtêm resultados desportivos excecionais, são campeões nacionais ou representam a seleção nacional.

É esta impossibilidade de conciliação entre a prática desportiva de alto rendimento e a carreira escolar que leva ao abandono da primeira. Decerto que não será com esta política educacional que algum dia sairemos da companhia da Venezuela (4 medalhas); da Arménia (4); da Mongólia (4) no ranking dos resultados olímpicos?

A falta de apoio financeiro aos escalões de formação, contribui também para reduzir a performance e o desempenho desportivo em modalidades que exigem deslocações ao estrangeiro em treinos, estágios ou competições. Além de ser mais penosa a conciliação com o percurso escolar, raros são os pais que conseguem suportar ou financiar esta atividade desportiva.

Temos atletas a representar seleções nacionais que dormem em aeroportos antes da participação em provas, e foi público o facto de haver seleções que chegaram a Tóquio sem tempo para se adaptarem à diferença horária, por falta de recursos financeiros.

Para culminar tudo isto, não me admirava nada que a quota de entrada no ensino universitário que está atribuída aos jovens de alto rendimento desportivo, fosse no futuro reduzida em detrimento do reforço de quotas relacionadas com alguns fatores civilizacionais que estão na moda.

Desde a data de publicação da lei base do sistema desportivo (1990), entretanto revogada em 2004 e 2007, que tem ocorrido uma prolifera legislação sobre apoios à alta competição; participação e preparação de atletas nas seleções nacionais; desenvolvimento do desporto de alto rendimento; flexibilidade na gestão dos currículos escolares de alunos/atletas; criação de escolas que conciliam atividade escolar e prática desportiva; garantir equidade, personalização e flexibilidade no acesso ao processo de aprendizagem dos alunos/atletas. O quadro legal está completo (8 diplomas em vigor) e deve comparar bem com os outros países. O problema do país não é falta de legislação mas sim a sua execução, conforme podemos testemunhar nos exemplos anteriormente referidos.

Reconheço que existiu um esforço nos últimos anos. Existem 19 UAARE’s (unidades de apoio ao alto rendimento na escola) em funcionamento e o ministério diz que se alocou mil professores ao desporto escolar, e que existem centros de formação desportiva a funcionar em 73 escolas do país, para dinamizar modalidades que exigem condições especiais (atletismo, natação, ténis, etc).

Se for assim, pode ser o começo da mudança necessária para nos afastarmos definitivamente dos resultados olímpicos do Qatar, das Ilhas Fiji e do Quirguistão.

Mas cada vez me convenço mais que nas condições em que vivemos só atletas superdotados e de talento excecional podem aspirar a ganhar medalhas olímpicas para Portugal. É por isso que Patrícia Mamona, Jorge Fonseca, Fernando Pimenta e Pedro Pichardo prestariam um grande serviço ao país se abordassem algumas destas situações, apresentando caminhos e alternativas para melhorar a nossa prestação competitiva.

José Eduardo Carvalho

Empresário, Presidente da AIP

Pai de duas filhas atletas federadas.

As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (II)

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