uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Regresso às aulas para os mais velhos era a vacina que faltava contra a solidão
Alunos da Universidade da Terceira Idade de Abrantes estavam sedentos para voltar às aulas. Alunas da Universidade Sénior do Concelho de Benavente experimentaram nova aula de dança na reabertura do ano lectivo

Regresso às aulas para os mais velhos era a vacina que faltava contra a solidão

Estudam para ganhar novas competências e combater a solidão. Ainda há algum receio, mas vence a vontade de voltar a conviver. O MIRANTE foi assistir ao regresso às aulas da Universidade Sénior do Concelho de Benavente, no pólo de Samora Correia, e da Universidade da Terceira Idade de Abrantes.

Em Abrantes os alunos sentam-se ordeiramente nas cadeiras para a primeira aula de História Local. Pousam os cadernos e canetas em cima das mesas enquanto aproveitam para pôr a conversa em dia depois de terem passado uma pandemia longe uns dos outros. Em Samora Correia sente-se o mesmo entusiasmo à medida que a sala vai ficando composta e o professor pede que se apresentem. Podíamos estar a falar de um regresso às aulas dos mais novos, mas neste caso o aluno mais novo tem 64 anos e o mais velho já passou dos 80.

Na Universidade da Terceira Idade de Abrantes (UTIA) a professora de História Local, Isilda Jana, distribui cartões pelos seis alunos presentes, onde é pedido que escrevam o nome, do que gostam ou não de fazer e o motivo que os levou a voltar à sala de aula. Aurora Romeiro, de 86 anos, termina primeiro que o marido, Fernando Romeiro, de 85, sentado o seu lado: “Gosto de bordar, não gosto da falta de sinceridade e inscrevi-me na UTIA porque queria aumentar conhecimentos”.

Os motivos que os levam a inscrever-se numa universidade sénior podem ser diferentes, mas no fundo todos vão “à procura de ter alguém com quem conviver e partilhar experiências”, diz a O MIRANTE a presidente e professora de tricô da UTIA, Ana Luísa Roxo, que trabalha como enfermeira.

A aluna Cremilde Abóbora corrobora: “Enquanto estou aqui não sinto a minha solidão. Se estiver em casa passo os dias a chorar”, conta. Aos 78 anos, e viúva do segundo casamento, a UTIA deu-lhe o horário e a vontade de sair de casa e viver mais. “Ainda hoje vinha a pensar quando vinha para cá: eu ainda sirvo para alguma coisa”.

Professores voluntários e alunos empenhados

Virgínia Pinto foi a primeira a chegar à Casa do Povo de Samora Correia para a aula de Biodanza, marcada para as 16h30. “Nunca soube dançar, mas venho ver se gosto”, atira enquanto acata a indicação do professor Paulo Geraldes para se descalçar. Na aula que vai durar hora e meia o que se pretende é usar o movimento, a música e a vivência de cada um para a “criação de bem-estar e auto-regulação”, ao mesmo tempo que se afasta o stress e a solidão, explica Paulo Geraldes, que este ano se voluntariou pela primeira vez para integrar o grupo de mais de cinquenta professores da Universidade Sénior do Concelho de Benavente (USCB).

E se para os pólos de Benavente, Santo Estêvão e Samora Correia da USCB não há grande dificuldade em encontrar professores voluntários, na UTIA o caso é mais bicudo. “As pessoas até dizem estar disponíveis, mas querem ser pagas, o que não nos é possível”, lamenta a presidente da direcção.

Nestas universidades, onde não importa o nível de escolaridade, o objectivo não é ter a melhor média ou ser-se o melhor da turma. Para os coordenadores do pólo de Samora Correia da USCB, Leonor Gonçalves e Domingos Pepino, o propósito consiste em aumentar a qualidade de vida dos mais velhos e promover um envelhecimento activo e saudável. Por isso, explicam, é que cada aluno escolhe as disciplinas ou actividades que quer frequentar, desde o Português, História, Filosofia, Informática, Ginástica, Pintura, Bordados, Teatro ou Inglês.

Para este ano lectivo, Lina Lázaro escolheu ter aulas de ginástica, cidadania e biodanza. Foi nesta última que nos falou sobre o que a levou à USCB: “Tenho muita vida, muita genica, sabe? Não gosto de me sentir sozinha e aqui encontrei a minha segunda família”, diz a O MIRANTE a mulher de 68 anos, viúva e com a filha a viver longe.

Tal como Lina, Otelinda Carreira passou a aula a sorrir. De olhos fechados, deixou-se levar pela música e dançou como achava que não seria capaz aos 68 anos. A experiência, diz, “foi óptima” para quem “não dançava há muitos anos” e a quem o convívio “fazia muita falta” depois de um longo período de confinamento.

Na USCB, fundada há 12 anos pela rede social do município de Benavente, o número de alunos, que costumava rondar os 400, desceu neste regresso pós-pandemia para quase metade. “Ainda há algum receio, mas sentimos que estão a voltar devagarinho porque começam a sentir-se seguros e com vontade de voltar ao convívio”, refere Leonor Gonçalves, que além de coordenar o pólo da cidade dá aulas de alfabetização aos que querem aprender a ler e escrever.

Por outro lado, na UTIA, onde o número de alunos ronda as três dezenas, há este ano lectivo onze novos alunos. “É o ano em que mais gente está a vir pela primeira vez”, vinca Ana Luísa Roxo, acrescentando que não duvida que este aumento se deve à solidão, nalguns casos devastadora, que os idosos sentiram enquanto tentavam escapar ao vírus da Covid-19.

‘Propinas’ simbólicas

Para frequentar estas universidades sénior o valor varia. Em Benavente os alunos pagam 10 euros anuais mais cinco euros ao ano por cada disciplina que queiram frequentar (alfabetização é gratuita). Em Abrantes são pedidos 12 euros mensais sem limite de disciplinas havendo possibilidade de isenção em caso de carência económica.

Regresso às aulas para os mais velhos era a vacina que faltava contra a solidão

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido