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André Castanheiro é a prova que a força de viver não conhece limites

A paralisia cerebral afecta dois em cada mil recém-nascidos. Há 17 anos André Castanheiro foi um desses bebés. A doença atrofiou-lhe os músculos e roubou-lhe os movimentos, mas não o impediu de fazer um percurso escolar e ser criança. A seu lado tem uma família que encarou o diagnóstico como um desafio que era preciso superar.

André Castanheiro nasceu às 40 semanas sem vida. Na avaliação médica que lhe foi feita nos primeiros minutos de nascimento não havia batimento cardíaco, respiração ou reflexos naturais. Foi reanimado cinco vezes e levado para uma incubadora, onde passou os primeiros 20 dias de vida. No pensamento da mãe, Marina Silva, que acabava de ter o primeiro filho, pairava a dúvida: “Porque é que era a única que não tinha o bebé ao lado”?

O impacto que teriam as paragens cardiorespiratórias e a bactéria hospitalar que apanhou André de surpresa era ainda uma incógnita. “Nem os médicos sabiam que consequências estavam por vir. Nos primeiros meses nenhum médico nos disse o que o nosso filho tinha”, recorda o pai, Domingos Castanheiro, explicando que o bebé apresentava rigidez muscular, falta de coordenação e não conseguia mamar. “Alimentá-lo era um desafio, ainda hoje é”, completa a mãe.

Só depois de André completar o primeiro ano de vida e ter passado oito meses a fazer fisioterapia, três vezes por semana, é que uma médica do Hospital Santa Maria, em Lisboa, deu nome à doença. “Vocês sabem que o vosso filho tem paralisia cerebral, certo? Não sabíamos. Foi nesse dia que sentimos o choque”, conta o pai, sentado num banco no Parque 25 de Abril, em Benavente, 17 anos após o nascimento de André e no mês em que se assinala a paralisia cerebral em Portugal.

Não desistir mesmo quando o apoio é inexistente

A doença que, segundo a Sociedade Portuguesa de Neurologia, afecta dois em cada mil recém-nascidos é uma lesão neurológica causada pela falta de oxigénio no cérebro que provoca perturbações de movimento para toda a vida. No caso de André a incapacidade traduz-se em 90 por cento. Não anda, não fala e conta com a ajuda de um aparelho electroestimulador que tem dentro do peito para conseguir controlar os movimentos involuntários do corpo. Para todas as outras tarefas e necessidades conta com a ajuda de uma família, da qual também fazem parte Rita e Afonso, que nunca o olhou como um “fardo pesado ou uma cruz que têm que carregar”, como já lhes disseram.

As tentativas para que André apresentasse melhorias ao nível motor e da comunicação são o reflexo do esforço de dois pais que sem apoios nunca baixaram os braços. Perderam a conta aos consultórios médicos onde entraram, às sessões de terapia, algumas alternativas, onde levavam o filho.

Quando as portas se fechavam tentavam abri-las: “Como não pertencia ao distrito [de Lisboa] o André não tinha direito a frequentar terapias no Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian, mas não desistimos e tivemos a sorte de encontrar uma médica que na pausa de almoço nos dava conselhos sobre coisas tão simples como alimentá-lo”, conta a mãe, que abdicou da sua vida profissional para cuidar de André sem ter direito a qualquer subsídio enquanto cuidadora. A família de cinco pessoas é sustentada com os rendimentos que Domingos Castanheiro aufere enquanto carpinteiro. André recebe cerca de 90 euros de Prestação Social para a Inclusão.

Direito à apendizagem e a ser criança

Apesar da paralisia cerebral André tem feito um percurso normal na escola. Frequenta o 11º ano na Escola Secundária de Benavente e Espanhol é a sua disciplina preferida. “Sempre sentimos que gostava de aprender e, embora alguns professores tenham dito que a escola não era lugar para ele, seguimos em frente”, diz a mãe.

Tiveram receio de o largar no infantário, mas o menino da cadeira de rodas que está sempre rodeado de amigos mostrou-lhes, no primeiro momento, que queria e era capaz. Os pais ficaram de “plantão o dia todo na escola”, mas André não os voltou a procurar. “Passou o dia a brincar e a observar as outras crianças”.

Quando falam da escola, no discurso destes pais está sempre presente um sentimento agridoce: “Sabemos que sempre tentaram fazer o máximo e hoje corre bem, mas nem sempre foi assim. O André já esteve na última fila da sala e já passou horas a olhar para uma parede no fundo de um corredor. Uma vez perguntei a uma funcionária por que é que não estava no recreio e disse-me que era porque não queria. Claro que ele queria”, conta Marina Silva, acrescentando em tom calmo que “a escola inicialmente não estava preparada para o André”.

Comunicar sem dizer uma palavra

A felicidade de André está nas pequenas coisas: um simples passeio pelas ruas de Benavente, uma ida ao cinema ou ao museu. Pratica boccia e gosta de passar tempo na piscina a flutuar no “nemo”, a bóia que lhe dá liberdade dentro de água onde a cadeira de rodas é posta de parte. O riso é fácil e o raciocínio perspicaz. Capta tudo o que passa à volta, sejam conversas, piadas ou informação; apenas não consegue verbalizar o que lhe vai no pensamento.

A comunicação do André é muito mais elaborada. Requer um programa específico, que funciona através do toque da cabeça num aparelho que selecciona a linha e depois as letras do abecedário. Com os pais e irmãos a comunicação também se faz através do olhar ou sons que já todos sabem identificar.

O que não se sabe ainda é como será o futuro do André. “Estamos a envelhecer e preocupa-nos não saber que possibilidades há. Gostávamos que ele pudesse vir a desempenhar uma função”, desabafa o pai. Mas para que isso seja possível sabem que há passos tecnológicos que têm que ser dados e adoptados pelas empresas. Se chegarão a tempo de dar uma oportunidade ao André, não sabem, mas a fé e esperança serão as últimas a morrer.

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