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“Língua Gestual Portuguesa devia fazer parte do plano curricular das escolas”
Tânia Pereira e Filipa Ribeiro são intérpretes e tradutoras de Língua Gestual Portuguesa na Escola Artur Gonçalves, em Torres Novas

“Língua Gestual Portuguesa devia fazer parte do plano curricular das escolas”

Os estabelecimentos de ensino em Portugal deviam estar mais bem preparados para receber alunos surdos. A opinião é de Tânia Pereira e Filipa Ribeiro, intérpretes e tradutoras de Língua Gestual Portuguesa na Escola Artur Gonçalves, em Torres Novas. A O MIRANTE afirmam que, mais do que o preconceito com a comunidade surda, existe um desconhecimento da realidade em que vivem.

Tânia Pereira e Filipa Ribeiro, 36 e 35 anos, respectivamente, são intérpretes e tradutoras de Língua Gestual Portuguesa (LGP). Trabalham no Agrupamento de Escolas Artur Gonçalves, em Torres Novas, o único estabelecimento de ensino da região que acompanha alunos surdos do pré-escolar até ao 12º ano. A sua função é traduzir as aulas de todas as disciplinas para que os alunos se sintam integrados e tenham as mesmas oportunidades das crianças e jovens ouvintes. Também é comum vê-las a interpretar e traduzir os discursos nas cerimónias públicas da Câmara Municipal de Torres Novas.

De acordo com a Direcção-Geral da Educação em Portugal existem 17 escolas referenciadas para este tipo de educação especial. Os estabelecimentos distinguem-se por serem espaços de ensino bilingue, nos quais os alunos surdos têm aulas em LGP, permitindo também que os alunos ouvintes possam aprender e estar em contacto com a realidade que vivem os seus colegas. Estima-se que existam cerca de 500 alunos com educação bilingue, ou seja, têm a Língua Gestual Portuguesa como primeira língua.

Tânia Pereira e Filipa Ribeiro admitem que, até tirarem o curso de LGP, na Universidade do Porto, nunca tinham tido ligação à actividade; escolheram-na porque queriam trabalhar na área do ensino e a vertente da LGP tem mais empregabilidade uma vez que o ensino está cada vez mais inclusivo, afirmam a O MIRANTE.

Ambas consideram que, mais do que o preconceito com a comunidade surda, existe um desconhecimento da realidade em que vivem e do que é preciso para aprender a comunicar com ela. “Como existe uma grande dificuldade em comunicar com os surdos as pessoas não sabem o que fazer e afastam-se”, explicam.

As intérpretes apontam como solução para o problema colocar nos planos curriculares das escolas públicas a Língua Gestual Portuguesa tendo em conta que é considerada língua oficial pela Constituição da República Portuguesa desde 1997. “Não é necessário o ensino aprofundado, mas pelo menos todos os jovens deviam aprender o mais básico de forma a atenuar as diferenças e as barreiras de comunicação”, salientam.

UMA PROFISSÃO EXIGENTE

Tânia Pereira diz que interpretar e traduzir para LGP não é tarefa fácil. O cansaço começa a acumular-se ao fim de 20 minutos e é natural que, depois de muitas horas a traduzir, apareçam as dores e as tendinites. Apesar de tudo, afirmam, interpretar é muito mais exigente do que traduzir porque há expressões que não têm tradução e por isso é necessário ser criativo e recorrer a sinónimos.

“Há discursos muito exaustivos que são difíceis de acompanhar, mas o pior de tudo é traduzir aulas de disciplinas como filosofia ou físico-química”, garante Tânia Pereira. Para evitar o cansaço psicológico ao final do dia costumam ir ao ginásio ou passear ao ar livre, embora reconheçam que existem alturas em que não conseguem mudar o ‘chip’. “É muito frequente responder ao meu namorado em língua gestual portuguesa, por exemplo”, conta Tânia Pereira.

As intérpretes acreditam que a sociedade vai evoluir e que as pessoas com necessidades especiais vão ter cada vez mais oportunidades para se evidenciarem. No entanto, alertam, ainda existem muitas situações em que as pessoas que sofrem de surdez passam por dificuldades.

Referem que a ida de um surdo às urgências de um hospital ou a um serviço público é um tormento porque as pessoas não compreendem a mensagem que estão a tentar passar. A única solução nestes casos é andarem acompanhados, o que pode tornar-se muito dispendioso. “Há países, como a Alemanha, que têm bolsas de horas para a comunidade surda contratar um intérprete quando necessário. Em Portugal esse apoio não existe, recaindo todas as despesas em quem contrata um serviço que é essencial para que os surdos consigam comunicar com o mundo”, lamentam.

Coronavírus em língua gestual

Há palavras pouco utilizadas no dia-a-dia que não têm tradução oficial para língua gestual. A pandemia trouxe uma nova palavra, coronavírus, que foi um desafio para as intérpretes arranjarem forma de a traduzir. Tânia e Filipa explicam que traduzem a palavra colocando uma mão aberta em cima de outra fechada, procurando representar uma bola com espinhos, que tem forma idêntica à do vírus. Explicam ainda que, para além dos nomes comuns, a comunidade surda identifica-se pelos nomes gestuais, associados a características visíveis da pessoa.

Tânia conta que o seu nome gestual é passar com o dedo indicador e o polegar na sobrancelha, porque tem as sobrancelhas bastante definidas. Filipa explica que o dela é o gesto para a palavra cor-de-rosa porque durante a faculdade usava sempre uma peça de roupa ou um acessório dessa cor.

Tipos de surdez

Os tipos de surdez reconhecidos oficialmente são a surdez de transmissão que está relacionada com qualquer alteração na transmissão do som até ao órgão receptor, a surdez sensorioneural, associada a um evento que acontece ao nível do órgão receptor ou do nervo que transmite o som até ao tronco cerebral e a surdez mista, uma combinação dos dois tipos anteriores.

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