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Família e amigos são fundamentais na luta contra a violência doméstica
Vítimas de violência doméstica e profissionais que lidam com o fenómeno juntaram-se na Póvoa de Santa Iria para falar à comunidade sobre o tema

Família e amigos são fundamentais na luta contra a violência doméstica

Maioria das vítimas acredita que ser agredida é normal e que a culpa é sua. Psicólogos e juristas alertam para os riscos de um novo comportamento - a violência económica - que priva as vítimas de autonomia e as agarra aos agressores.

A maior parte das vítimas de violência doméstica está em relações tóxicas dominadas pela dependência emocional e financeira e nestas situações os amigos e familiares são uma peça fundamental para ajudar.

O alerta é deixado por psicólogos, juristas, polícias e por vítimas que se juntaram na Póvoa de Santa Iria, na tarde de 29 de Novembro, para discutir a temática da violência doméstica no âmbito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Os amigos das vítimas são, por norma, quem melhor conhece a realidade que se vive entre portas e são eles que devem, segundo os especialistas, dar o alerta. Mesmo quando as vítimas recusam.

“Muitas vezes estão numa posição em que pensam que serem agredidas é normal e que de certa forma merecem o que lhes está a acontecer. São vivências muito dolorosas e a maioria só fala delas com o seu círculo mais próximo de confiança”, explica Catarina Freitas, psicóloga ao serviço do Centro de Apoio à Vítima (CAV) criado pelo município de Vila Franca de Xira no ano passado.

Até agora, o CAV acompanhou 81 pessoas vítimas de violência doméstica, a maioria mulheres. Dessas 81 pessoas 36 passaram a ter acompanhamento psicológico e jurídico. “Os amigos e a família são fundamentais para dar suporte. Muitas das vítimas que nos chegam estão emocionalmente quebradas, impedidas de aceder ao seu ordenado e que desconhecem por completo os seus direitos”, alerta Catarina Freitas.

Margarida Santos é uma das mulheres que foi vítima de abusos pelo companheiro. Também ela mergulhou nos pensamentos de que a culpa seria sua. Até ter sentido um momento “nunca mais” que a fez meter pés ao caminho e libertar-se das “trevas emocionais” em que vivia.

“É preciso conseguirmos ter robustez psicológica para avançar. O meu gatilho para avançar foram os meus filhos. Foram precisas três saídas de casa até a separação se concretizar. Cada pessoa tem o seu gatilho, o momento em que diz basta. Para uma amiga foi quando ela leu mensagens do agressor em que percebeu que tinha sexo com outras”, partilhou. Margarida Santos defendeu a necessidade de encarar a dependência emocional como uma doença que deve ser tratada quanto antes.

Também David Gonçalves e Ana Duarte partilharam como foi viver com a violência dentro de portas. David era pequeno quando os pais se agrediam. “A minha irmã mais velha chamava-me para o quarto quando isso acontecia e ficávamos os dois à espera que aquilo passasse”, recordou. Ana Duarte lembrou a angústia de não saber como se libertar da violência de que era alvo.

Catarina Freitas, psicóloga, lembra que muitas das pessoas que recorreram ao CAV estavam com fortes danos psicológicos fruto de anos de abusos e maus tratos. “Quando alguém está perante um trauma destes tem um medo intenso de morrer e uma forte sensação de impotência, falta de controlo e de energia para lidar com isto. Estão tão activadas pelo trauma que ou fogem, lutam ou congelam”, alerta a especialista.

Sistema de justiça sem capacidade de resposta

Raquel Caniço, advogada de Vila Franca de Xira cujo percurso profissional começou precisamente na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), alerta para fragilidades no sistema de justiça que nem sempre ajuda a dar a melhor resposta às vítimas. “Um terço dos processos que tratamos no Tribunal de Vila Franca de Xira diz respeito a violência doméstica. Isto não é uma brincadeira. Tem fortes repercussões na economia e no emprego do concelho”, alertou.

“Temos um procurador do Ministério Público, sozinho, a tratar destes casos e já dá sinais de cansaço. É preciso reforçar a equipa de procuradores, colocar mais gente nos gabinetes a ajudar a dar andamento processual”, apelou.

Sala de apoio na PSP da Póvoa

A esquadra da PSP da Póvoa de Santa Iria tem a funcionar desde Setembro uma nova estrutura dedicada exclusivamente a atender as vítimas de violência doméstica. Chama-se espaço “Eu Consigo” e é composto por duas salas independentes que dão privacidade à vítima e onde podem ser cozinhadas refeições ligeiras. O atendimento é feito por agentes com formação específica em violência doméstica e o serviço funciona 24 horas por dia durante todo o ano com cinco equipas de apoio à vítima. Desde que abriu portas o espaço já sinalizou 53 casos, realizou 18 aditamentos e tratou de 40 sinalizações da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco de Vila Franca de Xira. Onze casos foram encaminhados para o CAV.

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