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Idosos ocupam camas de cuidados continuados porque não têm para onde ir
Francisco Eustáquio é enfermeiro reformado e em 2020 assumiu o cargo de presidente da direcção da Liga dos Amigos do Hospital Distrital de Santarém

Idosos ocupam camas de cuidados continuados porque não têm para onde ir

Francisco Eustáquio é presidente da Liga dos Amigos dos Hospital Distrital de Santarém que gere a Unidade de Cuidados Continuados Dr. Alberto Martins. Alerta para o drama que se vive nessas unidades onde alguns utentes acabam por ficar a ocupar camas porque não têm apoio da família nem resposta em lar.

A Unidade de Cuidados Continuados (UCC) Residência Dr. Alberto Martins, em Santarém, tem capacidade para 17 internados e estão todas ocupadas, mas em cinco dessas camas estão pessoas que, simplesmente, não têm para onde ir. Uma dessas situações é de um idoso cuja família se recusa a ir buscá-lo. As unidades de cuidados continuados recuperam pessoas que devem ficar na instituição por um período máximo de 90 dias, como refere o presidente da direcção da Liga dos Amigos do Hospital Distrital de Santarém (LAHDS), que gere essa valência.

Francisco Eustáquio explica a O MIRANTE que existem pessoas que estão desde Maio deste ano à espera para entrarem na UCC que dirige. “Este país tem um problema gravíssimo de falta de camas, o que impede que quem precisa de cuidados continuados não os possa ter por não haver camas disponíveis. Isto acontece porque, no nosso caso, temos camas ocupadas com pessoas que deviam estar em lares mas não existe resposta para essas pessoas e não as podemos abandonar”, justifica o antigo enfermeiro do Hospital Distrital de Santarém (HDS), acrescentando que o problema poderia ser resolvido se houvesse mais apoios para lares de idosos.

Esse é um dos motivos pelos quais a Liga dos Amigos do HDS vai avançar, “em breve”, com a construção de um lar para a terceira idade num terreno contíguo à UCC, nas proximidades do Hospital Distrital de Santarém. O projecto vai ter comparticipação de fundos comunitários num apoio de 80% a fundo perdido. Falta apenas o aval das entidades competentes para se entrar em obra. A construção tem a duração prevista de cerca de oito meses. Vai ter capacidade para 22 utentes e criar 20 postos de trabalho.

O sonho de Francisco Eustáquio e da sua direcção é, posteriormente, construir um jardim-de-infância junto ao lar de idosos. “Gostávamos de poder juntar crianças e idosos. Está provado que tanto os mais novos como os mais velhos beneficiam muito mais se estiverem juntos. Os idosos sentem que ainda são válidos e rejuvenescem ao lado das crianças e estas sentem o que é ser idoso e o respeito que se deve ter pelos mais velhos”, explica.

O principal apoio financeiro da Liga vem da Segurança Social. Os últimos dois anos foram muito difíceis por causa da pandemia. A nível financeiro tiveram que gastar muito dinheiro em material de protecção e desinfecção e não receberam mais apoios financeiros devido à pandemia. “Se com as verbas anteriores a 2020 já era difícil, agora tem sido feita uma grande ginástica financeira para pagar os ordenados de 30 funcionários que trabalham por turnos”, sublinha o presidente.

As visitas aos utentes da UCC, inaugurada em 2007 e que é a sede da Liga, durante a pandemia, foram facilitadas pelas portas existentes em cada quarto que dão para o exterior. Foi assim que utentes e familiares mataram as saudades. Além do apoio da Segurança Social, a Liga tem cerca de 400 sócios que pagam uma quota anual de 12 euros. Francisco Eustáquio explica que muitos dos sócios pagam mais do que o valor da anuidade.

Liga quer voltar ao voluntariado no Hospital Distrital de Santarém

A Liga dos Amigos do Hospital Distrital de Santarém tem uma equipa de 24 voluntários que prestava assistência aos doentes internados no hospital. Com a pandemia veio a proibição de entrarem na unidade hospitalar. O voluntariado foi suspenso mas aguarda melhores dias para poder voltar. “Estamos aqui para ajudar as pessoas que precisam, praticar o bem e fazermos o melhor que sabemos”, realça Francisco Eustáquio.

Apesar das condicionantes continuam a colaborar com a unidade de Oncologia do HDS fornecendo águas aos doentes que estão nos tratamentos de quimioterapia e aos seus familiares. Antes da pandemia estavam presentes dando o seu apoio e uma palavra amiga, além de fornecerem refeições ou um café. “Muitos destes doentes são idosos e quem os acompanha, geralmente é o marido ou a esposa, tão idosos quanto o doente. Alguns vêm de longe e precisam de apoio”, diz.

Francisco Eustáquio recorda o marido que vinha com a esposa, doente oncológica, aos tratamentos de quimioterapia. A determinada altura uma das voluntárias apercebeu-se que o senhor não tinha dinheiro para comer apesar de este nunca se ter lamentado. Todos os dias lhe davam o almoço e um café de forma discreta. “Esse é o papel da Liga e é o que queremos voltar a fazer”, sublinha o presidente.

O diferendo com a administração do hospital, que rescindiu unilateralmente o contrato de exploração da cafetaria em 2020, mantém-se, tendo sido um enorme revés para a Liga, mas há conversações com a Câmara de Santarém para encontrar um espaço na cidade que sirva de cafetaria cujos lucros revertam para quem mais precisa.

O enfermeiro que é apaixonado por motas

Francisco Eustáquio, 65 anos, nasceu no Crato, distrito de Portalegre. Enfermeiro reformado, veio trabalhar para Santarém porque a primeira esposa era natural da Chamusca. Trabalhou 36 anos como enfermeiro no Hospital Distrital de Santarém. Antes disso foi enfermeiro na marinha mercante, onde viajou muito de barco, sobretudo pela costa africana. Garante que foram tempos tranquilos e uma parte boa da sua vida.

Depois de uma década nos cuidados directos de enfermagem fez uma especialidade na área da oncologia. “Trabalhava muito com doentes oncológicos e era tudo muito traumatizante. Achei que aquele tipo de doentes necessitava de mais apoio mas tornou-se emocionalmente muito violento. É muito difícil não criar laços com os doentes e levava-os no pensamento para casa e sabia que alguns iam morrer. Mais tarde a minha esposa teve um tumor maligno na base da coluna, tendo acabado por falecer, e criei uma certa animosidade à área da oncologia”, recorda.

Entretanto, seguiu para a área da gestão e esteve ligado à gestão e administração do hospital durante 15 anos. Terminou a sua carreira a chefiar os pisos de medicina do piso 9. Quando se reformou já estava na Liga dos Amigos do HDS. É presidente da direcção desde 2020 mas já fazia parte dos órgãos sociais anteriores. Gostava de passar a pasta mas é difícil encontrar pessoas para o associativismo. “São cargos complicados que requerem tempo e dedicação e as pessoas cada vez mais não têm tempo nem querem assumir responsabilidades. Além disso, esta é uma área muito difícil”, explica.

É apaixonado por motas desde criança. Ainda hoje gosta de ir de férias de mota e há três meses comprou uma nova máquina.

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