Um Historiador com alma de poeta

Joaquim Veríssimo Serrão era um dos melhores amigos de O MIRANTE. A primeira vez que subscreveu O MIRANTE pagou uma assinatura por dez anos. Devemos-lhe, a ele e ao seu grande amigo Carlos Cacho, palavras de incentivo nos anos em que mudamos a sede da redacção para Santarém porque, segundo eles, a cidade e a região mereciam um jornal moderno, com profissionais das novas gerações.
Não era fácil chegar a Joaquim Veríssimo Serrão. Mas depois de chegarmos à fala com ele só não ficava seu amigo quem não queria. Conhecemos muita gente que fazia alarde dessa proximidade com o mestre que tinha alma de poeta. Desde que fosse em nome de Santarém, ou do Ribatejo, estava sempre disposto a escrever um prefácio, uma carta de apresentação, um texto para um currículo, uma nota para uma tese de mestrado, uma crítica a um livro, enfim, era verdadeiramente um mestre, um sábio, como aqueles que de vez em quando aparecem nos romances. Só que ele era de carne e osso e também tinha os seus dias…como todos os santos. Os seus últimos anos de vida foram dolorosos. Muitos dos seus amigos deixaram de ir vê-lo à instituição onde viveu quase uma década para guardarem dele as recordações de outros tempos.
As manifestações de pesar do Presidente da República e de outras entidades, assim como a atenção que a sua morte mereceu nos principais órgãos de comunicação social, soube a pouco para a importância que Joaquim Veríssimo Serrão teve na sociedade portuguesa dos últimos setenta anos. As televisões, por exemplo, ignoraram as imagens de arquivo que costumam recuperar quando morre uma personalidade da vida política ou cultural portuguesa de grande relevo. Só o jornal Público lhe dedicou duas páginas, com chamada e foto de capa. Veríssimo Serrão foi um herói dos nossos tempos e não se pode afirmar que esteve do lado errado da revolução dos capitães de Abril. A sua contribuição com a publicação das “Cartas do Exílio” e “Correspondência com Marcelo Caetano” são um dos testemunhos importantes para se perceber a revolução dos cravos e a evolução do nosso sistema democrático que nasceu com a queda do antigo regime.
Santarém perdeu a sua maior figura intelectual dos últimos anos. Há um centro de investigação em Santarém com o seu nome, criado com uma boa parte do seu espólio, com muito trabalho pela frente para fazer jus ao admirável braço de trabalho do Historiador, que fez do conjunto da sua Obra uma memória preciosa para compreendermos, hoje e amanhã, que “passado, presente e futuro coexistem em simultâneo no universo”, e que “o tempo não avança, todo o tempo é sempre presente”.
Texto publicado em 10 de Agosto de 2020