Sociedade | 14-07-2010 12:54
Se fosse hoje voltaria a comer mioleira de vaca

Ex-ministro da Agricultura, engenheiro agrónomo e agricultor, dirigente associativo, Fernando Gomes da Silva não é homem de meias tintas nem de meias palavras. Põe nomes aos bois e as suas opiniões são tão desassombradas como fundamentadas. Viveu o auge da exposição mediática quando esteve no Governo e, em plena crise das vacas loucas, apareceu em público a comer mioleira de vaca. Pouco preocupado com o politicamente correcto, este homem com raízes em Vila Franca de Xira e no Cartaxo diz que se fosse hoje voltaria a fazer o mesmo. Uma grande entrevista que pode ler na íntegra na edição semanal em papel esta quinta-feira, 15 de Julho 2010.
Foi ministro durante mais de três anos (entre 1995 e 1998), no tempo do primeiro-ministro António Guterres, mas não aguentou até final do mandato. Porquê sair tão perto do fim?Por razões de saúde.O episódio da mioleira teve alguma influência nisso?Não teve nada a ver com isso. Aliás, se tivesse a ver tinha saído muito mais cedo. Foi por razões de saúde e por aconselhamento médico de que não deveria continuar a manter aquele stress, aquela pressão que efectivamente a vida de ministro tem. Goste-se ou não, é assim. E gostava da vida de ministro?Tem dias. Há momentos muito gratificantes em que se tem a noção de que se está a mexer nas coisas, que se tem a mão na massa e portanto pode-se orientar as coisas no sentido que se julga ser o melhor. E há outros momentos que são muito difíceis, frustrantes e muito cansativos. Porque se tem a sensação que se está a bater contra uma parede e que nada anda, nada se resolve. Para quem quer modificar as coisas no bom sentido esses momentos são menos gratificantes. É aliciante ter esse poder de decisão, mas ao mesmo tempo é frustrante não se conseguir atingir alguns dos objectivos.É. Aliás só se deve aceitar ser ministro, e eu fui convidado duas ou três vezes depois do 25 de Abril, tendo a convicção que não se vai viver no céu nem é uma reforma dourada. Ao longo de toda a minha vida profissional foram certamente os três anos mais trabalhosos, mais cansativos. O que o levou a aceitar esse convite de António Guterres, se anteriormente tinha rejeitado convites idênticos?O que me levou a aceitar foi a experiência que já tinha ganho relativamente ao sector agrícola. Foi estar convicto que havia coisas que valia a pena serem feitas. Foi ter vivido sempre ligado ao sector agrícola e ter ganho uma dose de experiência e de conhecimentos por todos os cargos por onde passei que me convenceram de que era o momento de os pôr ao serviço da agricultura portuguesa. E depois foi o momento galvanizador da entrada do engº. António Guterres no Governo. Os Estados Gerais do PS foram um momento alto de mobilização da sociedade portuguesa.Tem simpatia pelo PS?Sim, mas não sou filiado. Se o actual primeiro-ministro o convidasse para o Governo daria o seu contributo?Não. Neste momento é completamente impensável. Aliás há outra questão que é o problema da idade. Há um limite de resistência física, psicológica, de disponibilidade mental e de atitude das pessoas. Aos 72 anos era impensável arcar com as responsabilidades de conduzir um ministério, fosse ele qual fosse.O episódio da mioleira ainda hoje é lembrado. Contava com essa repercussão?Ainda hoje as pessoas se lembram disso. Contava com essa repercussão mas numa dimensão positiva que eu creio que não se deu na altura. Hoje já é recordado com graça. E o problema que se colocava na altura, que era o da doença das vacas loucas, desapareceu. Ninguém fala nisso hoje. Felizmente voltou-se a comer carne de bovino. Na altura o consumo dessa carne caiu 85 por cento. O que se consumia era porco e frango. Porque fez aquilo?A minha actuação na história da mioleira tinha a ver com uma coisa que não foi entendida na altura. Talvez me tenha explicado mal e as pessoas tenham captado mal. Tenho esse quadro muito presente e o que pretendia era dar uma orientação de confiança à população. Dizer que num país onde não existiam casos de vacas loucas a mioleira era perfeitamente possível de ser comida. Não havia risco para a população porque não existiam animais doentes. E aliás, no Luxemburgo, que foi onde isto se passou, creio que nunca chegaram a existir animais doentes. Depois a questão foi politizada, utilizada também como arma de arremesso político, mas isso faz parte do jogo.Voltaria a fazer o mesmo?Sim. Se calhar teria era mais cuidado em explicar melhor.Esse caso demonstra que não se preocupa muito com o chamado politicamente correcto.De facto não me preocupo muito. Aliás, não tenho uma carreira política. Costumo dizer que tenho uma carreira de cidadania. Sou um cidadão activo e presente na vida do meu país e com preocupações nesse domínio. E o desempenho da função de ministro foi um desempenho de um dever cívico. Tinha obrigação de prestar o meu contributo. Bem ou mal, não me compete a mim julgar. Nessa perspectiva, não me preocupa nada o politicamente correcto.Ser ministro foi a sua estreia absoluta na política?Sim. Não estava ali por ter chegado ao topo de uma carreira política. Evidentemente que estava a desempenhar um cargo político e isso sente-se. Senti o peso da representação e por várias vezes tive que intervir em representação do Governo do meu país. E isso tem peso institucional. Agora para agradar, para fazer carreira política, não! Nunca sentiu o apelo da política antes. Nunca teve convites para ser candidato a cargos políticos?Tive um primeiro convite, ainda não havia Ministério da Agricultura, para secretário de Estado da Agricultura imediatamente a seguir ao 25 de Abril. Isso tinha uma explicação. Eu tinha antes do 25 de Abril intervenção que podemos chamar-lhe política. Era oposição aquela forma de governar. E exprimia isso publicamente. A Pide tinha a minha ficha. Quando fui mobilizado para o Ultramar o comandante do batalhão sabia que eu era um “perigosíssimo” fichado na Pide. E como tinha diversos trabalhos e estudos publicados sobre agricultura a seguir ao 25 de Abril pôs-se a questão. Disse que não, porque não me considerava preparado. Estava ainda a fazer caminho. Em 1976 aceitei dirigir o gabinete de planeamento do Ministério da Agricultura, com o ministro António Barreto. ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO SEMANAL EM PAPEL
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