Cadelinhas que são como filhas e o cão pastor que aprendeu sem ir à “Universidade”
O Dia Mundial do Cão celebrou-se a 26 de Agosto. Desta vez optamos por falar com quem tem cães de companhia e cães de trabalho. Visitamos ainda uma “Universidade” canina onde as classificações de cães e donos são elevadas.
Pirata tem seis meses, é resultado do cruzamento entre um cão Border Collie e uma cadela Serra de Aires. Metade da sua curta vida foi passada a conduzir o rebanho de 250 cabras serpentinas. Mas não começou a trabalhar antes de ter força nas pernas. “Antes dos três meses estes animais não aguentam tantas horas e tantos quilómetros”, diz o pastor e dono do rebanho, Jorge Amaral.
Pirata andou algum tempo com companhia canina para aprender o ofício mas como ainda é jovem distraía-se facilmente. Por isso o dono começou a trazê-lo sozinho e a dar-lhe os primeiros ensinamentos. Sempre que faz um bom trabalho é recompensado com uma gulodice ou com uma simples festa no lombo. “É o suficiente para ele se sentir feliz”, afirma o pastor.
“Um bom cão pastor é as pernas do dono”, diz Jorge Amaral. “É ele que volta o gado, que o faz sair dos sítios onde não queremos que esteja e que o conduz do curral até à pastagem e, ao fim do dia, da pastagem de novo para o curral, circulando em volta do rebanho para evitar que alguma cabra se atrase ou se disperse”.
As ordens são dadas por assobio ou por pequenos trejeitos como dois passos mais apressados e um cajado em riste. E são acatadas de imediato. As orelhas de Pirata estão em alerta e captam todos os sinais. As suas patas estão sempre prontas para investir numa corrida desenfreada que o coloque em posição dominante em relação ao rebanho.
À noite o Pirata fica preso à corrente, perto do rebanho, e é ele que o protege dos bichos que por vezes tentam atacar, como as raposas ou os saca-rabos. “Mal pressente algum bicho ladra forte para o afugentar”, explica o dono.
Os cães pastores podem ter uma vida “profissional” de cerca de 8 a 9 anos. Quando ficam velhotes continuam a ter serventia. Guardam as crias desde que nascem até que são integradas no rebanho.
Encontrámos o rebanho de cabras nas terras férteis do campo ribatejano, onde o Alviela encontra o Tejo, entre Vale de Figueira e o Pombalinho. É por ali que todos os dias fazem cerca de seis a sete quilómetros, nas terras de pousio, onde, mediante autorização do proprietário, se pode pastorear a partir do primeiro dia de Agosto.
Uma questão de genes
Pirata tem os genes do pai, um Border Collie, considerado por muitos uma das raças mais inteligentes, com muita energia e necessidade de desafios físicos e mentais constantes. É um cão de trabalho que chega a intimidar cabras e ovelhas apenas com o olhar. Da mãe, uma Serra de Aires, raça oriunda do Alentejo (Serra de Aires de Monforte) e não, como muitos pensam, da Serra de Aire, no Ribatejo, herdou a capacidade de conduzir e pastorear.
Quando os cães vão com os donos à “Universidade”
Na Universidade Canina de Alpiarça nenhum aluno usa traje académico nem há queimas das fitas ou recepção aos caloiros com praxes. Victor Francisco, o Mestre, diz que tanto os donos como os animais aprendem bem mas sublinha que os sucessos obtidos são fruto de muito treino e dedicação.
Shappie, de três anos e arraçado de Leão da Rodézia, é o cão matulão que ainda hoje fica doido de cada vez que vê gatos. Pedro Noronha, 22 anos, de Alpiarça, adquiriu-o ainda cachorro depois de muitos anos a sonhar ter um cão como animal de estimação. Foi por Shappie ser de porte grande e muito teimoso, que o dono o matriculou na universidade canina quando ele tinha sete meses.
“A maioria dos donos ainda hoje erra ao não colocar os animais nestas escolas. Depois vemos os cães a serem mal-educados e a desrespeitarem as regras”, defende o jovem, que veste um impermeável ao seu cão quando chove e o deixa dormir algumas vezes no seu quarto.
E se Shappie foi parar à universidade por ser desobediente, também Nana, de três anos e rafeira, seguiu as suas pisadas depois de começar a não acatar as regras da sua dona. “A Nana é muito comunicativa e energética e, como queria criar laços com ela, coloquei-a na escola quando tinha um ano”, explica a dona, Rita Narciso, adiantando que também já tinha outro cão a frequentar o espaço.
Para a jovem de 35 anos não faz qualquer sentido tratarem-se os cães como se fossem pessoas. “Adoro a minha cadela, mas ela não é uma pessoa. É tratada com atenção e cuidado e é respeitada mas enquanto animal”, esclarece Rita que diz não compreender como existem donos que colocam os animais em carrinhos de bebé, por exemplo.
Victor Francisco é treinador da Universidade Canina de Alpiarça. Habituado a lidar com cães, Victor não tem dúvidas que um dos maiores erros dos donos é tratarem os animais como se fossem pessoas. “Um cão será sempre um cão e uma pessoa uma pessoa”, afirma.
Mas se colocar-se o cão à mesa ou levá-lo ao cabeleireiro é um exagero também o facto de os cachorros não socializarem é negativo para o animal. “Os donos não podem fechar os cães em casa e impedirem que lidem com outras pessoas e animais. Isso provoca-lhes insegurança e pode originar agressividade”, adianta o treinador que confessa que no seu trabalho é fácil lidar com os cães e com os donos.
A família Pereira e as cadelinhas Sissi e Lili que são tratadas como “filhas”
A família Pereira abriu as portas de sua casa, em Vila Franca de Xira, à reportagem de O MIRANTE e deu-nos a conhecer as cadelas Sissi e Lili que são tratadas… como filhas.
A Sissi, uma pinscher de dois anos, e a Lili, arraçada de Fox Terrier com oito anos, fazem parte da família e são tratadas como autênticas rainhas, com um toque de extravagância à mistura. Dormem na cama com os donos e vão de férias com eles.
Têm o seu armário com roupas de todas as cores e feitios, vêem televisão, têm largas dezenas de brinquedos e são alvo de uma higiene e de uma alimentação cuidada mas o mais importante de tudo é a super atenção que lhes é dedicada pelos donos.
Irrequieta, brincalhona e amigável, Sissi está sempre cheia de energia. Corre a casa de uma ponta à outra esbarrando nas dezenas de brinquedos que encontra pelo chão. “Brinca com todos”, assegura o dono.
Quando era ainda um cachorrinho tinha o hábito de roer móveis e cabos eléctricos, até que Gertrudes Pereira se lembrou de colocar piripiri em pontos estratégicos. “Nunca mais roeu nada”, explica.
Por seu turno, Lili é mais tímida, sossegada e não gosta de brincar. A sua predilecção é ver vídeos na televisão ou computador, “especialmente se forem touradas ou largadas de toiros”, conta Gertrudes enquanto Jaime Pereira procura um desses vídeos.
Lili salta de imediato para a cadeira e fica focada nas imagens. O MIRANTE não sabe se é permitida a entrada de cães em praças de touros como já acontece em alguns restaurantes. Se não é, deveria abrir-se uma excepção para Lili.
A timidez da cadelinha explica-se, segundo Gertrudes, pelo passado que teve. “Foi abandonada cinco vezes. Ninguém a queria até ficarmos com ela. Hoje ela e a Sissi são como filhas para nós”, afirma.
Nas paredes e móveis, para além de fotografias dos dois filhos do casal que já não moram com os pais, há fotografias da Sissi e da Lili, bem como de todos os cães que o casal já teve. “Morreram todos com mais de 15 anos, uma provecta idade para os cães, mas todos foram uma excelente companhia”, recorda Jaime Pereira que confidencia que visita regularmente o local onde foi enterrada uma das suas primeiras cadelas. “Não se visita um familiar no cemitério? Para mim é igual”, diz.
O casal Pereira reconhece que mima as cadelitas que por vezes elas têm ciúmes uma da outra. “Chegam a disputar a atenção por um mimo ou um biscoito”, explica Gertrudes. Na casa, os biscoitos em forma de osso estão sempre à mão.
Jaime Pereira, que sempre que alguém entra ou sai da casa, mesmo que seja uma visita esporádica, tem que dar “um bolinho” a cada uma. E assim foi também com O MIRANTE. Antes de deixarmos a casa da família Pereira demos um biscoito a cada uma.
Os cães de caça e o caçador que se arrependeu de ter falado com o jornal
Foi uma reportagem para o lixo. Tempo perdido como muitas vezes acontece. Um caçador que tem uma enorme matilha, que é usada em batidas ao javali, aceitou receber um jornalista de O MIRANTE e ele lá foi. Os animais aparentavam estar bem tratados e o espaço era adequado com lugares individuais e tudo. Foi-nos mostrado o registo dos cães e os chips e contadas algumas coisas sobre a caça, mas já com a reportagem feita e escrita o caçador e matilheiro avisou, sem qualquer justificação, que não autorizava a sua identificação nem a do local onde tem os cães e muito menos fotografias. Teriam sido denunciados alguns casos de maus caçadores que acabam por disparar sobre os cães quando estão a tentar acertar em javalis? Teria sido por ser cáustico quando se referiu a pessoas que tratam os cães como pessoas? Não sabemos mas lamentamos sempre quando nos fazem perder tempo.