Sociedade | 31-05-2019 12:30

Ritmos de aprendizagem alucinantes e pressão dos pais levam crianças à psiquiatria

Ritmos de aprendizagem alucinantes e pressão dos pais levam crianças à psiquiatria

Médicas do Serviço de Saúde Mental do Hospital de Santarém sem mãos a medir.

O ritmo de vida e os ideais criados pelos adultos são a principal causa do aumento de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Crianças nervosas, com agitação intensa, ansiedade incontrolável e problemas de concentração e dificuldade de aprendizagem são presença regular na consulta de Pedopsiquiatria da médica Ana Barata, no Serviço de Saúde Mental do Hospital Distrital de Santarém (HDS).

O Hospital de Santarém tem duas pedopsiquiatras e Ana Barata tem uma lista de 298 crianças e adolescentes, em consulta. Número igual ou superior tem também a pedopsiquiatra, Nazaré Matos. “Somos poucos, trabalhamos muito, fazemos o nosso melhor e trabalhamos com muita dedicação em prol da saúde das nossas crianças. Mas este é o país que temos”, lamenta Ana Barata a O MIRANTE, que foi perceber como anda o estado de saúde mental dos mais jovens, em vésperas de mais um Dia Mundial da Criança, que se assinala a 1 de Junho.

As crianças são desde cedo pressionadas por ritmos “alucinantes” nas escolas, por vezes sobrecarregados com os famosos trabalhos para casa (TPC), com pressões de rápida aprendizagem, por parte dos professores que têm um programa de conteúdos para cumprir durante um ano lectivo, orientado pelo Ministério da Educação.

Por outro lado, a esmagadora maioria dos pais e encarregados de educação pressiona as crianças para que cumpram os requisitos impostos socialmente. “É tudo uma bola de neve”, sublinha a Ana Barata.

Os professores são pressionados, os pais são pressionados e tudo isto cai em cima dos ombros de indivíduos com cinco ou seis anos de idade. “Há professores extraordinários nas escolas, o problema é que alguns estão esgotados. As turmas, principalmente do primeiro ciclo, são muito grandes e o excesso de alunos é promotor de todo o tipo de dificuldades nas crianças”, explica a especialista.

A médica conta que a grande maioria das crianças que chegam ao seu gabinete vêm sinalizadas pelas escolas com o prognóstico de possível hiperactividade mas não saem das consultas com aquele diagnóstico. “Só porque uma criança é mais agitada não significa que seja hiperactiva. A tolerância dos adultos para estas crianças é que não é muita, porque dão muito trabalho”, aponta a pedopsiquiatra.

“As crianças agitam-se por diversos motivos. É como a febre. Tem sempre que se perceber qual a origem e, em função disso, agir em conformidade”, acrescenta.

A escola é a grande sinalizadora de casos de perturbação mental, mas também os pais e encarregados de educação pedem marcação de consultas através dos médicos de família, embora sejam uma minoria.

A médica chama a atenção para o facto de os próprios adultos terem um estilo de vida propenso à exaustão, situação que vai afectar a capacidade de actuar perante a criança. Ana Barata recorda que Portugal é um país onde as mães trabalham muitas horas, e sublinha a falta de estratégias na parentalidade para lidar com as crianças.

Crianças sossegadas devem ser ainda mais vigiadas do que as mais irrequietas

Do outro lado de uma balança onde falta equilíbrio em várias frentes, estão as crianças que não dão muito trabalho, as que se encostam a um canto do recreio da escola e praticamente não interagem. “Estes casos são, por vezes, mais preocupantes que os das crianças agitadas”, explica a médica. “Estas crianças sofrem, em alguns casos, de perturbações internalizantes e são menos sinalizadas porque não incomodam, não chamam tanto a atenção mas às vezes têm problemas mais complicados de tratar”, aponta.

A diferença entre um problema mental e uma perturbação psiquiátrica tem a ver com a gravidade, a intensidade, a frequência e o impacto que os sintomas têm na vida da criança ou adolescente. Ou seja, quanto maior a incidência destes factores, mais provável é que sofra de uma perturbação psiquiátrica.

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