Maior fábrica de discos de vinil do país funcionou em Vila Franca de Xira
A Ibéria do empresário Manuel Simões chegou a empregar meia centena de trabalhadores.
Alfredo Marceneiro, Berta Cardoso, Tristão da Silva ou Anita Guerreiro são alguns dos nomes grandes do fado nacional cujas vozes foram gravadas e imortalizadas em discos de vinil produzidos em Vila Franca de Xira.
Foi naquela cidade ribatejana que em 1950, nasceu a Ibéria, a primeira fábrica nacional de microgravação de discos de vinil (LP), um facto histórico do qual resta muito pouca memória ou registo. O investimento foi feito pelo empresário Manuel Simões (1917-2008), natural de Pedrógão Grande e um dos primeiros editores discográficos portugueses.
O pedido de construção entregue na câmara municipal data de 1952 mas, como continua a acontecer nos dias de hoje com diversas obras, a licença de ocupação só lhe seria concedida em 1958, já a fábrica laborava a todo o vapor há vários anos.
Até então, a maioria dos discos em circulação no mercado era produzida no Porto e no estrangeiro. O objectivo era acabar com essa hegemonia no mercado e ao mesmo tempo dar oportunidade a músicos desconhecidos de mostrarem o seu valor gravando as suas peças, sobretudo fado, para nichos de mercado.
A fábrica laborou na avenida particular da actual Rua Alves Redol, à data chamada Rua Palha Blanco, de acordo com registos enviados a O MIRANTE pela Fundação Manuel Simões, que preserva algum do espólio deixado pelo empresário.
A Ibéria funcionou apenas durante uma década. Na sua fase mais activa chegou a empregar meia centena de trabalhadores num sector altamente tecnológico para a época. Acabaria por encerrar a meio da década de sessenta devido à forte concorrência da música anglo-saxónica.
Dois pisos e cabine de gravação
O espaço foi depois vendido para acolher uma metalúrgica e posteriormente funcionou como depósito operacional dos correios. Está hoje em processo de venda e na zona não há nenhuma referência a esse passado. Mas os discos prensados na cidade ribatejana ainda podem ser encontrados, com alguma sorte, nos mercados de velharias e em feiras do disco usado, com os seus rótulos “Estoril” e a informação: “Fabricados pela Ibéria em Vila Franca de Xira – Portugal”.
Hipólito Cabaço, coleccionador de vinil residente na cidade, foi um dos que se empenhou há alguns anos em tentar resgatar do passado mais informações sobre a fábrica. Da sua pesquisa no museu municipal, que partilhou com O MIRANTE, percebe-se que a mesma tinha dois pisos. A unidade de laboração ficava no rés-do-chão e albergava um depósito de pasta de vinil (a matéria-prima), sala de caldeira, prensas, fornos e depósito de matrizes (os discos de vinil são produzidos a partir de matrizes, ou discos mestres, feitos de prata e níquel). No mesmo piso funcionava também uma secretaria, um stand de vendas e o escritório do gerente.
No primeiro andar existiu um estúdio, cabine de gravação, um “foyer” para os artistas e uma sala de direcção. O segundo piso era composto por serviços de propaganda e publicidade, arquivo, gabinetes e sanitários.
Depois de ter sido quase dado como morto no princípio dos anos 90, substituído pelas capacidades digitais do disco compacto (CD) e da música em streaming, via internet, o vinil tem sentido um ressurgimento na última década, com vários artistas a lançarem as suas obras naquele formato e até editoras globais, como a Sony, a reactivarem antigas fábricas de prensagem de vinil semelhantes à que existiu em Vila Franca de Xira.
O som de um disco de vinil é obtido quando uma agulha desliza sobre microranhuras em forma de espiral existentes na superfície, da extremidade até ao centro do disco, que é girado por um motor eléctrico. Essas ranhuras fazem vibrar a agulha o que por sua vez transforma as vibrações em sinal eléctrico, possibilitando que seja amplificado e transformado em som audível.