Sociedade | 09-09-2019 12:30

A dura vida de quem tem mobilidade reduzida

A dura vida de quem tem mobilidade reduzida

Manuel Sousa tem 66 anos e depende de uma motorizada eléctrica para se deslocar. Em Aveiras de Cima, onde reside, não estão garantidas as condições de acessibilidade a cidadãos com mobilidade reduzida.

À porta de casa, na Rua da Ameixoeira, em Aveiras de Cima, Azambuja, tem marcado um lugar de estacionamento para pessoas com deficiência, com a matrícula do seu carro. Manuel Sousa demorou dois anos para conseguir esse benefício. Natural daquela freguesia, há muito que pede melhorias nas ruas, para se poder movimentar. Sente-se desprezado pelos autarcas locais.

Aos 66 anos, sem a motorizada scooter preparada para pessoas com mobilidade reduzida não consegue deslocar-se mais do que 200 metros. A perna esquerda começa a falhar e as dores intensificam-se. As dificuldades físicas advêm da guerra colonial, onde serviu como soldado em Moçambique, em 1974 e 1975. Ia ao volante quando passou por cima de uma mina. Contaram-lhe que o carro, em chamas, capotou três vezes. Esteve dois meses em coma. Não se lembra de nada, “só das dores e da falta de tratamento médico no hospital que ficou entregue às tropas moçambicanas”.

Depois de uma consulta médica, aos 50 anos, foi-lhe dito que tinha de ser operado de urgência ou ficava paraplégico. “Tinha várias hérnias a estrangular a coluna, e a perna, para além de queimada, tinha cada vez menos circulação”. Não ficou preso a uma cadeira de rodas mas ficou com 64 por cento de incapacidade. Motorista de pesados na altura, foi obrigado a antecipar a reforma.

Apelos continuam por cumprir

Nas várias reclamações que fez à Câmara de Azambuja, duas delas enviadas por e-mail, em Agosto de 2018, Manuel Sousa pediu que alguns passeios sejam rebaixados, para não continuar privado de se movimentar em algumas zonas da vila. “A Casa do Povo tem uma rampa de acesso, mas como chego até ela se o passeio é demasiado alto para subir? Não chego. Fico na estrada”, lamenta.

Para além das reclamações escritas já falou pessoalmente com os presidentes da câmara municipal, Luís de Sousa (PS), e da Junta de Aveiras de Cima, António Torrão (CDU). Ouviu promessas que nunca viu cumpridas.

Um dos dois filhos reside na Irlanda. Foi lá, durante uma visita, que Manuel percebeu que era possível fazer a sua vida sem limitações, desde “subir passeios sem dificuldade, entrar em autocarros, cafés e supermercados”. Uma realidade até então desconhecida. “Aqui fico à porta. Não tenho outra hipótese senão andar pela estrada sujeito a levar com um carro”, diz Manuel que é “apenas um entre muitos” que sofrem com a situação.

É a esposa, Emília Sousa, quem o leva às consultas e pediu a reforma antecipada para poder ajudar o marido.

A O MIRANTE, o presidente da Câmara de Azambuja admite que “há algumas situações para reverter” em Aveiras de Cima. Luís de Sousa lembra-se de Manuel e dos seus pedidos, mas fala em “esquecimento” no que diz respeito a resolver-lhe os problemas de acessibilidade. Acrescenta que têm “andado entretidos com outras situações”, mas que vão encontrar soluções, logo que possível.

O autarca ressalva que o município tem estado empenhado em desenvolver políticas de inclusão, dando como exemplo a instalação de elevadores e plataformas elevatórias nas escolas do concelho e no edifício da câmara municipal. Outra preocupação tem sido criar mais lugares de estacionamento para pessoas com deficiência, em Azambuja e assegurar-lhes o acesso nos novos projectos arquitectónicos para o concelho.

Lei é clara

A Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto considera “práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência, a recusa ou a limitação de acesso ao meio edificado ou a locais públicos ou abertos ao público”, assim como, entre outros, a “limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados”.

Apresentadas 911 queixas em 2018

Num relatório de 27 páginas publicado em 2018, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) revela que foram apresentadas 911 queixas por discriminação a cidadãos com deficiência. A maior fatia diz respeito à falta de acessibilidades (51,73%) e a condicionamentos ou limitações de direitos (28,58%). A esmagadora maioria das queixas (79%) está relacionada com o sector privado.

App para quebrar barreiras

Em 2018, a associação Salvador lançou a aplicação (App) +Acesso Para Todos que permite classificar os espaços ao nível das acessibilidades e denunciar aqueles que não reúnem as condições mínimas de acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Em Maio de 2019, a App resgistava 813 reclamações.

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