Sociedade | 30-06-2020 10:00

Empresários vendem música como quem vende sabonetes

Empresários vendem música como quem vende sabonetes

Nuno Ferreira é uma figura maior da música da cidade de Alverca, terra de onde é natural e ainda vive.

A cidade de Alverca tem melhorado nos últimos anos mas está longe de ser perfeita e ainda há coisas a melhorar, como cuidar melhor dos espaços verdes e do mobiliário urbano que nela existe. A opinião é de Nuno Ferreira, um filho da terra e uma figura maior da música daquela cidade. Conhece as ruas como a palma da mão e quando tomou um café antes da entrevista a O MIRANTE tratou por tu o dono do estabelecimento. “Este bairro é uma família e toda a gente se conhece”, confessou antes do gravador começar a registar as memórias e as opiniões de um guitarrista que já tocou com Sitiados, Da Vinci, Bryan Ferry, dos Roxy Music, Emanuel, nos programas televisivos de Herman José e, na última década, com Tony Carreira.


“Gosto muito da cidade mas há coisas a melhorar. Gostava que não se cortassem árvores gratuitamente. Gostava de ver os espaços verdes e o mobiliário urbano mais cuidado. E não gostava que viesse o aeroporto do Montijo para Alverca”, avisa.


O essencial na música, diz, é não ter medo do trabalho e não precisar de dormir muitas horas. Valeu-lhe o espírito de sacrifício e a mulher que o apoiou nas fases mais duras de trabalho. “Qualquer pessoa sem uma grande mulher não vai longe”, garante.


Na conversa participaram também Lucas Ferreira e Fábio Rodrigues, ambos de Alverca, que integram o Nuno Ferreira Trio e a banda tributo MT80, dois projectos onde Nuno Ferreira está empenhado nos últimos anos.


Nuno tem 46 anos e a sua paixão pela música despertou quando tinha 10 anos e começou a ter aulas de guitarra. Aos 14, enquanto tocava com uma banda de amigos, foi descoberto por outro músico que o levou a tocar em bares de Lisboa. “Tocava à noite e no dia seguinte ia para a escola. As sextas eram um dia desgraçado e quase não dormia. Mas sempre tirei boas notas”, conta.
Aos 17 anos gravou o seu primeiro disco em vinil. Tem memórias que davam um livro, incluindo quando apareceu o convite para tocar nos concertos dos Roxy Music, banda britânica de renome internacional à época. “Tocámos sempre ao mais alto nível, foi uma grande experiência. O Bryan é um gentleman, sempre a pedir as coisas com respeito e a agradecer no final”, recorda, enquanto mostra uma foto de uma das noites de concerto.


Música é caminho curto para vaidosos

Quem desvaloriza a qualidade e importância da música popular – ou pimba, como foi rotulada – não sabe do que fala e nem merece resposta, opina Nuno Ferreira, que acompanhou Emanuel durante vários anos e confessa que foi onde mais dinheiro ganhou no mundo da música. “Ao contrário do que se pensa ele é muito bom músico e aprendi imenso. Muita gente toca aquelas músicas mas soa a bailarico e arraial. Nós tocávamos com classe. Há música boa e má e a música popular também pode ser bem feita. E ele sabia fazê-la”, refere.


Nuno Ferreira considera que vale a pena lançar um disco em formato físico ainda que não renegue as plataformas digitais. “É como ler um livro ou ler fotocópias”, ironiza. A quem pirateia música chama-lhes ladrões e admite que se as autoridades quisessem mesmo acabar com a pirataria teriam formas mais assertivas de o fazer.


O segredo para o sucesso não é apenas ter talento, é preciso humildade e espírito de sacrifício. “Dei aulas de guitarra a pessoas talentosas que seguiram o caminho da música e outras super talentosas que estão a trabalhar como caixas de um supermercado. Pode haver um talento natural mas sem muito trabalho não se vai longe. A música é um caminho curto para quem for vaidoso”, afirma.


Um acidente e um assalto

Os MT80 são uma banda que tem dado nas vistas por todo o país e 2020 iria ser o seu grande ano, não fosse a pandemia de coronavírus. “Íamos ter 20 concertos em Agosto. Este ia ser o nosso grande ano mas tivemos de adiar para 2021”, lamenta. A banda arrancou em 2010 com um concerto em Cabo Verde e desde então têm tocado por todo o mundo, dos Estados Unidos da América a Timor.


Fábio e Lucas recordam o concerto dado em Stonehenge, Inglaterra, como um dos grandes palcos da história da banda. Apesar das voltas ao mundo é em casa que sentem o maior calor humano. Em São Tomé e Principe tiveram de actuar com uma mesa de mistura que só tinha metade dos botões a trabalhar e tiveram de usar radiografias para substituir a pele rota de uma tarola da bateria. Sofreram um acidente em 2017 que lhes causou 14 mil euros de prejuízo e em 2018 foram vítimas de um assalto em Portimão. “Levaram-nos uma carteira cheia com o dinheiro dos espectáculos dos vários dias. Mas nunca perdemos o espírito de arregaçar as mangas e dar o nosso melhor”, recorda Nuno Ferreira.


O grupo elogia a iniciativa “Concertos em Casa”, lançada pelo município de Vila Franca de Xira, onde músicos do concelho tocam e actuam via digital. “Só tenho a agradecer à câmara porque numa altura como esta pelo menos esse apoio mantém-nos vivos. Estes concertos online são uma iniciativa fantástica, a nível económico e psicológico para todos”, conclui.

Há muita gente a ganhar dinheiro com a música

A música ainda é pouco respeitada em alguns locais e isso reflecte-se em alguns oportunistas que tentam ganhar dinheiro com os músicos sem perceberem uma única coisa sobre o assunto. “Há localidades que conheço em que as pessoas tratam a música como sabonetes. Se a venda de sabonetes é que está a dar toda a gente vende sabonetes. Como se dão bem com o presidente da câmara, da junta ou com o pároco vão vender música a essas pessoas. As pessoas querem ser servidas e não têm noção do custo real e do que tem e não tem qualidade e acabam mal servidas”, critica. Por esse motivo as suas bandas não lidam com empresários e intermediários. “Há muita gente a ganhar dinheiro indevidamente mas isso é como todas as áreas de trabalho”, nota.

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