Sociedade | 01-12-2020 10:00

Sapateiro multado por alimentar cães abandonados continua a não deixar os animais passar fome

Sapateiro multado por alimentar cães abandonados continua a não deixar os animais passar fome
SOCIEDADE

Já passaram oito anos desde que Manuel Cristeta foi multado pelas autoridades por alimentar cães abandonados.

“Se fosse hoje não pagava a multa”. É assim que Manuel Cristeta, agora com 73 anos, começa por recordar um dos episódios mais mirabolantes da sua vida quando, ao alimentar um grupo de cães abandonados na propriedade do irmão, em 2012, viu o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da Guarda Nacional Republicana multá-lo em 995 euros.

Uma história que O MIRANTE deu em primeira mão e que rapidamente se difundiu a nível nacional, havendo mesmo quem se juntasse em grupos para angariar dinheiro para ajudar Manuel a pagar a multa. A solidariedade chegou também à comunidade emigrante que se ofereceu para enviar dinheiro para Portugal. Isto numa altura em que até a mota que o sapateiro usava para se deslocar foi penhorada pelo tribunal. Manuel sempre agradeceu o apoio mas recusou a ajuda optando por pagar tudo o que devia ao tribunal em prestações. A sua história ainda hoje é recordada quando se fala na defesa da causa animal.

“Paguei com grande custo mas foi o melhor. Não ia alimentar os meus cães e deixar os outros, só porque eram abandonados, a passar fome”, recorda aquele que é hoje o mais antigo sapateiro em actividade em Vila Franca de Xira. Continua a ter uma grande paixão por animais. Tem sete cães registados em seu nome mas quando vai à propriedade do irmão nunca nega ajuda alimentar aos animais que por lá andam ao abandono. “Continuo com a mesma vida de há dez anos. Não me arrependo. Todas as semanas levo duas ou três caixas de plástico de talhos aqui da cidade com carne para os cãezitos que lá andam. A polícia nunca mais me chateou mas ainda hoje tenho receio que a GNR apareça e implique comigo”, confessa.

“Foi a tribunal explicar o que aconteceu mas ninguém acreditou nele

Manuel é casado, tem duas filhas e dois netos. Na altura, o SEPNA apanhou-o a dar comida aos animais, entendeu que Manuel Cristeta ao alimentar os cães estava a tomar posse dos mesmos e levantou um auto por não ter licença dos animais, apesar de não ser dono de nenhum deles. Já tinha alertado as autoridades locais para recolherem os animais errantes e ele não foi capaz de deixar os animais à fome. O impacto da notícia virou-lhe a vida pacata de pernas para o ar. Do dia para a noite as televisões começaram a entrevistá-lo. Começou a aparecer gente na sapataria a oferecer ajuda e a mostrar solidariedade.

“Foi uma confusão. Fui a tribunal explicar o que aconteceu mas ninguém acreditou. Os meus cães tinham licença mas os outros não eram meus. Obviamente que dava comer aos meus e aos outros. Não fazia sentido que só porque alimentava os cães abandonados eles fossem meus”, explica. Manuel diz que apesar de toda a visibilidade o negócio não aumentou. “Não tirei vantagem nenhuma da situação. Paguei a multa e continuei a vida normal”, conta.

“Toda a gente quer é ganhar dinheiro com um emprego fácil”

Manuel é um rosto conhecido em Vila Franca de Xira e apesar das dificuldades diz que o trabalho vai dando para meter comida na mesa. Entende que parar é morrer e por isso enquanto puder vai continuar a arranjar sapatos e a fazer pequenos trabalhos de costura. Chegou a Vila Franca de Xira com 22 anos depois de uma curta carreira como canalizador em Alverca. Trabalho não lhe tem faltado mas nota que a pandemia veio dificultar a vida. “Quero continuar a trabalhar enquanto puder. Passo aqui os dias e não sou capaz de estar parado. Felizmente tenho tido saúde e ganho para comer. Gostava de ter alguém que aprendesse a arte de sapateiro mas hoje ninguém aprende a fazer nem quer fazer nada. Toda a gente quer é ganhar dinheiro com um emprego fácil”, conclui.

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